Acabei a leitura de uma tese doutoral sobre o controle da jurisdição
constitucional pelos magistrados. Esta é uma tese que, apesar de cada vez mais
atual, não é nem simples nem unanimemente aceita. Sua origem mais remota está na
obra dos “pais fundadores” da Constituição norte-americana. Ou seja, a ideia de
que a soberania popular – expressa através de seus representantes – precisa ter
limites (a tirania da maioria). E este limite tem que está fora do Poder
Legislativo e do Poder Executivo, portanto, no Poder Judiciário. É o que se
conhece como “review Justice”. Vem daí a supremacia constitucional da Corte.
Mas há outra fonte do poder do juízes que é o controle da jurisdição
constitucional, de Hans Kelsen, em seu debate com Carl Schmidt. O controle
concentrado de constitucionalidade das leis e fatos jurídicos ganhou reputação
e se generalizou, depois da segunda guerra mundial, com o modelo preconizado
por Kelsen e corporificado na figura de um Tribunal Constitucional alemão.
A primeira
recepção brasileira do controle concentrado de constitucionalidade foi na
Constituição de 1891, copiada ou adaptada por Rui Barbosa do modelo americano.
Aqui caberia um parênteses sobre até que ponto pode-se tomar a engenharia
institucional americana como padrão ou modelo de constitucionalismo moderno.
Haja vista que até um estudioso do
Direito Constitucional norte-americano admite a necessidade de adaptação desse
modelo, levando em conta os valores, a cultura e as singularidades de cada povo
ou nação. De toda maneira, seguimos a tradição americana na relação entre os
poderes e na necessidade de se colocar esse controle fora do âmbito dos dois
outros poderes (Legislativo e o Executivo). A questão central, no entanto,
seria perguntar se esse sistema de freios e contrapesos aqui no Brasil tem
funcionado a contento, ou seja, qual o grau de autonomia, independência,
imparcialidade da Suprema Corte diante dos fatos jurídicos.
Aqui temos de
admitir que o nosso judicial é alopoiético, para usar a expressão do alemão
Luhmman. Isto é, não possui autonomia diante do sistema político, é vulnerável
a pressões e a interferência dos outros poderes. Daí se dizer que são cortes políticas, antes de qualquer coisa, e pior: sem legitimidade para dizer das
leis ou feitos legais. E o que dizer da presumida, pretensa “imparcialidade”
dos juízes? Está o excelente artigo, recém publicado, do advogado da União,
Douglas Carvalho (hoje lotado na UnB), para desmascarar esse grande impostura.
Pior, sua subserviência aos ditadores de turno, desde Floriano Peixoto, Getúlio
Vargas, os generais de 64 e agora aos mentores do golpe parlamentar contra a
Presidente Dilma. Sempre é possível se arrancar algum parecer ou sentença, de
juízes complacentes ou acovardados, para justificar atos de violência contra a
Constituição.
A
propósito, é de se ver qual será o posicionamento da alta magistratura – como
Corte Constitucional – quando nela chegar uma ação direta de
inconstitucionalidade contra a PEC dos gastos públicos, tal a quantidade de
ilegalidades e inconstitucionalidades que ela contém. Mesmo que o chamado
“efeito vinculante” das decisões desse tribunal não obriguem o Legislativo a
acatar a decisão, será muito instrutivo acompanhar a posição dos excelsos
ministros na consideração das ofensas a “cláusulas pétreas” do texto
constitucional (como a separação de poderes e o voto secreto). E o que dizer do
“ativismo judicial” ou da “judicialização das relações sociais”? – Uma mera
mudança de atitude dos ministros diante de uma mudança da ideologia
constitucional brasileira? – Ou uma tomada clara, aberta de posição por parte
dos juízes em favor de um dos partidos (de interesses) em litígio no Brasil?
Seria muito cômodo e simples analisar essa mudança de postura como resultado da
crise de representação do Poder Legislativo, assaltado por uma miríade de
corporações. Infelizmente, é mais do que isso. O atual ativismo judicial
brasileiro não é prova da autonomia, independência ou imparcialidade dos
ministros do STF; ao contrário é prova provada de sua tomada de posição. E não
necessariamente a serviço da Constituição, da Legalidade, dos Direitos e
Garantias individuais.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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