Já escrevi dois textos sobre a fachada do CE ou o desejo de docentes modificar a entrada do CE com argumentos sub-reptícios diversos. O que está por trás desse discurso e desejo? Provavelmente, que a atual direção REPRESENTA (é reflexo) dos desejos da maioria institucional “científica” (?!). A própria logomarca (“Somos todos CE”) dos candidatos à direção do CE já expressava isso – peço autorização para citar passagem do outro texto que divulguei durante o período da eleição para direção do CE: “Fiquei matutando o slogan pois ele me incomodava: o sujeito estava oculto (o “nós”). Ficava me perguntando: quem falava? Quem era esse “nós”? Quando se refere a um “nós” ocultado quer se dizer um “Eu”? E quem era esse “Eu” que estava falando? O que ele, efetivamente, desejava quando não se apresentava como “Eu”? Essas perguntas são importantes, pois não vivemos numa sociedade de “comunhão”, de “solidariedade” e de “igualdade”.
A sociedade é capitalista, alguns a classificam como “capitalismo financeiro”, outros, simplesmente de capitalismo. Eu acrescentaria,para alguns marxista é uma blasfêmia, de “capitalismo patrimonialista”. Em síntese: vivemos numa sociedade de classes antagônicas, racista, machista, sexista. Essas práticas e valores que de uma forma ou de outra encontram-se no CE, certamente, e mais ainda, na UFPE, estão incluídos no “nós” do CE? O CE deve estar “unido” em que? Com qual finalidade devemos nos unir? Quais os seus objetivos? A união pela união? Não há indicação do sentido da união. Da mesma forma que o slogan, o sujeito está “oculto”, os objetivos e finalidades também estão”. Ora, esta “confusão” da representação da “coisa” com a própria “coisa”, na forma onipotente, gera ou representa ações autoritárias pensando que os “representantes” e os “representados” são a mesma coisa e são homogêneos. Isto quer dizer que a representação simbólica das coisas (pensador, um grupo, uma ideia, etc), estes são capazes de fazê-la planamente. Eles têm o poder da “mana”, o domínio da “alma” na sua representação da matéria.
Ora, como a pichação ou a grafitagem não faz parte do “universo científico” (valorizado, respeitado), é vista e representada (em força instituinte) como uma ação vândala, depredação do bem público, ela gerará divergências, não unificará, não é capaz, é incapaz de gerar REPRESENTAÇÃO HOMOGÊNEA, por sua natureza ser ILEGAL (negra e pobre não intelectual, não científica). É aí que entra a estátua de Paulo Freire. Esses que detêm a “mana”, a força espiritual , são os únicos que podem manipular os bens simbólicos correspondentes com os saberes científicos. Se na fachada do CE fosse a imagem de Paulo Freire não haveria problema (Aqui seria um retrato, não uma grafitagem, pois os “promotores” querem definir a imagem a ser exposta, a grafitagem não permitiria isso).
Por que? Porque a imagem Paulo Freire seria por si só “expressão” do Centro. Ledo engano. Paulo Freire não seria, também, consenso, portanto, o conflito estaria estabelecido. Por vários motivos: Um “retrato” de Paulo Freire NÃO É PAULO FREIRE, NÃO É A IDEIA DELE. Mas uma apropriação da imagem dele. O CE não é um “Somos todos CE”. O CE é muito mais que isso. Uma estátua implica valores, ideologias, concepção política e expressa um tempo histórico. Paulo Freire NÃO É UM SANTO PARA SER IDOLATRADO, é um autor datado que exige reinterpretação constante sobre sua obra para que possamos descartar, partes, momentos ou toda a obra, dependendo do enfoque. Isto quer dizer que ele, também, não é consenso. A Criação de uma estátua exigiria uma discussão para ser aprovada. Como a instituição imaginária social “científica” toma pra si como “consenso” não houve polêmica. Repito: uma das funções da instituição é IMPEDIR O PENSAMENTO REFLEXIVO (Eugène Enriquez). “Todos” se sentem representados por essa imagem.
Ainda mais: uma estátua é uma “obra de arte”. Além do mais, o criador, um artista renomado e querido, Abelardo da Hora. Ou seja, todos os ingredientes juntos consolidavam uma ação POLÍTICA (não intelectual e muito menos científica) como EXPRESSÃO da instituição CE. Ora, quem são os grafiteiros? Um Zé-Ninguém (“moreno”), não tem o nível universitário, muito mal tem dinheiro para a passagem, não domina as teorias da Pedagogia, desconhece a história desta “ciência”. Ou seja, ele não detém o capital cultural para livremente desenhar “qualquer coisa sem sentido” que expresse o que é a “Educação”. Aquilo é um emaranhado de riscos desconectos com a “realidade educacional”. Eu perguntaria: a estátua de Paulo Freire representaria o pensamento de Paulo Freire? Não! Paulo Freire jamais aceitaria, em vida, que uma estátua sua fosse objeto de adoração e de culto.
O Pensamento de Paulo Freire não é a sua própria imagem, mas as dos explorados. Portanto, a melhor homenagear a Paulo Freire teria que ser a produção da imagem dos próprios oprimidos analfabetos que ele dedicou sua vida – mesmo deportado pela ditadura para Guiné-Bissau. A representação de “algo”, por mais simples que possa ser, não é espelho da realidade: é conflito, ângulos, focos, interesses, valores, etc. Conclusão: o argumento de que a grafitagem feita não representa a “Educação” vale, também, para a imagem Paulo Freire: não representa a Educação. Na escolha, fico com o “moreno”, o pobre, o não cientista, o não universitário que nos ensinou a usar belissimamente as cores dando vida a catacumba CE. Ele nos alfabetizou. Tenhamos humildade de reconhecer que precisamos ser alfabetizado por aquele que Paulo Freire o receberia de braços abertos. Pois este sim, tinha um coração de ouro."
Evson Malaquias Santos é professor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco
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