João Filho
ENTÃO É NATAL e todos estão curtindo o recesso, principalmente nossos deputados e senadores que só voltam a trabalhar em fevereiro de 2017. E, já que temos a certeza que nenhuma votação acontecerá na madrugada com a aprovação de medidas impopulares, podemos ler um livro, fazer maratona com as séries atrasadas e assistir a um bom filme com tranquilidade.
Para proveito dos nosso leitores, a equipe do The Intercept Brasil indica livros, filmes e séries que fizeram nosso 2016 melhor. Confira enquanto o ano não termina e nasce outra vez (e veja também as indicações em inglês da equipe nos Estados Unidos aqui e aqui):
LIVROS
Utilizei este livro no ano de 2016 para uma pós em comunicação política. O livro de Manuel Castells examina como esses diferentes movimentos em rede se organizam em espaços online para ocupação do espaço público urbano. Muitas vezes sem lideranças, os movimentos que no Brasil tiveram destaque nas ‘Jornadas de junho de 2013’, possibilitaram um movimento de pressão que teve impacto direto no mundo político. De lá pra cá, em maiores e menores intensidades, tanto o campo da esquerda quanto da direita ocupam as ruas para manifestar, ora apoio, ora repúdio à atuação política. O livro é didático ao explicar as revoltas que se iniciaram na ‘Primavera Árabe’ e que derrubaram diversos ditadores daquela região. – George Marques
Acabei de ler este romance de fantasia inspirado na mitologia africana. É uma trilogia que apresenta duas narrativas que se cruzam: a do protagonista, um jornalista da classe média paulistana, e a dos orixás num tempo mítico. Pelo fato do autor ser publicitário, fui ler com os dois pés atrás, mas, apesar de alguns clichês enfadonhos em torno do protagonista, a história é excelente. Só o fato do autor trazer a mitologia dos orixás para a literatura brasileira já vale a leitura. – João Filho
de Luiz Ruffato
Ao ler o livro de Ruffato, descobrimos que somos muitos cavalos. Entendemos o quanto somos pequenos diante do todo. E que a vida acontece ao seu próprio ritmo, não espera o nosso. Simplesmente, as coisas se fazem. É um livro sobre a cidade, sobre a metrópole e o compasso dos tempos modernos que não permite tempo para contemplação. A vida é líquida e segue. O ar é meio esquizofrênico e é dessa forma que o autor organiza a obra.
O livro conta pequenas histórias de diferentes personagens da cidade de São Paulo. Tudo acontece ao mesmo tempo. Nada chega a um desfecho. É a vida de cada um pulsando na cidade, que é a personagem principal do livro. – Juliana Gonçalves
O moleque Tochtli gosta e chapéus, de aprender palavras novas, de hipopótamos anões e de samurais. Ele vive num palácio, tem seu minizoológico, uma vida de pequeno príncipe, mas conta em menos de duas dezenas o número de pessoas que conhece – e algumas delas viram “cadáveres”, como ele mesmo descreve. Tochtli é filho de “El Rey”, um fictício todo poderoso chefe do tráfico de drogas no México, e é ele, o moleque, que narra sua rotina no livro de Juan Pablo Villalobos.
O príncipe do tráfico vive num superprotegido templo, é criado pelos seguranças comparsas de seu pai, presencia execuções como atos rotineiros, mas não chora. Chorar é coisa de “maricas”. Com esse filtro da inocência de uma criança-narradora, o livro ganhou um espaço cativo em minha estante, assim como no movimento da narcoliteratura latino-americana. Em suas poucas páginas (96), Festa no Covil fala muito mais sobre violência e a solidão que ela proporciona que muito livro-reportagem sobre essa mesma realidade. – Ana Freitas
de Roberta Paduan
Esse livro-reportagem de Roberta Paduan traz um raio-x da empresa que, de símbolo maior de orgulho nacional, teve a moral arrastada para o fundo do poço com os escândalos da Lava Jato. Uma boa leitura para quem quer entender melhor o noticiário atual e para aqueles que acham que as ilegalidades na empresa começaram no governo PT. Roberta mostra que a corrupção na petroleira é bem anterior a isso. – Helena Borges
Um dos lançamentos do ano foi a mais completa edição já publicada de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, com extensa fortuna crítica, fotos, reproduções de manuscritos e organização de Walnice Nogueira Galvão, pela Editora Ubu, fundada pelas editoras que fizeram da Cosac Naify referência em qualidade de catálogo e design.
