Publicado em 24 de fevereiro de 2015 às 11:48
por Luiz Carlos Azenha
No dia em que Hugo Chávez foi derrubado, na Venezuela, em 2002, um
episódio foi decisivo. Uma falsa notícia disseminada pelos meios de
comunicação locais, que repercutiu em todo o mundo e deixou os próprios
venezuelanos em choque. Mesmo eleitores de Chávez, aqueles que
acompanhavam a crise à distância, ficaram sem ação.
A falsa notícia era de que chavistas haviam atirado contra uma
manifestação de oposicionistas que estava a caminho do Palácio
Miraflores. Havia imagens para comprovar. Lá estavam eles, sobre a Ponte
Llaguno, disparando suas armas. As imagens viriam a ser desmentidas,
mais tarde, pelo documentário A Revolução Não Será Televisionada.
Na verdade as emissoras venezuelanas haviam suprimido um dos ângulos
do episódio. Por este ângulo, era possível ver que os chavistas, na
verdade, eram alvo de franco atiradores e disparavam aleatoriamente.
Eles não atiravam contra uma passeata, que nem havia passado por perto
daquele lugar.
Porém, a falsa notícia já havia feito o estrago. Chávez salvou-se por
vários motivos: apoio popular, lealdade entre os militares e um esquema
que permitiu a ele comunicar-se indiretamente com a população. Além, é
lógico, das besteiras feitas por Pedro Carmona, o empresário escolhido
para substituí-lo, que ao assumir fechou o Parlamento!
Através da rede CNN, partidários de Chávez conseguiram superar o
bloqueio informativo para dizer que o presidente não havia renunciado.
Fizeram o mesmo através de meios comunitários para levar a mensagem aos
morros de Caracas, onde ainda vive a grande maioria dos chavistas. Os
morros desceram para diante do Palácio Miraflores para defender Chávez,
que acabou reinstalado no poder.
O episódio deixou marcas profundas no chavismo. A partir de então,
uma das prioridades do governo foi equilibrar o jogo no campo das
comunicações. Ao contrário do que diz nossa imprensa, nunca houve
censura na Venezuela.
Houve, sim, investimento em desenvolver meios através dos quais o
governo pudesse falar diretamente à população. Além de um acerto de
bastidores com o principal empresário do ramo, Gustavo Cisneros, que
comandava então a principal emissora golpista.
O Brasil, obviamente, nunca enfrentou um episódio tão dramático. No
auge do assim chamado escândalo do mensalão, com várias CPIs instaladas
ao mesmo tempo, o ex-presidente Lula decidiu ir às ruas se defender.
Politicamente, virou o jogo. Obteve a reeleição, mas nunca saiu da
defensiva. Já são 13 anos de noticiário desequilibrado, que poupa
tucanos e criminaliza petistas.
Lula optou, sempre, pela composição. O quadro econômico positivo
permitiu que ele elegesse a sucessora, que se reelegeu pela menor das
margens.
Hoje, além do desgaste natural de três mandatos no Planalto, o
projeto petista na economia dá sinais de esgotamento e o escândalo na
Petrobras detonou a boa vontade da população com aqueles que promoveram a
ascensão social de milhões de brasileiros. O desgate do PT ficou óbvio
nas eleições mais recentes, quando as bancadas do partido encolheram.
Como escreveu Valter Pomar, petista histórico, o governo Dilma enfrenta a “tempestade perfeita”, também por conta dos próprios caminhos que escolheu:
Implementar mesmo que parcialmente o programa dos derrotados na eleição contribui para confundir e desorganizar as forças que venceram as eleições presidenciais de 2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela oposição de direita e também por setores da base do governo, não ajuda a bloquear eventuais tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um ambiente favorável aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.
É nestas circunstâncias que o governo Dilma e o PT poderiam tirar
proveito, mais que nunca, de um esquema de comunicação que permitisse a
eles falar diretamente à população, sem passar pelos intermediários da
grande mídia corporativa.
Este esquema não existe. De maneira um tanto caricata, isso ficou demonstrado num episódio recente envolvendo o ministro da Justiça.
José Eduardo Cardozo, todo pimpão, deu uma entrevista à TV Veja, crente
de que estava abafando. Passaram-se alguns dias e lá estava ele,
denunciado na capa da revista à qual deu a credibilidade de sua presença
física! O governo Dilma continua hoje sendo o principal financiador da
mídia que pretende não só derrubá-lo, mas salgar a terra por onde
passaram petistas.
