Quando ocorre uma grande perda na vida de uma pessoa, os psicanalistas falam que é preciso "elaborar" a dor, a tristeza, para que ela não produza efeitos negativos na trajetória da pessoa. Os brasileiros que acompanharam com muita aflição a farsa do tribunal de exceção montado em Brasília, ainda não tiveram tempo suficiente para absorverem catarticamente os efeitos daquilo que aconteceu. A inércia da própria vida, as nossas obrigações cotidianas e as nossas necessidades nos impelem a continuar, independentemente desses acontecimentos. Mas uma coisa é certa: houve ontem em Brasília um espetáculo surrealista onde os acusados, os réus, os bandidos se tornaram acusadores. Tive de ouvir, antes de tentar dormir, as vozes de duas criaturas sinistras, daqui de Pernambuco, se regozijando com o trabalho sujo feito a pedido do chefe, Eduardo Cunha, e do principal beneficiário, o mordomo do Drácula.
Para o meu desprazer tive de comentar as tristes declarações de ambos falando em justiça, em trabalho, em liberdade, desenvolvimento etc. Confesso que sou uma pessoal passional, não tenho sangue de barata nem a frieza de certos facínoras, quando acabam de cometer um crime e depois se fingirem de santo diante da vítima. Contudo o que se viu ontem foi uma comédia de efeitos trágicos para o país. Existem os que ganham, existem os que executam, existe a massa de manobra e, claro, os grandes interesses econômicos internos e externos, esperando a hora de "dá o bote".
O Brasil ainda precisa amadurecer muito a sua experiência democrática; sobretudo aprender que democracia não convive com monopólio desregulado de audiência televisiva. Não convive com um judiciário sem autonomia ou independência. Com um aparelho policial sem controle. E com igrejas que atentam contra a laicidade do Estado republicano no Brasil. O que isso produz é um simulacro de democracia, a serviço de interesses escusos que não ousam mostrar a cara ou pronunciar o seu nome. Desde a proclamação da República fizemos uma cópia servil do Presidencialismo norte-americano, talvez porque quiséssemos deixar para trás a herança patrimonialista portuguesa.
Mas a utopia não reproduziu as virtudes cívicas do modelo original, a ponto de se dizer que a adoção da democracia entre nós era um lamentável mal-entendido. Um federalismo anômalo, um sistema partidário fantasmagórico, um sistema eleitoral vulnerável ao abuso do poder econômico de grandes empresas, um judiciário acovardado e um presidente da República que se não assume o aspecto de "um ditador republicano", como queriam os positivistas, torna-se refém de interesses inconfessáveis. É chantageado até a morte.
O que fazer no quadro institucional como esse? - Ceder à chantagem dos pequenos, médios e grandes partidos (e seus donos), vender a alma a eles, ou governar com o povo e sem o Congresso? - Só os messias e reformadores do Estado conseguiriam fazê-lo, usando - como disse Maquiavel - a espada e o carisma. Uns têm carisma, mas não têm a espada. Outros têm ou procuram a espada, mas não dispõe de carisma. Nós brasileiros ainda não perdemos a fé em ressuscitar D. Sebastião, ou Getúlio ou Ulisses Guimarães. Ainda esperamos por alguém que, com a espada do anjo vingador, venha nos livrar dos maus políticos, dos vendedores do templo, dos fariseus e seus sepulcros caiados, brandindo a Bíblia de um lado, e a bandeira do Brasil, de outro. Pobre República, essa que nós temos ou que tivemos nesse último domingo.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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