O livro começa narrando o Brasil em dimensões cosmogônicas, como se mapeasse as condições geológicas, históricas e antropológicas do país visto do espaço – talvez a um alienígena ou historiador do futuro para quem esta terra já não mais existisse, tragada pelo destino anunciado na tragédia do terço final do volume. É um dos maiores livros já escritos em qualquer língua — e especialmente por causa de suas contradições. Seu autor é um republicano e militarista convicto que termina sem conseguir descrever a chacina da vitória que deveria comemorar. – J.P. Cuenca
Naomi Klein é uma jornalista canadense excelente que há muito tempo escreve sobre capitalismo, consumismo e clima. Mesmo assim, ela admite no livro que, até recentemente, negava a mudança climática. Não na forma que Donald Trump e seu bando de zelotas fazem, mas no sentido de que acreditava que a mudança climática existe, mas continuava vivendo avida, esperando que uma solução mágica resolveria tudo de uma vez e fingindo que o futuro não seria horrível se a gente não alterasse drasticamente o modo como nossa sociedade é construída. Provavelmente, você que está lendo isso ainda é assim. E exatamente por isso, vale a pena ler esse livro, que é sobre, simplesmente, o assunto mais importante do mundo e ela tem ideais geniais para enfrentar a crise iminente que criamos para o planeta e nossas sociedades. Existe um documentário com o mesmo nome. – Andrew Fishman
O livro que todo mundo, mas principalmente os homens, e mais ainda os homens negros – deveriam ler. É um livro-carta de um pai para seu filho adolescente sobre o que significa crescer negro nos Estados Unidos. É uma reflexão que Ta-Nehisi faz a partir dos vários assassinatos de homens negros pela policia estadunidense, e logo alcançou as listas dos mais vendidos e ganhou o prestigioso prêmio National Book Award de não-ficção. Descreve uma realidade também tipicamente brasileira, na qual a falta de punição dos crimes cometidos por policiais e a abordagem violenta e seletiva de corpos negros justificam-se através do racismo institucional. É uma conversa dolorosa e sincera, que temos a impressão de ler através do buraco de uma fechadura, mas também cheia de amor e de esperança. – Ana Maria Gonçalves
Essa mulher é brilhante. É tudo o que consigo dizer com dignidade sobre essa poeta fuderosa, ganhadora do Nobel de Literatura em 96. Esse é o segundo livro dela publicado no Brasil, uma coletânea com poemas de várias fases. Seus versos são de uma simplicidade transparente e poderosa. Não existe nenhuma afetação, nenhuma necessidade de, truncando palavras, fazer-se parecer maior que a arte ou a vida, como é lamentavelmente tão comum entre os que se pretendem gênios. E é justamente por estar sempre tão ciente de sua minúscula condição de pessoa, sempre tão admirada com os mistérios e as grandezas do existir, que sua poesia é tão forte, tão bonita. Eu distribuiria exemplares, se me sobrasse dinheiro. – Anna Carolina Cardoso
de Orlando Zaccone
Somos Indignos de vida porque somos acionistas do nada. Uma frase que junta dois livros que se complementam, escritos por Orlando Zaccone, um delegado de polícia do Rio de Janeiro que é a favor da legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas. No “Acionistas do Nada” ele descreve o processo seletivo das pessoas presas e condenadas pelas condutas descritas como tráfico de drogas. Já no “Indignos de vida” ele descreve a prática de extermínio dos inimigos do Estado,através de ações policiais militarizadas, quando o estado cria um sistema que legitima a violência como forma de punição pelo crime detráfico. São obras essenciais para entender a violência urbana e o extermínio de jovens negros e periféricos de forma legal. – Cecília Olliveira