O partido vai enfrentar uma eleição de vida ou morte em São Paulo, em
2016, quando Fernando Haddad tentará se reeleger para dar sustentação a
um eventual retorno de Lula em 2018.
Por causa da própria incompetência e mediocridade no campo das
comunicações, o PT e Dilma estão perdidos diante da grande revolução que
se deu nos últimos anos com o surgimento e fortalecimento das redes
sociais. Mesmo a blogosfera, aos poucos, vai ficando com cheiro de
naftalina. A comunicação instantânea e pessoal, especialmente via
Facebook e whatsapp, equivale a um tsunami.
O governo e o PT não estão preparados para esta disputa, que
pressupõe que ambos deveriam estar em um dos polos da geração de
conteúdo bombardeado e contra-bombardeado nas redes sociais. Esta
disputa exige competência e rapidez, que são a antítese do comportamento
que vemos vindo do Planalto ou de petistas com posições de poder.
Exige uma atitude guerrilheira, como a demonstrada pelo senador
Roberto Requião, armado com sua conta no twitter, um blog dinâmico e a
TV 15, que transmitiu ao vivo os acontecimentos recentes no Paraná.
Enquanto isso, a oposição nada de braçada, agora que conta com alguns
milhares de militantes digitais dispostos a disseminar qualquer
informação para minar as bases do governo.
Recentemente, fui procurado pela minha diarista, que estava assustada: “É verdade que a Dilma vai confiscar a poupança?”.
Respondi que havia acabado de publicar um desmentido do Ministério da Fazenda. Um desmentido, aliás, chocho, que duvidava da própria veracidade dos boatos que pretendia desmentir.
Segundo a minha diarista, o boato era tema de discussão dentro do
ônibus, com a maioria dos presentes desancando a presidente. Há dezenas
de outros relatos a respeito no Facebook. Deixam claro que foi um boato
de forte circulação via whatsapp. Que pode ter chegado a milhões de
pessoas.
É esse tipo de boato, que toca diretamente a vida das pessoas — o
confisco, afinal, é uma ameaça! — que vai minando aos poucos o que resta
da credibilidade do governo com aqueles que ainda não foram convencidos
pelo Jornal Nacional de que o mundo vai acabar por culpa de
petistas. Vai criando, silenciosamente, o caldo de cultura que alimenta a
campanha do impeachment.
Leiam o relato de Maria Luiza Quaresma Tonelli, no Facebook:
A diarista que presta serviços em minha casa me perguntou hoje se eu estava sabendo sobre “um negócio muito grande que vai acontecer nas ruas”. Perguntei: quando? Ela: no dia 15 de março. Então falei para ela que se trata de uma manifestação que estão organizando para tirar Dilma da presidência da república. Perguntei para ela como ficou sabendo disso e ela disse que as duas filhas e um genro receberam o “convite” pelo WhatsApp e que hoje no ônibus o assunto era esse. Disse que muitas pessoas falavam no ônibus coisas assim: “precisamos tirar Dilma de lá, ela quer acabar com a gente”. “Dilma é uma ladra”. Outros diziam: “Lula também”. Daí para pior.
Enfim, é assustador o poder e a capacidade da direita em atingir a classe trabalhadora com propaganda contra um governo que justamente beneficiou a classe trabalhadora, que majoritariamente é conservadora e despolitizada. Por isso não é capaz de pensamento crítico e cai no moralismo barato da oposição. Tem gente que diz que a massa trabalhadora não tem tempo para ficar vendo TV nem no Facebook, por isso não há perigo de ser influenciada pela extrema direita. Concordo. Mas pelo tal do WhatsApp a oposição está fazendo um trabalho e tanto. Vamos aguardar o dia 15 para ver qual será o tamanho da coisa.
A batalha da comunicação, em nossa modesta opinião, está perdida.
Talvez só mesmo uma grande derrota eleitoral seja capaz de provocar o
despertar dos burocratas.
PS do Viomundo: Recentemente, o prefeito Haddad deu uma entrevista à rádio Jovem Pan, que só repercutiu de fato depois de ir parar nas redes sociais! Sinal dos tempos.
(Publicado originalmente no site Viomundo)
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