Os intelectuais e
artistas de Pernambuco gostam de falar de animais em seus escritos. Lembro o
famoso ensaio do poeta e cronista Mauro Mota sobre o homem na fala dos
bichos. Os ensaios de Gilberto Freyre
sobre a permanência do cavalo na cultura pernambucana. Ou os admiráveis poemas
de João Cabral de Melo Neto sobre o “cão sem plumas” ou os “galos que tecem o
amanhã”. Como em tudo, há galos e galos.
Galos operários e tecelões que preparam com o seu canto
um novo amanhã para os mais pobres e humildes. E o galo de “olhos azuis” (como
os do ex-governador), festejado pelas elites políticas e econômicas do nosso
estado.
Dizia o humorista Millôr Fernandes, durante o regime militar, que a coisa
mais sem graça que existe é o artista oficial ou a favor. Para ele, o papel da
arte era fazer a crítica aos poderes dominantes. Um artista oficial ou
oficioso, com contracheque ou holerite da secretaria de Turismo ou da Cultura,
seja do Estado ou da Prefeitura do Recife, convenhamos, não tem muita graça. Os
políticos daqui têm o costume de utilizar os folguedos populares (e seus
artistas) como vantagem comparativa para vender o Estado e seus ativos
econômicos (incluindo as mulheres) aos estrangeiros que nos visitam. Até um
movimento contra- cultural, que nasceu nas margens, como o Manguebeat foi
aprisionado nas malhas dessa armadilha político-institucional que responde pelo
nome de “pernambucaneidade” ou “Nação-Pernambuco”. Há um verdadeiro aparelho
cultural responsável por essa engenhosa (e rendosa) operação simbólica: a
Fundação Joaquim Nabuco, o Museu” O paço do Frevo”, o museu “O cais do sertão”,
a Fundação de Cultura da cidade do Recife, várias secretárias municipais e
estaduais que cuidam da cultura e do turismo, a FUNDARPE e, claro, os meios de
comunicação de massa. Há também várias fundações particulares que se beneficiam
enormemente da construção dessa mitologia pernambucana. É um negócio milionário,
onde os artistas da terra devem ficar com as migalhas, quando recebem seus
pagamentos...
Contudo, o mais trágico é a mudança que se opera num folguedo popular:
de um rito alegórico de inversão dos poderes existentes num arremedo de cultura
cívica, destinado a vender a administração municipal ou estadual ou as garrafas
de cerveja de uma empresa multinacional, como a AMBEV. É o caso de se
perguntar: “Que rei sou?” , pois o
reinado alegórico dos de baixo contra os de cima transformou-se num
megaespectáculo televisivo para o mundo, onde as celebridades das colunas
sociais eletrônicas procuram se apresentar (ou se vender). O povo mesmo fica
nas arquibancadas vendo a corte passar. Triste carnaval esse do Galo oficial,
que anuncia não a madrugada dos que não tem pão nem água, mas dos que se
comprazem em desfilar na rua, sob o patrocínio de uma ditadura africana que
pode gastar 10 milhões de reais numa Escola de Samba do Rio de Janeiro (por
acaso, a vencedora do desfile desde ano).
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador,cientista político,professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD/UFPE
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