A solidariedade internacional entre trabalhadores é, em minha opinião, um dos fenômenos mais comoventes que a história pode produzir. Saramago, é provável, concordaria. Já sabido de sua doença, ao deparar com o caso de uma bomba não explodida na Guerra Civil Espanhola, anota: “Afinal, talvez ainda vá escrever outro livro”. O artefato havia sido sabotado, e portava uma mensagem dos seus fabricantes, operários, aos soldados da Frente Popular, não menos trabalhadores: “Esta bomba não explodirá”. Este notório caso de camaradagem à distância compeliu o escritor, mas sua história é interrompida, dolorosamente, em meio a uma frase proferida por seu protagonista, artur paz semedo, trabalhador de uma fábrica de armamentos. Mais não pode ser dito desta espécie de despedida. Esta é uma recomendação com contraindicação. É triste presenciar tão de perto a ausência de Saramago, mas seu último meio-livro, Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas, merece o esforço. – Erick Dau
Depois de tanto assistir a Chomsky abordar a política mundial em sua palestras e entrevistas, não é incomum esquecer aos poucos sua importância no campo da linguística. Mas a leitura desta série de entrevistas transcritas com o filósofo James McGilvary não só traz a linguística à tona, como também evidencia suas interseções com a filosofia e a política na visão de Chomsky. Além disso, conta com elucidativas explicações de McGilvary que tornam acessíveis as passagens mais densas e técnicas. Para complementar a leitura, recomendo o filme e bate-papo ilustrado com Chomsky criado por Michel Gondry, Is the Man Who Is Tall Happy? – Inácio Vieira
Já ouvia o amigo Rodrigo Savazoni falando de ‘alucinação consensual’ se referindo ao hoje, agora ontem, e citando Gibson há um tempo, mas ainda não tinha lido Neuromancer. Me custou o Pedro Inoue fazer uma das capas mais fodas que já vi para comprar o livro e – estar em processo de – devorá-lo.
Agora durante as idas e vindas de metrô abro o livro e me conecto ao ambiente cyberpunk futurista imaginado nos anos 80. – Thiago Dezan
Agora durante as idas e vindas de metrô abro o livro e me conecto ao ambiente cyberpunk futurista imaginado nos anos 80. – Thiago Dezan
Em Smart – Uma Pesquisa sobre internets, do jornalista francês Frederic Martel, o leitor é levado a refletir sobre como consumimos conteúdo na internet e sobre os seus limites. O autor pesquisou durante 5 anos, 50 países observando experiências. No Brasil a experiência destacada foi a do Porto Digital, em Pernambuco, apontada dentro do conceito de cidades inteligentes. Apesar da pesquisa densa, o Martel conduz o leitor em um leitura simples e agradável, mas deixando você incomodado com o cenário que se desenha em países como China, conhecida pela censura e também como os gigantes de tecnologia como Facebook e Google controlam as informações dos seus usuários. – Emílio Moreno
SÉRIES
Netflix
A série do Netflix “Black Mirror” é um dos comentários sociais mais provocativos, reflexivos e perturbadores sobre os perigos da tecnologia presentes em qualquer meio. Cada episódio deslocará seus confortáveis conceitos sobre a internet, as mídias sociais e a tecnologia digital, desorientando-o e forçando-o a questionar uma ampla gama de conceitos que você provavelmente já adotou sem pensar criticamente sobre. Neste sentido, a série desempenha um dos mais valiosos papéis que qualquer obra de arte pode assumir.
Originalmente transmitido no Canal 4 do Reino Unido, a série migrou para o Netflix em 2013, onde todos os episódios podem ser vistos com legendas em português. Com a transferência, a série se tornou ainda mais ousada e complexa. É difícil escolher um episódio favorito, mas um deles em particular – “Nosedive” – ficou em minha mente com uma intensidade distinta. Ele apresenta uma sociedade obcecada com as avaliações das redes sociais e a gratificação imediata ou punição que cada um recebe através do julgamento digital dos outros. Eu percebi quão relevante isso era quando flagrei minha atenção voltada para o Twitter, monitorando a reação a algo que eu havia postado, ao invés de assistir à série: adotando precisamente o comportamento que a série critica tão densamente.
