Há um colega de trabalho que, não raro, faz alguns comentários sobre ritual criativo do escritor alagoano Graciliano Ramos. As referências são a respeito de uma exposição exibida no Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, há alguns anos atrás. Naquela exposição, havia uma ilustração mostrando o escritor, diante de uma pilha de papel, ao lado de um garrafa de cachaça, um cigarro de palha e um candeeiro aceso. A primeira conclusão que nos chega é a de que Graciliano era uma pessoa bastante exigente no ato de escrever, tendo produzido dois livros sobre o assunto. Um deles, Linhas Tortas, é muito utilizado nas oficinas de criação ministradas pelo escritor pernambucano Raimundo Carrero.
Recentemente, em razão da produção de um determinado trabalho, precisei reler algumas obras de Graciliano, principalmente o livro Infância, que, para alguns críticos literários, se constitui na essência dos demais livros do escritor. É como se Infância perpassasse todos os momentos seguintes da obra de Graciliano. O agreste, a aridez, o amargo da vida. De fato, há muitos momentos emblemáticos na obra Infância, capaz de remetê-la para todas as obras produzidas pelo alagoano, como Vidas Secas, Angústia, Caetés, São Bernardo. Se o processo criativo do escritor exigia esse ritual, por outro lado, sua aprendizagem das primeiras letras também foi muito traumático.
Nas escolas por onde passou - entre os Estados de Pernambuco e Alagoas - ainda era comum o uso das palmatórias, também utilizadas em casa, pelo seu pai. O pai também participou do seu processo de aprendizagem das primeiras letras, não dispensado o uso das palmatórias, responsável por verdadeiros traumas na vida adulta. Aliás, o uso dos espancamentos como "socialização educativa" eram comuns na família de Graciliano. Surras memoráveis são relatadas no obra Infância, tanto aplicadas pela mão quanto pelo pai. Os castigos e, até humilhações, eram utilizados com frequência. Há um relato, por exemplo, dos banhos que ele era obrigado a tomar, em rios infestados de cobras, na cidade de Buíque, em Pernambuco. Talvez concebido como um ritual de "macheza" para o pai, uma pessoa muito conservadora.
O escritor alagoano nunca encontrou muitas facilidades pela vida. Em momento algum, como se percebe pelas dificuldades da Infância. Já adulto, como um comunista convicto, amargou o cárcere do Estado Novo. O pai era um pequeno comerciante, sem condições de proporcioná-lo alguns recursos, como o acesso a livros. Em famílias pobres - daquelas que sentem dificuldades em adquirir os alimentos necessários à sobrevivência - a aquisição de livros é uma "heresia". O que salvou Graciliano foi um amigo, que permitiu seu acesso às grandes obras da literatura mundial.
Mas, há um caso curioso registrado por Graciliano Ramos em Infância. Havia uma cartilha utilizada pelo seu pai para alfabetizá-lo. Um verdadeiro drama para Graciliano que, não raro, tinha que oferecer as mãos para os famosos "bolos", quando se prenunciava alguma dificuldade. As lições tomavam uma dimensão tão medonha que ele acabava sonhando com elas, repetindo-as durante os sonhos. No final dessas lições, sempre aquelas frases que tentam transmitir alguma espécie de otimismo: Falas bem e ter-te-ão por alguém. E ele, na sua inocência, de tanto reproduzir essa frase, acabava por se perguntar: quem seria esse Terteão? Escreves bem, Graciliano, e ter-te-ão por alguém. Aqui para nós, veja lá se isso é frase, com este tempo verbal, para ser posta numa cartilha de alfabetização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário