Quem vê a falta de entusiasmo de Ciro Gomes com as alternativas
presidenciais disponíveis –Eduardo Campos, Aécio Neves e Marina Silva—
fica com a vaga sensação de que ele está aborrecido com algo que ninguém
sabe muito bem o quê. Lendo-se uma entrevista que Ciro concedeu ao
repórter Biaggio Talento fica-se sabendo: Ciro é o político mais
preparado que Ciro conhece. “Até por demérito dos outros, sou o mais
treinado…” Não perdeu o velho sonho. “Gostaria de ser o presidente do
Brasil”. Mas acha que, no frescor dos seus 55 anos, “talvez esteja
ficando fora de moda.” Hã?!? “Estou completamente proscrito do debate.
Meu partido não me chama para nada, eu sou um inconveniente para todo
mundo.” Disponível aqui, a entrevista vai reproduzida abaixo:
- Não almeja mais ser candidato à Presidência da República? Não,
desisti. Só quero ser [candidato] agora se as coisas se organizarem
para isso. Porque tenho uma tragédia na vida, da qual não me arrependo,
que me traz à situação em que me encontro nesse momento: hoje, até por
demérito dos outros, sou o político mais treinado, que tem a experiência
mais extensa, municipal, estadual, federal ângulo tal, ângulo outro,
acadêmico e com juventude relativa, 55 anos, e estou completamente
proscrito do debate. Meu partido não me chama para nada, eu sou um
inconveniente para todo mundo. Isso porque eu não acho que vale a pena
compactuar com o que está aí. Esse banquete fisiológico, clientelista,
quando não corrupto, PT-PMDB. Nós outros, PDT, PCdoB, PSB, comendo
migalhas embaixo da mesa, sem ter a menor influência numa agenda
progressista para o Brasil. Sequer o debate existe. Não me agrada esse
império das conveniências, dos oportunismos. Talvez eu esteja ficando
fora de moda. Mas eu sigo lutando. Amo a política, amo o povo
brasileiro. Aos 34 anos de luta, nunca respondi sequer uma
representação, nem para ser inocentado. Isso já tendo ocupado a chefia
da economia do País. Continuo estudando, viajo para o estrangeiro, faço
palestras, enfim, sou um militante e gostaria de ser o presidente do
Brasil, mas, confesso, não quero mais brigar.
- E as declarações atribuídas ao senhor, segundo as quais
Aécio Neves, Eduardo Campos e Marina Silva não teriam condições de
governar o país…? Veja bem a fraude que é a nossa mídia. Não
disse isso. Eu disse o seguinte: são três pessoas muito boas – não sei
como editaram a matéria - enfim, disse que são pessoas preparadas, com
espírito público, agora sinto um deserto de ideias. Nós vamos votar
neste, naquele ou naqueloutro por que são meus amigos, gente boa,
simpáticos? É ruim para o País. O governo Dilma está preso nessa
coalizão fisiológica e tocando aí o dia a dia do governo fazendo essas
pequenas iniciativas, truques fiscais, e está aí o País, amarrado nessa
taxa pífia de crescimento econômico. Os autorreferidos candidatos não
apresentam uma ideia! Agora o Aécio, através dos jornais, disse que vai
conversar comigo. Por que precisa conversar comigo e não fala na
televisão para eu ver? Eu quero conversar com ele sempre, é meu querido
amigo. Aí o Eduardo [Campos] diz que eu sou voz isolada dentro do PSB.
Ora, eu estou cansado de saber que sou voz isolada. A questão não é
essa. É como alguém quer ser o presidente da República e não se sente
obrigado, constrangido e estimulado a andar pelo País, visitar o Brasil e
falar o que pensa, o que está errado. Porque, se o cara é candidato
contra a reeleição da Dilma, primeiro ele tem que sair do governo. Sou
um velho que cultiva lealdade, coerência, decência.
- A proposta de Cid Gomes é que Eduardo Campos fosse o vice de Dilma… Cid
é uma pessoa idealista e de boa-fé, mas sabe quando Eduardo vai ser
vice? Nunca. Porque essa coalização (PT-PMDB) acabou de ser cimentada
com Renan Calheiros na presidência do Senado e Henrique Alves na
Câmara. Você acha que com esse espólio de poder, já tendo a
vice-presidência da República, Michel Temer, eles vão trocar de vice?