De fato, o que faz desta série tão poderosa é que a maioria dos episódios acontecem em um futuro nada distante. Ela parece sutilmente fictícia porque as tecnologias apresentadas ainda não estão totalmente apresentadas ao público, mas elas estão tão perto disso que a distopia parece mais próxima e inevitável que distante e impossível. Talvez o maior elogio seja dizer que é impossível assistir a vários episódios em sequência: cada episódio é tão intenso e perturbador que o espectador tem uma sobrecarga moral e intelectual quando tenta assistir mais de um capítulo de uma vez. – Glenn Greenwald
Caracol TV
É uma excelente série-documentário produzido por uma emissora de televisão colombiana sobre Pablo Escobar. Para quem deseja conhecer mais a fundo o narcotraficante e esse fascinante período da história colombiana, esta série vale muito mais a pena que Narcos. A narrativa mergulha fundo no personagem e narra passagens da sua infância e adolescência. São 113 capítulos e muitas vezes vira um novelão pelo excesso de dramaticidade, mas não compromete a série. – João Filho
Netflix
Poderia falar de Sherlock, Stranger Things, The Good Wife, The Night Of, Mr. Robot, todas elas séries excelentes e que , de alguma maneira, permearam o meu 2016 (terceiro ano sem televisão em casa). Mas eis que, já no fim deste interminável ano, aparece The Crown. Só pela temática, a sempre bizarra família real britânica (oi? que ano é este mesmo?), a série seria, no mínimo, um dos meus guilty pleasures, assim como todos aqueles filmes como Elizabeth, A Rainha, A Outra, etc.
No entanto, The Crown faz um retrato histórico primoroso dos primeiros anos do reinado de Elizabeth II. Sim, o figurino, a fotografia e a trilha sonora são excelentes. Mas o que dizer do velho Winston Churchill, personificado por John Lithgow, nos bastidores do poder de uma Inglaterra pós-guerra e com uma jovem rainha? O enredo da vida real realmente sempre supera qualquer continho de fadas, digo, de princesas. – Ana Freitas
Comecei a assistir neste semestre The Crown, o drama produzido pela Netflix e o primeiro a ser feito no Reino Unido. A história conta detalhes da vida da Rainha Elizabeth II do Reino Unido a partir de seu casamento em 1947 até os dias atuais. Apesar da narrativa mais lenta, que pode incomodar o espectador mais inquieto, os episódios impressionam pela reconstituição da época, razão pela qual, a série já é considerada a mais cara produzida pela empresa de streaming. – Emílio Moreno
Netflix
Não sou muito fã de adaptações de HQ para cinema ou TV, talvez porque prefira abordagens mais realistas. Mas, em um tempo em que tanta coisa que pouco tempo atrás julgaríamos fantasiosas estão se tornando reais, a suspensão da realidade já nem é um exercício tão complicado assim. Portanto, resolvi encarar Luke Cage mais como curiosidade (por conta de algumas discussões que eu já vinha acompanhando antes mesmo do lançamento), e gostei bastante. Conta da história de um homem negro, vivendo no Harlem e tentando viver o dia a dia do Harlem, perseguido tanto pela policia quanto pelos vilões. Os personagens são bem desenvolvidos, a trama convence ao mostrar também as injustiças sociais e raciais e a série pode suscitar uma discussão bastante interessante sobre genocídio da população negra, ao colocar no centro da narrativa um homem negro a prova de balas. – Ana Maria Gonçalves
Netflix
Uma das séries mais comentadas de 2016, Stranger Things, estreou no Netflix este ano e chegou com a dose certa de nostalgia e um terror quase pueril. O que me levou à série foram as referências aos anos 80, principalmente as musicais. E, acabei presa pelo suspense das coisas estranhas que acontecem com um grupo de crianças. A primeira temporada tem oito capítulos que podem ser vistos em até dois dias, o que é uma boa pedida para dias de descanso em casa. – Juliana Gonçalves
