Naqueles tempos, certamente o ex-governador Agamenon Magalhães não abriria o Palácio do Campo das Princesas para conceder uma audiência a este escriba, por razões bem conhecidas. Vivo estivéssemos na época da vigência do Estado Novo, estaríamos do lado da oposição, vítima da voraz perseguição que ele sempre dirigiu aos seus adversários políticos. De acordo com o cientista político Michel Zaidan Filho, a obra administrativa de Magalhães pode ser dividida, primeiro, pela busca desenfreada do "consenso máximo" na sociedade pernambucana, a partir de uma falsa imagem de paz e harmonia social no Estado. Objetivo perseguido através de uma feroz repressão aos adversários, críticos, comunistas, prostitutas, afro-brasileiros, vadios e homossexuais.
Em razão do nosso radicalismo, houve uma época em que a simples menção ao nome de Agamenon Magalhães já seria suficiente para nos causar urticárias. Mas houve um momento em que precisávamos ler bastante sobre a política pernambucana e caiu em nossas mãos um trabalho da historiadora Dulce Pandolfi sobre o China Gordo. Salvo algum engano, um trabalho acadêmico na área de História. O trabalho da historiadora tornou-se bem conceituado dentro e fora da academia. Nele o leitor encontra informações importante sobre o percurso político e acadêmico do político pernambucano nascido no sertão de Serra Talhada, mesma cidade onde nasceu Virgulino Ferreira, o Lampião.
O China Gordo formou-se em direito pela tradicional Faculdade de Direito do Recife, posteriormente cumprindo o rito acadêmico do mestrado ao doutorado, exercendo as funções de jornalista, promotor e professor do tradicional Ginásio Pernambucano, onde, para entrar ali, ainda se exigia a defesa de uma tese de livre-docência. Apesar das maldades que aprontou como o "carrasco" de Vargas no Estado, não se pode dizer que ele não foi uma pessoa aplicada nos estudos. Quem sabe o adjetivo de "déspota esclarecido" se aplicasse bem a ele.
Um dos principais opositores políticos de Agamenon Magalhães no Estado - durante a vigência do Estado-Novo - foi o sociólogo Gilberto Freyre. Na centenária Faculdade de Direito do Recife, Gilberto, juntamente com outros companheiros, montou uma verdadeira trincheira de resistência contra o Estado Novo. Gilberto Freyre foi preso duas vezes, assim como foi vítima de um atendado na Pracinha do Diário de Pernambuco, de onde escapou ileso. Alguns estudiosos veem nisso algum indício progressista ou democrático do escritor, mas, estudando-se um pouco melhor este assunto, vamos nos deparar com uma série de contradições, como já informamos em outros momentos.
Pontualmente, havia algumas divergências sobre o destino que deveria ser dado aos mocambos do Recife. Agamenon criou uma Liga Contra os Mocambos, uma espécie de política habitacional para as comunidades de baixa renda. Sua ideia seria retirar os mocambos dos alagados do Recife, transferindo seus moradores para lá dos Macacos, uma comunidade localizada entre São Lourenço e Camaragibe. Gilberto discordava e via nos mocambos excelentes exemplos de arquitetura popular. Gilberto, então, já se aproximava bastante dos cultos de origem afro-brasileiros, que sofriam uma forte repressão do Estado Novo. De corte higienista, essa proposta de Agamenon Magalhães iria influenciar bastante as intervenções urbanas no Recife posteriormente, quando a cidade passou a ser pensada como um espaço apenas para alguns.
Mas, creio, a maior divergência entre ambos devia-se mesmo às identificações políticas. Gilberto era um ilustre representante da aristocracia açucareira do Estado, enquanto Agamenon Magalhães era um homem do sertão, das oligarquias algodoeiras e pecuaristas. Gilberto frequentava o Palácio do Catete, era amigo de Getúlio Vargas, que se ofereceu para interceder junto a Agamenon à época de sua prisão, de onde se pode concluir que as liberdades políticas suprimidas pelo Estado Novo não era o que o incomodava.
Desta vez em razão de um trabalho que estamos produzindo, fomos investigar como foram as relações entre Agamenon Magalhães e a família Lundgren, em Paulista. Não eram boas. Aliás, eram péssimas. E por diversas razões. Os Lundgrens chegaram a apoiar nomes que se contrapunham aos interesses políticos do grupo estado-novista. Na época do apogeu da Companhia de Tecidos Paulista, a cidade era uma espécie de Estado paralelo, um feudo de porteira fechada da família. Eles eram os donos de tudo. Parafraseando Gilberto Freyre, dono das terras, das águas, das matas, do porto, do aeroporto, das máquinas, da fábrica, das casas e das melhores mulheres. Possuíam milícias armadas e um grande arsenal. Casavam e batizavam. Eram a lei. Certamente não por razões republicanas ou preocupado com o Estado Democrático de Direito, o poderio da família Lundgren incomodava profundamente Agamenon Magalhães.
O jornalista Sebastião Nery comenta que Agamenon teria pedido a um dos filhos - que estudava na Faculdade de Direito do Recife - que indicasse, entre os seus colegas de turma, um bom aluno de direito e um cabra macho.O mais macho de todos. O filho assim o fez. Agamenon o nomeou para promotor em Paulista, com o propósito de fazer cumprir a lei. O rapaz não o decepcionou, atuando com o rigor necessário para "enquadrar" os Lundgrens. Alguns anos depois, quando havia o pleito de o distrito tornar-se cidade, Agamenon manobrou na Assembléia Legislativa no sentido de aprovar uma lei de reforma agrária que desconcentrou, em certa medida, o latifúndio das terras que pertenciam a uma única família.
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