Como era de se esperar, a primeira pesquisa de intenções de voto, depois da morte do ex-governador e do ato político-eleitoral que a seguiu, juntamente com a exploração da mídia, mostrou os efeitos conjunturais da tragédia no comportamento eleitoral dos votantes. Já se sabia, há muito tempo, que o potencial político de uma eventual candidatura de Marina Silva era muito maior do que a de Aécio Neves, que convenhamos, não se constitui propriamente numa novidade para o eleitor brasileiro: representa a volta da agenda gerencial e privatista do governo do FHC, sem o brilho acadêmico deste último. A candidata pentecostal - vinculada à Assembléia de Deus - esta sim, poderia encarnar o espírito (e a carne) da novidade, ao esconder, com uma retórica ambiental, o conservadorismo de base de sua candidatura. Agradaria a gregos e troianos: aos religiosos fundamentalistas e aos verdes. Pousaria de defensora da família cristã unida e de protetora do meio-ambiente, como crítica das injunções entrópicas do chamado "desenvolvimentismo" de Dilma e, paradoxalmente, de Eduardo Campos.
Mas, o que faz da candidata evangélica um cometa eleitoral é a marca "anti-Dilma" que ela carrega consigo depois da eleição passada. Apresentando-se como uma vestal no cenário sórdido da campanha política, Marina pode alegar que saiu do governo petista porque ele trocou o meio-ambiente pelos imperativos do crescimento econômico a qualquer custo, partiu o IBAMA em dois pedaços, acelerou a concessão de licenças ambientais, fez a opção pelo agro-negócio, abandonou a reforma agrária etc. etc. etc. Ela não, ainda tem as mãos limpas, é uma bem intencionada, acredita em sonhos, e esse discurso tanto pode arrebanhar votos da juventude, como da classe média urbana descontente com as denúncias de corrupção no governo petista, e ainda a extensa base religiosa das várias igrejas pentecostais e neo-pentecostais. Acrescente-se a isso a postura defensiva de Dilma Rousseff nos debates eleitorais, a sua insegurança, a sua tensão.
No entanto, há algo de curioso nesse fenômeno eleitoral "postmortem" eduardiano. Há algo de curioso e inquietante no engajamento de pessoas da classe média na exaltação político-eleitoral do PSB, nos bairros nobres da cidade. 0 que leva este extrato da população recifense a vestir a camisa de uma candidata pobre, doente, negra e pentecostal? - que fez toda carreira política e sindical no PT e no governo LULA - como se fosse a "virgem do contestado" que viria redimir a política brasileira de seu vícios de deformações seculares. Será que tudo isso é obra e graça da mera espetacularização do velório e funeral do esquife do ex-governador?0 que há por atrás disso tudo? - As artimanhas da família e dos marqueteiros do PSB?
É isso que tem de ser investigado com profundidade e isenção. 0 que alimenta o dinamismo da conjuntura e as mudanças de intenção de voto, pode ser uma vontade de renovação - sobretudo de setores médios e da juventude - numa disputa sem novidades políticas e eleitorais. Vontade capturada pela candidatura de Marina Silva (como terceiro elemento). Mas não é de se desprezar o investimento emocional e material da oligarquia de Pernambuco, que naturalmente não deseja perder o controle da sucessão estadual e nacional.
Vamos nos preparar para o embate entre o candidato de retrocesso, a candidata obscurantista (embora travestida de pós-moderna) e "mais do mesmo". 0 Brasil merece mais do que isso!
Michel Zaidan é filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
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