HBO
É ficção científica, é velho-oeste, é suspense e é muito mais que isso, também. A série nos faz questionar os conceitos de humanidade, realidade e memória. É ótimo rever Anthony Hopkins sendo misterioso, sombrio e cruel. Mas quem tomou conta, para mim, foi a maravilhosa Thandie Newton em um papel surpreendente, que a permite demonstrar todo seu potencial. – Helena Borges
HBO
The wire não é uma série qualquer. É “A” série. Apesar de encerrada em 2008, ela é vista, revista e citada constantemente quando o assunto é política pública, principalmente de segurança, que é em grande parte extermínio de jovens negros e periféricos de forma legal. – Cecília Olliveira
Netflix
Eu te indicaria assistir a segunda temporada de Mr. Robot, caso você já não tivesse visto. Me senti moleque de novo vendo Clube da Luta pela primeira vez. Então não vou queimar cartucho. Aposto $5 que se você assistir os dois primeiros episódios de 3% você assistirá a série toda. Vi alguns amigos reclamando de uma coisinha aqui outra ali, mas confesso que fiquei feliz em ver a primeira série brasileira no Netflix versando sobre um futuro distópico porem possível, afinal de contas, pós 2016, quem sou eu pra duvidar de algo.
Logo que vi a notícia do lançamento no Netflix tive uma sensação de déjà vu, parecia já ter assistido alguns anos antes em algum lugar, então fui procurar e encontrei de novo 3 episódios piloto lançados em 2011, bem mais simples, um pouco menos “Black Mirror”, mas bem legais também para ilustrar a trajetória da série. – Thiago Dezan
Netflix
Popular no mundo, e que em 2017 caminha para a quinta temporada, a série de ficção House Of Cards mostra um político inescrupuloso, que não mede esforços para conquistar o poder nos Estados Unidos, passando por cima de tudo e todos. Em muitos casos há semelhas indissociáveis a fatos que ocorreram em 2016 na política brasileira. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso pela Polícia Federal suspeito de diversos casos de corrupção, é visto na imprensa estrangeira como o ‘Frank Undewood’ tupiniquim. Para compreender os bastidores da política brasileira é essencial acompanhar esta série. – George Marques
FILMES
de Roberto Berliner
Na década 50, Dra. Nise da Silveira tirou o tratamento psiquiátrico brasileiro da Idade das Trevas para a modernidade através de uma idea simples: estimular o cérebro. Algo que é bom para todos os seres humanos, deixando claro que ninguém está perdido demais para ser ajudado. Além de ser uma mulher num mundo (ainda mais) machista, era uma iconoclasta, e por isso tinha que lutar ainda com mais firmeza para defender uma ideia que hoje parece tão óbvia. Interessante para imaginar quais práticas atuais, daqui uns 60 anos, a gente vai olhar com horror. – Andrew Fishman
de Ava DuVernay
É um documentário essencial que devia ser passado em escolas. “A 13ª Emenda” revela como o sistema penitenciário dos EUA perpetua a escravidão, sob o verniz da legalidade e justiça. O título do filme se refere à 13ª emenda à Constituição dos EUA, que aboliu a escravidão formalmente com uma mão, mas com a outra, permite a exploração da mão de obra e o descarte de cidadãos negros no país da “liberdade”. Isto porque a 13º Emenda da Constituição dos EUA estabelece que a escravidão e a servidão involuntária são ilegais, “exceto como castigo por um crime”. O documentário é minucioso e traz informações sobre a retórica eleitoral dos EUA e a explosão carcerária, que não por acaso, rende muito lucro para empresários que instalam seus negócios dentro das penitenciárias, onde a mão de obra é barata e não por acaso, comparada a escravidão moderna. – Cecília Olliveira
de Gavin Hood
