Veio do professor Antonio Delfim Netto a boa resposta aos sábios que
defendem uma freada na economia. Numa breve declaração à repórter
Gabriela Valente, ele disse o seguinte:
- A empregada doméstica virou manicure ou foi trabalhar num call center.
Agora, ela toma banho com sabonete Dove. A proposta desses "gênios" é
fazer com que ela volte a usar sabão de coco aumentando os juros.
Aos 84 anos, com 13 de ministério, durante os quais mandou na economia
como ninguém, mais 20 de Câmara dos Deputados, Delfim diz que o Brasil
vive um "processo civilizatório".
Graças ao restabelecimento do valor da moeda por Fernando Henrique
Cardoso e ao foco social expandido por Lula, Pindorama passa por uma
experiência semelhante à dos Estados Unidos durante o governo de
Franklin Roosevelt. Em poucas palavras: ou tem capitalismo para todo
mundo, ou não tem para ninguém.
Ao tempo dos gênios, um ministro do Trabalho disse que o Brasil não
tinha desemprego, mas gente sem condições de empregabilidade.
Em 2002 havia no país seis milhões de desocupados. Entre eles estivera o
engenheiro Odil Garcez Filho. Em 1982, quando Delfim era ministro do
Planejamento, ele fora demitido, decidiu abrir uma lanchonete na avenida
Paulista e batizou-a de "O Engenheiro que virou Suco". No vidro da
caixa colou seu diploma. Garcez morreu em 2001 e não viveu uma época em
que faltam engenheiros no mercado.
A doméstica que virou manicure da metáfora de Delfim Netto não tem
identidade, mas é um contraponto ao Brasil de Garcez, de uma época em
que os gênios viriam a atribuir a falta de absorventes femininos a um
"aquecimento da demanda", como se o Plano Cruzado tivesse interferido no
ciclo biológico das mulheres.
Com seu sabonete Dove a manicure de Delfim entrou num mercado de higiene pessoal que em 2012 faturou mais R$ 30 bilhões.
O "processo civilizatório" incomoda. Empregada doméstica com hora extra e
acesso à multa do FGTS, o sujeito de bermuda e chinelo no check-in do
aeroporto, cotistas e bolsistas do ProUni na mesma faculdade do Júnior,
são um estorvo para a ordem natural das coisas.
Como o foram a jornada de oito horas, os nordestinos migrando para São Paulo e o voto do analfabeto.
Quando Roosevelt redesenhou a sociedade americana, a oposição
republicana levou décadas para entender que estava diante de um fenômeno
histórico. Descontando-se os oito anos em que o país foi presidido pelo
general Eisenhower, ela só voltou verdadeiramente ao poder em 1969, com
Richard Nixon, 36 anos depois.
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