Eduardo Cunha é o síndico do parlamentarismo de negócios. Ele comanda o "nightmare team" que amedronta o presidencialismo de coalizão brasileiro.
Antonio Lassance (*)
Com sua eleição para a presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está com o queijo e a ratoeira na mão.
Sua vitória acachapante derrotou governo e oposição.
Ambos,
governo e oposição, torciam pelo menos por um segundo turno naquela
eleição - nem isso veio. Cunha não apenas levou a melhor. Mostrou que é
mais forte do que todos imaginavam.
O
feito de Cunha é notável. Derrotou os dois principais partidos que,
desde 1994, encabeçam os embates presidenciais e que presidencializaram
as disputas de muitos governos estaduais e das capitais.
Cunha
é, agora, o bode no meio da sala. Ele é o capitão da nau dos
descontentes. É o fio-terra de uma legião de insatisfeitos famintos por
um síndico do parlamentarismo de negócios
Juntando
os descontentamentos mútuos, Cunha conseguiu operar milagres como o de
unificar o PMDB e atrair PP e PRB, além de partidos nanicos, mas com
caninos tão afiados quanto o de grandes partidos.
Seus
267 votos são mais da metade dos 513 deputados. É um "nightmare
team" que amedronta o presidencialismo de coalizão brasileiro.
Passado
o Carnaval e a quarta-feira de cinzas, o governo tem no máximo até o
final de março para bater o martelo. Quer conviver com Cunha ou quer
mandá-lo pentear macacos?
O governo
vai suportar o cheiro de enxofre desse inferno ou preferirá enfrentar as
dunas movediças do Congresso Nacional com emoção e correndo o risco de
capotar?
A situação não tem outra descrição possível se não a do clichê de "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come".
Neste
momento, tudo o que Cunha quer é ser governo. Está doido para ser
governo. Não suporta ficar longe do governo. Só não se ajoelha e reza
pedindo para ser governo porque isso não cairia bem a quem agora é o
cardeal supremo da Câmara.
A base
que apoiou Cunha treme como em uma crise de abstinência. Corre atrás do
primeiro que apareça como um fornecedor confiável para os seus pleitos.
E
Cunha tem muitas faturas para pagar. Precisa de espaço no governo e de
poder de barganha para comandar a gestão de inúmeros interesses
privados. Precisa saldar seus compromissos e não dá para fazer isso só
com a presidência da Câmara.
Enfim, o
quadro que se configura, como nunca antes na história do país, é de
que, pela primeira vez, se gestou uma grande coalizão parlamentar na
Câmara não orientada pelo Executivo, mas pela própria Casa.
A
Câmara organizou-se como um condomínio fechado e interessado em
defender seus próprios interesses. Ela tem Eduardo Cunha e não tem medo
de usá-lo.
Quando Dilma fechou as
portas do governo para Cunha, anos atrás, não as fechou apenas para ele.
Fechou para muitos que agiam de maneira muito similar.
O
bambolê com que o então deputado Henrique Eduardo Alves a presenteou,
anos atrás, para que Dilma aprendesse a ter mais jogo de cintura, sumiu.
Dilma
tentou usar um ferrolho para um tipo de política. Na verdade, foi Lula
quem tentou usar um ferrolho para esse tipo de política. O ferrolho se
chamava e se chama Dilma Rousseff. Da mesma maneira como Dilma tentou
usar um ferrolho na Petrobrás com o nome de Graça Foster. Simples assim.
Mas
as soluções simples são, em geral, contraproducentes quando os
problemas, esses engenhosos senhores que dominam a Terra, resolvem
encontrar atalhos.
O que aconteceu?
Quando Dilma fechou as portas do Executivo para uma grande parcela de
sua própria base, desagradando partidos (inclusive o próprio PT),
centralizando a gestão e, sobretudo, contrariando inúmeros interesses,
esses interesses resolveram, diante do ferrolho no Executivo, ir bater
às portas do Congresso.
Passaram a
dominar uma parte importante da agenda parlamentar. Fizeram aprovar
projetos que contrariavam o Executivo, com a graciosa, mas nunca
gratuita, ajuda de muitos parlamentares.
Com
o Congresso mais endinheirado de toda a história do País, de agora em
diante, uma parte mais relevante da agenda política nacional pode sair
de dentro da Câmara, e não do Palácio do Planalto, que cada vez se
parece mais com um Corpo de Bombeiros tentando apagar incêndios.
Se a paz entre o Planalto e Eduardo Cunha vier a ser selada, o preço a ser pago será, ainda assim, muito caro.
Não
são apenas cargos que estão em disputa. É toda uma gama de interesses
do capitalismo brasileiro que encontra agora um porto seguro para
aportar e invadir as nossas praias.
Mundo,
mundo, vasto mundo, como diria o poeta Drummond. Se a presidenta se
chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução.
(*) Antonio Lassance é cientista político.
(Publicado originalmente no site Carta Maior)
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