Uma operação para encontrar e matar homens-bomba em Nairobi, com o auxílio de drones, é coordenada pelo exército britânico. Nas salas de comando, na Inglaterra, generais e políticos discutem sobre os danos colaterais do ataque. Nos centros de operação, soldados se questionam sobre pressão de apertar um botão. Enquanto isso, no Quênia, crianças brincam desavisadas no terreno ao lado. – Helena Borges
de Hugo Prata
Lançado em novembro deste ano, o longa Elis conta a história de Elis Regina. A cantora é interpretada pela atriz Andrea Horta que praticamente incorpora a pimentinha. O filme traça toda a carreira de Elis, desde sua chegada ao Rio de Janeiro até o quadro de depressão que a levou a morte, passando por seus casamentos, filhos e diferentes fases da vida.Vale destacar o trabalho de caracterização da equipe, em alguns momentos não sabemos se é Elis ou Andrea. Quem gosta da cantora e de música brasileira precisa assistir. – Juliana Gonçalves
Tem lá na HBO – e isso pode ser reconfortante se você tem mais de 30 e já parou para repensar (e/ou refazer) a vida pelo menos uma vez. Noah Baumbach não tem muita piedade quando retrata um grupo que viveu a vintolescência como se não houvesse amanhã, afinal. Então é bom estar em casa para assistir à Broke, personagem da (sempre adorável, divertida e perdida; às vezes, irritante) Greta Gerwig lutando para colocar sua vida adulta (toda trabalhada no erro, na hipsteria e na economia criativa) no lugar enquanto se torna amiga da filha do padrasto, recém-chegada a Nova York. Algumas risadas, várias alfinetadas. – Anna Carolina Cardoso
de Gabriel Mascaro
Boi Neon não é só um filme. Não posso falar de qualquer intenção, mas ali surgiu, diante de mim, um tratado do cinema brasileiro. A unidade da sua forma e de seu conteúdo lhe confere a mais genuína representação do Brasil: feio e lindo, feliz e triste, resignado e resiliente. Gabriel Mascaro, brasileiro de Recife, explodiu o laboratório porque esqueceu de seguir as fórmulas. Adiciona aqui, tira ali, vamos ver no que dá: Boi Neon é, entre todas as coisas, um filme surpreendente, imprevisível e imensamente bonito. – Erick Dau
de Lee Toland Krieger
A incrível história de Adelaine conta sobre uma moça jovem e bonita, que após sofrer um acidente de carro ela parou de envelhecer, na flor da idade. A beleza que lhe marca os traços de uma mulher poderosa, é apimentada com uma sabedoria que só o tempo pode moldar. A trama se complica quando ela encontra um amor do passado, que a reconhece de imediato e toma um grande susto, tendo em vista que ele percebe que o tempo não passou para Adelaine. É um filme de outro, para uma reflexão sobre a vida. – George Marques
de Robert Epstein
O filme não é novo (de 2010), é verdade, mas foi uma descoberta para mim em 2016, em meio ao mar de sugestões em sentido do Netflix. Howl é uma biografia do homônimo poema de Allen Ginsberg, uns dos percussores da literatura beat. Lido pelo próprio autor em 1955 na lendária Six Gallery, em São Francisco, ele foi publicado pela City Light Books, do também poeta Lawrence Ferlinghetti, e gerou um maravilhoso processo por obscenidade. O filme resgata essa história, que rendeu ainda mais fama à geração beatnik, e ainda intercala falas de Ginsberg (James Franco) em um tom um tanto quando documental com uma animação no melhor estilo graphic novel do personagem protagonista, o poema, claro. – Ana Freitas
de Michael Ware e Bill Guttentag
Só os mortos foi filmado com uma camera que parece muito a primeira handycam MiniDV que tive, ainda aos 17. Na época já achava irado usa-la para fazer videos experimentais em vez dos clássicos videos de familia/casamento que eram seu destino mais provável. Quando vi o Michael Ware no meio do conflito no Iraque se filmando no espelho com uma dessas entrei em éxtase.
