Indagado
sobre o significado dos "olhos azuis" da alegoria carnavalesca,
público-privada, "O Galo da Madrugada", o artista plástico
responsável pela confecção da fantasia respondeu que era uma charada, um enigma
carnavalesco a ser decifrado pela imaginação dos foliões. Charada de fácil
decifração esta, considerando as relações mais do que promíscuas entre
produtores e artistas pernambucanos com o prefeito e Governo do Estado.
Quando o jornalista
Bruno Albertim ocupou o cargo de
Secretário de Turismo da Prefeitura do Recife, disse ele que o principal
produto turístico daquela secretaria era o carnaval do Recife, já apelidado por
muitos como o "maior do mundo".
Se o antigo folguedo popular da
cidade Mauricéa é ou não o maior do
mundo, uma coisa é certa: ele tornou-se uma das propagandas mais eficientes
para vender o Estado e o município ao mundo.
A engenhosa e cara operação simbólica para
transformar os festejos momescos no "principal produto turístico" de
Pernambuco é o resultado de uma sinergia de esforços e ações público-privadas,
que conta naturalmente com o interesse da mídia em co-patrocinar o evento. De
forma que, às vezes, se torna muito difícil distinguir o que é público do
privado, o que é oficial do espontâneo, do popular. O Carnaval é um desses
festejos pagãs, carregados de simbolismo (daí a estética do grotesco) que foi
convenientemente domesticado pelas nossas elites em vista de seus objetivos e
interesses. É uma empresa? É uma válvula de escape? É um rito pagão? Ou uma
forma de angariar consenso popular através do rico patrocínio público da folia
carnavalesca? - Talvez seja tudo isso e algo mais.
Se houve algum
princípio de inversão ou transgressão simbólica na organização do carnaval, nas
últimas décadas, é que se transformou de coisa marginal e suja em um
megaespetáculo televisivo, por onda posam e desfilam celebridades oriundas de uma cultura de massas barbarizada, que
junta crime, violência, pornografia, futilidades e denúncias de corrupção
praticadas por agentes públicos. A quem serve o carnaval, afinal de contas?
Ao invés de uma revolta
simbólica contra os poderes dominantes, através de alegorias grotescas e
demoníacas, a folia momesca tornou-se um instrumento de marketing e venda dos
mais diversos apetrechos. Mais o pior negócio é o estado de euforia, brilho, felicidade e satisfação que
supõe provocar no imaginário do povo, tendente a torná-lo mais receptivo e
tolerante às desgraças e descalabros do Poder Público e da própria estrutura
social, quando se for a folia.
Como povo parcialmente
socializado pela ética puritana do trabalho, o "ethos carnavalesco"
nos faz diferente das sociedades de índole cristã reformada. E há muitos
estrangeiros que admiram esse espírito dionisíaco e bacante, sobretudo nas mulheres.
Mas não nos deixemos enganar: a saudosa maloca da música de um Adoniran Barbosa
deu lugar a um arremedo televisivo de barraco de escola de samba, povoada de atrizes mais ou menos brancas e
arremediadas, loucas para convencer o distinto público da novela das oito de
que vale a pena ser brasileiro, carioca, pernambucano e recifense. Afinal de
contas, se não temos o melhor prefeito e governador do mundo, temos o maior
bloco carnavalesco do planeta. E isso é pouco?
Michel Zaidan Filho é historiador, filósofo, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD/UFPE.
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