A democracia oligárquica
Anunciados
os resultados das eleições italianas, o economista Joseph Stiglitz
escreveu um artigo contundente no site Project Syndicate. O resultado
das eleições italianas, diz Stiglitz, deveria mandar uma mensagem clara
para as lideranças europeias: as políticas de austeridade recomendadas e
praticadas por eles são rejeitadas pelos eleitores.
O economista considera um despropósito antidemocrático entregar os governos a tecnocratas enredados em ligações com o establishment,
inclinados a adotar políticas ineficazes para atingir os objetivos
proclamados, mas suficientemente cruéis para disseminar a miséria entre
os cidadãos da Eurolândia.
“A realidade mostra que a maioria dos países da União Europeia está
mergulhada na depressão. A queda do PIB italiano desde o início da crise
é tão grande quanto a observada nos anos 1930 do século XX. Na Grécia, o
desemprego entre os jovens bateu nos 60%, e na Espanha chegou a mais de
50%. Com essa destruição de capital humano, o futuro da Europa não
parece brilhante.”
A grande imprensa nacional e estrangeira rodopiou em torno de
seus preconceitos para estigmatizar o humorista Beppe Grillo. Tal como a
grã-fina de Nelson Rodrigues, os midiáticos de anedota e champanhota
lançaram de suas narinas de cadáver as mesmas ventanias desferidas
contra o presidente venezuelano Hugo Chávez antes, durante e depois do
anúncio de sua morte. “Populismo!”, gritam indignados, enquanto escondem
sob as cuecas as vergonhas de suas ideias grotescas e as patifarias de
suas políticas malfazejas.
A “impotência política” dos governos esconde os segredos da dominação
oligárquica: a ocupação do Estado e de seus órgãos de regulação pelas
tropas das finanças e dos interesses corporativos graúdos, sob as
bênçãos da cogula midiática.
Nos 1990, sob a forte e notória influência dos lobistas das grandes
instituições financeiras, os Parlamentos aceleraram as reformas da
legislação para abrir caminho às práticas agressivamente “inovadoras”
dos mercados.
A finança e sua lógica notabilizaram-se por sua capacidade de impor vetos às políticas macroeconômicas.
A despeito do desemprego e da desigualdade escandalosa, as ações
compensatórias dos governos sofrem fortes resistências das casamatas
conservadoras. Ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e
da renda dos grupos privilegiados, a globalização desarticulou a velha
base tributária das políticas keynesianas, nas quais prevaleciam os
impostos diretos sobre a renda e a riqueza.
Os programas de redistribuição de renda, reparação de desequilíbrios
regionais e assistência a grupos marginalizados têm encontrado forte
resistência dentro das sociedades. Mais um ardil da razão: o novo
individualismo construiu a sua base social na grande classe média
emergente na longa prosperidade e as políticas igualitárias
predominantes na “Idade de Ouro” do Estado do Bem-Estar.
Agora em escombros, as classes médias, nos Estados Unidos e na
Europa, ziguezagueiam entre os fetiches do individualismo e as
realidades de declínio social e econômico. O reconhecimento da crise
como um fenômeno social é inevitável. E esse reconhecimento torna-se
mais disseminado quando o desemprego e a desigualdade prosperam em meio à
teimosa celebração do sucesso de alguns indivíduos.
Trata-se, isso sim, de esmagar os princípios do regime democrático
representativo, movendo as engrenagens do moinho satânico. No atual
funcionamento das democracias parlamentares do Ocidente, como disse
Luciano Cânfora, o sistema trata de limitar a eficácia dos organismos
eletivos que acabam por assumir funções periféricas ou de mera
ratificação diante dos poderes oligárquicos, sobretudo no campo da
economia e das finanças, enquanto a mídia de massa cuida de obstruir a
capacidade de compreensão da opinião pública.
Na visão de Cânfora, as forças populares e seus partidos não foram
capazes de antecipar o recurso mais eficaz da economia capitalista, a
diversificação e a fragmentação crescente das classes em escala nacional
e internacional. “Os poderosos são unidos e internacionalistas, prontos
para enfrentar por meio de governos considerados democratas, a seu
serviço em qualquer emergência; os outros não dispõem de coligação
internacional, nem de partido, nem de perspectiva.”
Só os cínicos ou néscios ignoram que as tropas da Economia, essa
degeneração da metafísica ocidental, transformaram os Estados numa
caricatura da República, em um mercado de influências e transações
suspeitas.
Essa engrenagem controla o Estado por dentro e precisa produzir as condições que a ajudem a reproduzir a si mesma.
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