O país continua com uma dificuldade incomensurável de ajustar as contas com o seu passado. Depois dessa última tentativa de golpe de Estado - felizmente fracassada, para o bem de nossas instituições democráticas - percebe-se, nitidamente, a temperatura elevada na caserna, sobretudo no tocante ao que fazer em relação aos militares envolvidos naquela trama, em hierarquia e números elevados. Sugere-se que os comandantes que se recusaram a embarcar na aventura de ruptura institucional recente estão sendo mal vistos na tropa, exatamente por cumprirem seus deveres constitucionais, impedindo que tal transgressão se materializasse.
Esses militares legalistas serão convocados a se pronunciarem em relação ao que houve de fato e isso, inevitavelmente, irá comprometer aqueles que estiveram no epicentro da trama golpista. Aliás, esse jogo de empurra, empurra tornou-se a tônica entre os militares que estão arrolados nessas tessituras. Ninguém assume que é golpista, que tentou um golpe de Estado, onde esteve em jogo até mesmo a eliminação física de autoridades da República. A estratégia de defesa é a mesma, ou seja, eu não tenho nada a ver com isso e a culpa é sempre do outro. Estão tentando tirar o corpo fora. Com isso, o que não se constitui na realidade numa surpresa, a gente descobre que golpistas também são covardes, uma vez que não assumem o que fazem diante do aperto da justiça.
Neste contexto, a Comissão da Verdade sempre atuou com limitações evidentes, num jogo de escaramuças entre o poder civil e o poder militar. Mesmo assim, agora vem uma resolução do CNJ que determina que os cartórios serão obrigados a emitirem certidões de óbitos daquelas desaparecidos durante o regime militar, consoante as identificações procedidas pela Comissão da Verdade. Num dos nossos romances, Chaminés Dormentes, disponível na plataforma da Amazon, o terceiro, na trilogia sobre a industrialização têxtil no país tomando como referência a cidade-fábrica de Paulista, na Região Metropolitana do Recife, abrimos um capítulo onde abordamos essa questão, relativo a dois casos emblemáticos, envolvendo um cidadão que desapareceu misteriosamente até hoje, em princípio, sem qualquer ligação com algum grupo de enfrentamento da ditadura militar.
Um outro caso, relativo a um militante que morreu depois de ser submetido às frequentes torturas e, logo em seguida, sugere-se que ele havia morrido de outras causas que não em razão das torturas a ele infligidas. Havia médicos para emitiram esses laudos falsos. Este último caso chegou à Comissão da Verdade que, embora com suas limitações de origem, determinou que fosse emitido um laudo configurando que ele havia sido morto sob a tutela do Estado, depois de submetido às sessões de torturas e não havia resistido.
Neste último volume da trilogia, como estamos tratando da década de 60, tornou-se inevitável as referências aos reflexos do Golpe Civil-Militar na cidade, onde havia, até mesmo, células do partido comunista atuando entre os operários da Companhia, organizadas pelo líder Gregório Bezerra. Outro fato marcante do período foi o Massacre da Granja São Bento, onde militantes da ALN foram eliminados fisicamente pelas forças repressoras comandadas pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, depois de serem delatados pelo infiltrado Cabo Anselmo. Entre os quais, Soledad Barret Vedina(foto acima), grávida de Anselmo, que deixou seu último poema, dedicado a sua mãe, reproduzido no romance. Estamos convencidos de que torturadores têm algum distúrbio neurológico sério. Fleury fez questão de passar pela famosa ciranda de Dona Duda, no Janga, antes de se dirigir ao local do massacre. Eles não tiveram a menor clemência com a gravidez de Soledad, encontrada dentro de um barril, com o feto que havia sido abortado, coberta de sangue. Convém a gente falar dessas coisas para aqueles que andam, irresponsavelmente, nas portas de quartéis exigindo intervenções militares.
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