- Então, PSB vai ficar de fora desse processo de sucessão? Claro
que vai ficar. Sempre defendi candidatura própria. Mas a questão é: se
nós queremos ter uma candidatura própria, temos que dizer por que e
agora. Porque o povo não vai entender que a gente fique comendo
migalhas debaixo da mesa do banquete PT-PMDB e seis meses antes das
eleições a gente saia do governo. Até porque o segundo lugar que era
nosso na opinião pública brasileira é da Marina Silva. E quem vai
representar essa negação
pseudoética? Não que ela [Marina] não seja ética, ela é, mas o
discurso como se fosse abastância de si mesmo do moralismo cristão, de
um ambientalismo difuso, essas coisas todas, é muito simpático. Agora, é
assim que ela vai ser presidente da República? Ela quis quando era
ministra do Meio Ambiente, minha colega, que o Brasil assinasse um
tratado internacional declarando que energia hidráulica, nossas
hidroelétricas, era energia não renovável, o que colocaria na suspeição
de insustentabilidade todo o aparato produtivo do Brasil. E ela mudou
de ideia? Se mudou, quero saber. E o Aécio ao lado do Fernando Henrique?
Exaltando a memória do Fernando Henrique. Quer dizer então que ele vai
privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e a Petrobras, ou seja
vai completar a “agenda modernizante” do Fernando Henrique. Não acho que
ele seja propriamente isso, pois não vendeu a Cemig. Então porque ele
está exaltando esse modelo? Ele não se elege exaltando esse modelo. O
povo brasileiro quer uma coisa melhor, e o PT é muito melhor, com seus
gravíssimos defeitos, do que o PSDB foi.
- Uma disputa presidencial que começa um ano antes não prejudica a economia? A
questão básica é a seguinte: a eleição é para o ano da eleição. O que
estou falando é para o debate do País. A hora de debater é agora que não
tem eleição. Vamos ter clareza. Detesto esse teatro. Eu enjoei foi
disso: o PSB votou contra Renan, portanto discrepou da orientação do
governo. O PSB lançou candidato contra Henrique Alves, na Câmara,
portanto também discrepou do governo. E na economia, nós estamos
satisfeitos? Eu não estou. Acho que a economia do País está conduzida de
forma errada. O momento exige muito maior criatividade e inovação,
muito mais audácia…
- Falta capacidade à equipe econômica? Não estou
vendo o debate. É por isso que estou reclamando da falta de ideias, Tudo
bem você é aliado, você fala. Tudo bem, sou aliado da Dilma e estou
falando. Minha tendência hoje é votar nela. Por coerência, temos
ministro no governo – embora não tenha a menor influência na área
estratégica do governo. Nunca fomos chamados para debater nada, e o PSB
se conformou com isso, como se fosse um partido fisiológico desses
outros tantos que infestam a base do governo. E nós não somos. Nossos
seis governadores têm uma vivência. O governo agora vetou a distribuição
dos royalties. Para atender a um Estado? E nós vamos ficar calados?
Agora vão regulamentar a iniciativa de reforma tributária do senhor
Guido Mantega. Isso é destruir o processo de industrialização do
Nordeste com a unificação das alíquotas do ICMS para atender
exclusivamente ao egoísmo do fisco paulista. E nós vamos ficar calados
diante disso? Eu não fico.
- O PSB deveria fechar fileiras contra essa reforma tributária do ICMS? Sim.
- E como está sendo essa discussão dentro do PSB? Nunca
houve. Qualquer outro tema que você perguntar é a mesma resposta. E o
modelo educacional? O Brasil tem 50 milhões de pessoas analfabetas
funcionais, 64% da população economicamente ativa. Qual a política
industrial de comércio exterior que o Brasil tem? Por que o País faz
substituição de importação em navio tendo que pagar 30% a 40% mais caro
do que comprar no Brasil e não faz um complexo industrial? Porque não
tem política.
- Eduardo Campos convidou a ministra do STJ Eliana Calmon
para entrar no PSB e ser candidata a governadora da Bahia. Mas a
senadora Lídice da Mata é candidata ao governo. Isso não seria uma
interferência externa? Confio em você, mas prefiro não comentar
esse assunto, porque não o conheço. Agora a tradição do nosso partido
não é essas coisas de vir de fora para dentro e empurrar goela abaixo.
Isso nunca foi.
Publicado originalmente no blog do jornalista Josias de Souza.
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