WADIH DAMOUS
Com plano de arrochar o salário mínimo e a herdeira do Itaú em seu staff, a nova política de Marina Silva é apenas um gancho para içar incautos
A morte de Eduardo Campos, sua substituição pela vice Marina Silva e o crescimento desta última nas pesquisas, ultrapassando Aécio Neves e ficando na frente de Dilma Roussef numa projeção para o segundo turno, mudaram o quadro da eleição presidencial.
É claro que muita água ainda vai correr por baixo da ponte. Mas a possibilidade de vitória de Marina torna necessária uma avaliação mais detida do que significa sua candidatura.
Uma primeira questão, que deve preocupar os que compreendem a importância do caráter laico do Estado, é o fato de Marina em determinadas questões se aproximar de fundamentalistas religiosos, a ponto de ser confundida com eles por muitos. A rigor, tenho dúvidas sobre se ela própria não poderia ser caracterizada como fundamentalista. De qualquer forma, suas posições conservadoras sobre questões como homoafetividade, aborto, ensino de religião nas escolas públicas e – pasmem! – até mesmo pesquisas sobre células-tronco são, de fato, preocupantes.
Num país com a diversidade religiosa que tem o Brasil, cresce a importância do caráter laico do Estado. Só ele pode garantir a efetiva liberdade religiosa – elemento fundamental de toda e qualquer sociedade democrática. As práticas religiosas devem ser direito de todos, mas exercitadas privadamente.
E, convenhamos, a trajetória e as posições de Marina não são exatamente uma garantia de que ela fortaleceria o caráter laico do Estado.
Por outro lado, essa "nova política", esgrimida por Marina como seu grande trunfo na campanha, para se apresentar como alternativa à polarização PT-PSDB que marcou as últimas eleições presidenciais, tem contornos muito pouco claros. A candidata foge de qualquer definição mais precisa do que venha a ser isso e tenta apresentar a tal "nova política" como uma combinação dos programas sociais do PT (coisa que o PSDB promete manter) com a política econômica do PSDB (coisa que o PT tem mantido em suas linhas gerais). Assim, qual a novidade?
Mais. Caso Marina seja eleita, as bancadas do PSB, partido a que está filiada, e dos demais que a apoiam na eleição serão extremamente minoritárias na Câmara dos Deputados e no Senado.
Ela teria, então, dois caminhos possíveis.
O primeiro seria compor-se com legendas que não a apoiaram, cedendo-lhes espaços generosos no aparelho de Estado. Certamente muitos desses acordos não seriam programáticos.
Este seria o caminho mais provável, mas faria cair por terra, já no início do governo, o discurso de "nova política".
A alternativa a isso seria que Marina buscasse apoio na sociedade, mobilizando o povo em defesa de reformas que mostrassem o que é, afinal, essa tal "nova política". Ou seja, adotar um caminho semelhante ao que - de forma pejorativa e preconceituosa - os conservadores chamam de chavismo.
É difícil que isso ocorra.
Basta ver o perfil de sua campanha e dos que lhes são mais próximos. A coordenadora de seu programa de governo é a herdeira do Banco Itaú e seu guru econômico é Eduardo Gianetti, tão ou mais liberal que os tucanos. Aliás, Gianetti já anunciou: "Vamos continuar com o tripé [superavit primário, metas de inflação e câmbio flutuante]. Corrigir o salário mínimo pelo crescimento de dois anos atrás e o IPCA do ano anterior [mecanismo usado atualmente] não tem o menor sentido. Também é complicado reajustar o benefício previdenciário pelo salário mínimo. E atrelar perpetuamente [as aposentadorias] ao salário mínimo não faz sentido". (entrevista à "Folha de S. Paulo", em 21/10/2014).
Com propostas assim, como mobilizar as ruas?
Assim, a tal "terceira via" parece não ser muito mais do que um gancho para captar votos dos incautos.
*Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro
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