O filme é cruel, impiedoso, mas para além da própria narrativa das entranhas da guerra e das rupturas psicológicas vividas pelos seus operadores, Só os Mortos me faz duvidar do jornalismo de escritório e fortalecer uma convicção de que é “se metendo em confusão” (como diz meu pai) que produziremos conteúdo verdadeiramente relevante e inusitado. – Thiago Dezan
de Richard Linklater
Na verdade vou indicar uma trilogia, do diretor Richard Linklater, formada pelos filmes “Antes do Amanhecer”, “Antes do Pôr-do-Sol e “Antes da Meia-Noite”. Não há nada de muito especial nos filmes que os transformem em obras primas, mas do modo como a história de amor entre Céline e Jesse, contada em três tempos, com diferença de 10 anos entre cada uma delas, gravada também a cada 10 anos com os mesmos atores, Ethan Hawke e Julie Delpy. Ela, francesa, e ele, estadunidense, se encontram por acaso e se apaixonam um pelo outro em uma viagem de trem pela Europa, e decidem passar uma noite juntos andando e conversando pelas ruas de Viena, até o amanhecer, quando ambos retornarão para suas casas. Uma história de encontros e desencontros que poderia ter sido vivida por qualquer um de nós, a qual retornei recentemente ao saber que, de fato, é inspirada em uma história real vivida pelo diretor. Richard Linklater conheceu Amy em uma loja de brinquedos na Filadélfia e passaram seis horas juntos, da meia-noite às seis da manhã, como o casal do primeiro filme. Mas como a vida nem sempre tem final feliz, Linklater acreditou que, vendo o filme, a moça o procuraria, sem saber que ela tinha falecido meses antes em um acidente de carro. O diretor só soube de sua morte após o terceiro filme, e vale a pena assistir a trilogia tendo isto em mente. – Ana Maria Gonçalves
de Belisario Franca
Dói muito ver os horrores do passado, mas não feche os olhos porque é importante. Esse documentário mostra um lado do Brasil lamentavelmente tenebroso, mas é instrutivo e importante entender. – Andrew Fishman
de Adam Curtis
O filme trata da manipulação de narrativas por corporações e governos que acaba criando um mundo falso e simplificado para nos manipular. Em 165 minutos, o documentarista britânico Adam Curtis (autor de “The Century of the Self” e “The Power of Nightmares”) traça um ambicioso panorama de 40 anos da geopolítica mundial, dissecando a ambiguidade construtiva de Henry Kissinger, o uso político do Coronel Gaddafi pelas potências ocidentais, o esquema teatral que mantém Putin no poder e também a utopia libertária da internet, mas principalmente concentra-se em dois eixos, hoje na ordem do dia: o clã dos Assad na Síria, central para entender a crise do Oriente Médio e seus reflexos planetários, e a ascensão de Donald Trump, da direita e do controle do mercado financeiro sobre a política econômica. – J.P. Cuenca
O Reino Unido enfrenta sua pior crise social desde a Segunda Guerra. Após 2008, ano que viu o sistema financeiro que sustenta Londres ruir, o ex-ministro da Fazenda, George Osbourne, implementou medidas de austeridade que defendia serem fundamentais para a recuperação econômica do país. Mais de seis anos depois, o governo conservador começa a acordar para o fato de que a saída da crise passa necessariamente por sérios investimentos, e não cortes. É muito provável que essa constatação tardia não demonstraria resultados a ponto de salvar o protagonista do filme de Ken Loach. Um carpinteiro de 59 anos se recupera de um ataque cardíaco e tem de enfrentar a burocracia do sistema de assistência social britânico para manter o mínimo na geladeira.
Imprescindível olhar para as consequências destes cortes que afetam os mais vulneráveis no mundo supostamente desenvolvido e traçar paralelos com o momento brasileiro. O filme estreia no Brasil no próximo dia 5 de janeiro – Inácio Vieira
O filme é uma releitura de Crime e Castigo de Dostoievski e explora as questões morais em torno de um assassinato. O protagonista é um professor de filosofia extremamente culto, depressivo, amoral, com uma vida sexual problemática e que perdeu completamente o prazer de viver. Depois que comete um assassinato, sua vida ganha cores e tudo passa a fazer sentido. É um Woody Allen cheios de clichês de Woody Allen, e por isso mesmo achei muito bom. – João Filho
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