Segundo o
ex-ministro da Justiça, da ex-presidente Dilma, todos os cidadãos e cidadãs são
responsáveis, civil e criminalmente, perante a justiça do País. Ninguém está
isento ou imune a responder processos ou prestar esclarecimentos às autoridades
judiciais, quando aparecem indícios de crime ou violação da lei. Este é um
princípio republicano que garante o tratamento isonômico a todos pelo Estado,
independente de raça, credo, nacionalidade ou ideologia. Não há ninguém acima
da lei ou acima de qualquer suspeita. Todos
somos imputáveis ou puníveis, desde que se estabeleça o devido processo
legal, seja garantido o direito do contraditório e a mais ampla defesa. Está na
Constituição de 1988.
Quando se começa
a criar privilégios legais para determinada classe de cidadãos (deputados,
senadores, prefeitos, procuradores, juízes etc.), o princípio republicano da responsabilidade civil é
restringido em sua amplitude e se criam dois regimes penais no Brasil.
Quebra-se a isonomia legal que o Estado republicano tem de garantir a todos os
brasileiros e brasileiras. Não temos um regime de castas, estamentos ou ordens
diferenciadas em nosso país. Todos são, em princípio, inocentes ou culpados,
até o transito em julgado no STF. Não poder haver nenhum tipo de distinção de
classe, status, cargo ou função que torne imune aos procedimentos judiciais nem
o cidadão comum nem a mais elevada autoridade da Nação.
Quando um
senador da República ou um governador de Estado se nega a responder à uma inquirição
da Justiça, sob qualquer pretexto, ele cria um precedente ilegal e desmoraliza
o aparelho judicial do Estado brasileiro. A investidura do cargo (seja ele
majoritário ou proporcional) não dispensa ou elimina, por imprópria e
descabida, a responsabilidade civil e criminal do investigado, denunciado,
citado, num inquérito penal, de responder cabalmente as questões formuladas pela Justiça, sobretudo quando já há provas e
indícios suficientes para a investigação.
Quando se
intima um governador ou um senador a deixar o cargo ou a prestar
esclarecimentos em relação a presunção de crime contra a administração pública,
e a citada autoridade ou o parlamentar
se nega simplesmente a responder ou aceitar a intimação e afirma que vai
desobedecer abertamente a decisão judicial, duas coisas podem acontecer:
primeiro, a desmoralização do sistema judicial, sua força vinculante e
imperativa: segundo uma jurisprudência perigosa de se só aceitar aquilo que se
quer obedecer ou concordar. Em ambos os
casos, todos perdem e ninguém tem razão. A razão assistirá ao partido mais
forte, naquele momento.Há sempre
o risco de decisões judiciais erradas. Mas contra elas, sempre poderemos
recorrer, num Estado de Direito Democrático, com as instituições e os órgãos
respeitados pela sociedade. E há também o chamado “jus esperniandi”, o direito
de protestar contra aquelas decisões que consideramos injustas.
Mas o
que vem acontecendo no Brasil, é outra coisa. Muitas ofensas praticadas por
procuradores e juízes às garantias e direitos individuais, sob o argumento da excepcionalidade dos tempos, e um progressivo desrespeito, desconsideração,
menoscabo pelas decisões judiciais, sobretudo de um poder em relação a outro
poder. Isso é muito grave. Nem os juízes
da suprema Corte são donos dos processos (a Constituição é que é) e portanto
não podem cometer arbitrariedades, com base em sua autoridade, nem os
cidadãos (sejam eles governadores,
deputados ou senadores e o próprio presidente da República) e cidadãs podem
deixar de respeitar o ordenamento jurídico do País.
Quando se abre um período
de exceção jurídica, cada um acha que pode legislar em causa própria ou
interpretar as leis de acordo com os seus interesses. Então se instaura um Estado
leviatânico de guerra, onde os mais fortes, mais
ricos, mais influentes sempre terão razão. E é preciso reconhecer que o STF,
como a Corte responsável pelo controle concentrado da jurisdição constitucional
no País, vem deixando muito a desejar, não só pela dissensão interna de seus
membros, mas pela omissão, partidarismo explícito ou o ativismo judicial
equivocado.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.
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