Há alguns anos, por razões impostas em função das contingências de uma pesquisa em andamento, estivemos na aprazível cidade baiana de Cachoeira, localizada na Região do Recôncavo Baiano, onde estivemos na sede da Irmandade da Boa Morte e do famoso Coco de Roda de Dona Dalva, o mais representativa entre todos os Cocos da Bahia. Dona Dalva é doutora Honoris Causa, título concedido pela Universidade do Recôncavo Baiano. Na sede da Irmandade da Boa Morte, tivemos a oportunidade de conversar com um professor que havia desenvolvido uma metodologia toda especial de abordar e desfazer o preconceito religioso entre os seus alunos em sala de aula.
Os procedimentos por ele adotados nos deixaram uma impressão positiva até hoje. Sempre que visitamos comunidades quilombolas, desde então, fazemos menção ao assunto, dada sua importância. A Irmandade da Boa Morte é uma é um festejo ou ritual religioso realizado harmoniosamente entre a Igreja Católica e as Religiões de Matriz Africana. Em tempos idos, alguns negros perseguidos fugiram de Salvador e procuraram refúgio na cidade de Cachoeira, onde foram acolhidos por membros da Igreja Católica, surgindo daí a aliança estratégica, traduzida na fundação da entidade. O ritual é realizado anualmente, no mês de agosto, atraindo milhares turistas ou local, inclusive do exterior.
A boa morte é uma referência a um conceito relacionado aos sofrimentos infligidos aos escravizados - olha o identitarismo - para os quais a morte seria um alívio dos seus sofrimentos, significando a transcendência para o encontro com seus irmãos no outro plano. Nos momentos de folga das pesquisas, nada melhor que os sucos de jenipapo - uma fruta hoje rara em alguns estados do Nordeste, mas ainda abundantes por lá - e apreciar um bobó de camarão às margens do Rio Paraguaçu. A cidade tem ótimas referências histórias, mas não vamos nos alongar por aqui. Num dos nossos romances recontamos essa experiência naquela cidade.
Esta introdução é para falarmos sobre um episódio desagradável ocorrido naquele estado, na cidade de Camaçari, traduzido como mais um caso de intolerância religiosa contra uma professora local. A professora adotou um determinado livro e ministrava aulas de cultura africana, como está determinado na matriz curricular, ou seja, cumpria um conteúdo previsto. Sabe-se que os pais dos alunos não gostavam do texto da professora, criando alguns idiossincrasias em torno do assunto. Adepta do Candomblé, às sextas-feiras, como é tradição, a professora Sueli Santos, utiliza vestimentas convergentes com a sua religião e passou a ser tradada como "bruxa", "catimbozeira", "demônia", "satanás" e "feiticeira". Os alunos que a agridem são evangélicos, foram advertidos pela escola - tanto eles quanto seus pais - mas as agressões continuaram.
Num determinado momento, enquanto estava numa sala realizando outras tarefas, a professora Sueli Santos foi apedrejado por esses alunos, que atiraram contra ela pedras pela janela. Ferida, a professora precisou de atendimento médico, em mais um episódio triste deste momento delicado que o país atravessa, onde o ódio é estimulado com propósitos políticos, algo típico de projetos autoritários de cunho fascista.
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