No início do primeiro mandato de ex-governador falecido, tive a oportunidade de presenciar um debate esclarecedor sobre como o mandatário estadual pretendia tratar do problema carcerário do Estado de Pernambuco. Em sua mansão, na companhia do super- secretário Ricardo Leitão, da pesquisadora Ronidalva Wanderley
(FUNDAJ), do futuro assessor especial José Ratton e de um delegado da Polícia Civil, o neto de Arraes propôs que se privatizasse o sistema carcerário de Pernambuco, a exemplo do modelo norte-americano. Dizia ele, que a Polícia Militar executava os suspeitos e a Polícia Civil, roubava. Então achava que a solução seria transferir a custódia dos presos para uma
empresa público-privada, com administração própria, de forma a livrar o Estado da responsabilidade com a integridade física e a ressocialização dos detentos. Houve, nesta reunião, vários votos contrários a esta proposta. O modelo carcerário norte-americano combina com a sociedade norte-americana da auto-defesa, da redução do papel do Estado, a liberdade da livre empresa e do terrorismo penal. Os Estados Unidos da América possuem a maior população carcerária do planeta, têm pena de morte e prisão perpétua e um modelo de sociedade altamente criminógeno. Transpor, simplesmente, tal modelo para o Brasil não iria resolver a questão crucial da responsabilidade pública-estatal para com os apenados e sua ressocialização. Implicaria apenas na mera transferência de responsabilidade para o setor privado, livrando o governo das iniquidades do nosso sistema carcerário.
Esta discussão voltou à tona em razão do caos penitenciário que se estabeleceu em Pernambuco, com a rebelião e morte de presos. Além da degradação da vida humana nesse sistema penitenciário, há o grave problema da superlotação carcerária, que leva os presos a lutarem entre si pelo seu "espaço vital". Há, também, o problema da vara das execuções penais que não dá conta dos inúmeros processos por progressão da pena, prisão aberta, a liberdade dos presos etc. A ninguém de bom senso escapa a certeza de existir uma enorme negligência, para dizer o mínimo, do Estado para com os apenados. É como se eles não tivessem mais nenhum lugar na sociedade e, portanto, merecessem morrer. Daí que a palavra "ressocialização" soa hipócrita e sem sentido para esses detentos.
Pior é o conceito de "comunidade prisional" empregado pelo atual secretário de Justiça no sentido pejorativo do termo. Comunidade do crime e das famílias dos criminosos. Ao invés de tirar partido, tendo em vista a ressocialização dos presos, da proximidade familiar, para o gestor da pasta, essa comunidade só torna as paredes da prisão mais frágeis e devassáveis, pois as famílias dos detentos ajudariam a entrada de objetos proibidos aos presos: drogas, bebidas, armas, celulares etc.
Apostar na pura e simples transferência de responsabilidades do Estado para com a integridade física e mental dos presos, para as mãos da iniciativa privada é querer se livrar da obrigação da regeneração moral e social dos chamados "delinquentes". É entregar a custódia dessas criaturas à responsabilidade do mercado e da busca do lucro A privatização dos presídios não possui programa moral, educativo, cívico. Simplesmente é uma prestação de serviço, por particulares, a cidadãos provisoriamente privados de sua liberdade.
O que o Estado e seus servidores deviam cuidar é das prioridades do gasto social, para ver se em lugar de novos presídios e celas, se constrói mais escolas de tempo integral, os postos de saúde em pleno funcionamento, mais oportunidades sociais para aqueles que não nasceram nas famílias coroadas de Pernambuco.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia NEEPD/UFPE.
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