sábado, 2 de março de 2013
Resenha de "Como Mudar o Mundo", de Eric Hobsbawm
Eric J. Hobsbawm. Como mudar o mundo. Marx e o marxismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. 423p.
Também em Como mudar o mundo encontramos os mesmos traços distintivos que, como uma espécie de marca registrada, caracterizam toda a vasta obra do mundialmente consagrado historiador Eric Hobsbawm. O mesmo padrão de qualidade da escrita, sempre cristalina, concisa e elegante, e da argumentação e análise, sempre bem fundamentada, abrangente e imaginativa; e sempre a mesma abordagem marxista, de um marxismo rigoroso, autônomo e sofisticado. Por tudo isso é que Hobsbawm — que, como nenhum outro historiador contemporâneo, foi capaz de dar conta de todas as esferas da vida humana, dos múltiplos tempos da história e dos mais diversos espaços (daí porque o historiador Christopher Hill, assim lhe dedicou um de seus livros: “Para Eric Hobsbawm, que sabe sobre tudo, incluindo o século XVII”) — tem recebido o reconhecimento e a consagração de todas as partes do mundo e de todas as correntes historiográficas.
Claro que para os marxistas, em particular, isso ocorre por causa do instrumental teórico-metodológico por ele adotado (que potencializaria ao máximo os seus talentos e dons naturais de historiador), ao passo que para todos quantos são estranhos a essa concepção, e mesmo assim o admiram, isso ocorre apesar do seu marxismo (sem o qual ele seria um historiador ainda maior).
Como mudar o mundo, diferentemente de todos os outros livros de Hobsbawm (todos, salvo engano, traduzidos para o português), reúne textos escritos (e alguns reescritos), ao longo de toda uma longa vida, mais precisamente entre 1956 e 2009, como o autor esclarece no Prefácio; eles formam um total de 16 capítulos, divididos simetricamente em duas partes, uma intitulada “Marx e Engels” (capítulos 1 a 8) e outra “Marxismo” (capítulos 9 a 16); com destaque, nessa parte, para os capítulos 11 e 12, dedicados ao marxista italiano Antonio Gramsci.
Para ilustrar a grandeza do historiador, leia-se a seguinte passagem (do primeiro capítulo intitulado “Marx hoje”): “Marx, por meio de seus textos, continuou a ser uma força colossal em três sentidos: como pensador econômico, como pensador e analista da história e como o reconhecido pai (junto com Durkheim e Max Weber) da reflexão moderna sobre a sociedade. Não estou habilitado a expressar uma opinião quanto à sua persistente e evidentemente séria posição como filósofo”. Impossível discordar dessa perfeita apreciação do pensamento e obra de Marx.
Contudo, e para problematizar seja a figura de Marx seja a de Hobsbawm, note-se na frase que o autor tem a honestidade intelectual de excluir o campo da política da força colossal dos textos de Marx. No capítulo 3, intitulado “Marx, Engels e a política”, reconhece: “Há lacunas substanciais nas ideias conhecidas de Marx e Engels sobre esses assuntos [políticos], e por conseguinte, incertezas a respeito de quais eram ou poderiam ter sido essas ideias”; e, mais à frente, “[...] até certo ponto deliberadamente, Marx e Engels deixaram para seus sucessores um pensamento político com vários espaços vazios ou preenchidos de modo ambíguo”. Para concluir: “O que se podia aprender com Marx era o método com que enfrentava as tarefas de análise e ação [...] era isso, com certeza, que Marx desejaria que seus adeptos aprendessem”.
Ora, vistas as coisas em perspectiva histórica, não se pode isentar esse método de falhas e/ou insuficiências decisivas e fatais, a não ser julgando todos os que tentaram seguir e aplicar seus ensinamentos (dos marxistas alemães reformistas e revisionistas, passando por todos os outros marxistas a oeste do Reno, aos mencheviques e bolcheviques russos) como estúpidos incapazes.
É-se tentado a dizer que há em Marx, e, por fidelidade a ele, em Hobsbawm, uma ambição e presunção incompatíveis com a capacidade intelectual humana de interpretar e controlar a história (mesmo entre os mais dotados e sábios): o primeiro achava que tinha encontrado, ao contrário de todos os pensadores anteriores, a chave cientifica nesse sentido, e o segundo, continuando a acreditar piamente nisso, acha que a receita (o método) marxista ainda é válido — de onde o titulo do livro. Mas como resistir a refutá-lo? Basta lembrar que, se na segunda década do século XX, os marxistas (como os bolcheviques) sabiam como mudar o mundo, hoje não sabem mais, e não sabem porque, como lembrou alguém, hoje (diante da complexidade da realidade), quem não está confuso é porque está mal informado.
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Modesto Florenzano é professor de História da USP.
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