A cor da elite – Cristovam Buarque.
Anos atrás, visitando o campus da UnB (Universidade de Brasília) com uma professora norte-americana, perguntei qual a diferença da paisagem arquitetônica do nosso campus para um campus nos EUA. Esperei que dissesse: “São parecidos”. Mas, depois de olhar ao redor, ela disse: “Não têm negros”. Respondi que no Brasil, como também nos EUA, os negros não têm boas escolas na educação de base. Ela perguntou: “Por que não adotam cota para negros, como nos EUA?”.
Na próxima semana, o Brasil completará 124 anos da abolição sem ter embaixadores negros. Atualmente há no Congresso Nacional apenas um senador negro e 43 deputados federais que assumiram serem afrodescendentes; temos apenas 2% de médicos, 10% de engenheiros e 1% de professores universitários que podem ser considerados negros. Os Estados Unidos já elegeram um presidente negro, mas o Brasil dificilmente terá um presidente negro nas próximas décadas.
Na semana passada, depois de nove anos de adotada pela UnB, as cotas raciais foram reconhecidas como legais pelo STF – Supremo Tribunal Federal. Nesse período, três mil alunos foram admitidos pela cota racial na UnB e mil concluíram seus cursos, graças ao ingresso usando as cotas. Todos os estudos mostram que esses alunos tiveram um desempenho, no mínimo, equivalente à média dos demais alunos. Isso se explica porque todos os alunos beneficiados pelas cotas são necessariamente aprovados no vestibular.
Apesar disso, por quase 20 anos, um intenso debate vem sendo feito entre os que são a favor e os que são contrários a esse sistema, porque até hoje não houve entendimento correto do instituto das cotas raciais e seu propósito, nem entre os favoráveis, nem entre os opositores.
Os opositores dizem, com razão, que este é um “jeitinho” equivocado, porque a verdadeira solução para resolver a desigualdade racial na universidade seria uma educação de base de qualidade para todos. Realmente a maneira correta de resolver esse problema é a educação de base com qualidade e igual para todos. Temos bons jogadores de futebol negros porque a bola é redonda para todos, mas nossas escolas são redondas apenas para os poucos que têm renda para cursar uma boa escola no ensino fundamental e no ensino médio. Mas fazer todas nossas escolas redondas, com qualidade, e dar resultado na mudança da cor da cara da elite serão necessários 20 anos. Isso se nós estivéssemos fazendo hoje o nosso dever de casa para mudar a educação. E não estamos.
Tanto os que são contrários às cotas raciais, quanto àqueles favoráveis, enfocam o assunto pelo lado individualista de oferecer uma escada social a um jovem negro. Continuam pensando que as cotas visam beneficiar o aluno que obtém a vaga. Não percebem o papel da cota racial como o caminho para o Brasil apresentar, com orgulho, uma sociedade com elite tão multirracial quanto seu povo.
A cota social beneficia o aluno, a cota racial beneficia o Brasil, possibilitando o ingresso de jovens negros na carreira profissional de nível superior. Certamente, jovens escolhidos entre aqueles de classe média, que concluíram o ensino médio e passaram no vestibular porque foram bem preparados em uma boa escola, portanto provavelmente não-pobres. Serão pessoalmente beneficiados, mas prestarão um serviço patriótico ao ajudarem, pelo estudo, a mudar a cor da cara da elite brasileira.
A cota racial para a universidade nada tem a ver com a cota social. Esta atenderia jovens pobres para compensá-los pelo que lhes negamos na infância. É um benefício justo; a cota racial não é um assunto de justiça, é um assunto de dignidade nacional; não é social, é patriótica.
Os que lutam pela cota racial nas universidades não lutam pela erradicação do analfabetismo entre adultos negros, nem para que os negros pobres tenham escolas com a mesma qualidade dos ricos brancos. E aqueles que defendem as cotas sociais no lugar das raciais não defendem cotas sociais no ensino fundamental e médio, nos colégios federais e mesmo nas escolas particulares de qualidade. Esta sim seria cota social. A cota social na Educação de Base nunca atraiu os defensores da cota racial nem aqueles que se opõem a ela e que usam a ideia de social contra a de racial. Os que defendem cotas sociais para as universidades, ao invés das cotas raciais, provavelmente ficarão contra as cotas sociais nas boas escolas da educação de base, obrigando as escolas caras a receberem alunos pobres, sem mensalidade ou com uma bolsa do tipo Prouni.
Anos atrás, visitando o campus da UnB (Universidade de Brasília) com uma professora norte-americana, perguntei qual a diferença da paisagem arquitetônica do nosso campus para um campus nos EUA. Esperei que dissesse: “São parecidos”. Mas, depois de olhar ao redor, ela disse: “Não têm negros”. Respondi que no Brasil, como também nos EUA, os negros não têm boas escolas na educação de base. Ela perguntou: “Por que não adotam cota para negros, como nos EUA?”.
Na próxima semana, o Brasil completará 124 anos da abolição sem ter embaixadores negros. Atualmente há no Congresso Nacional apenas um senador negro e 43 deputados federais que assumiram serem afrodescendentes; temos apenas 2% de médicos, 10% de engenheiros e 1% de professores universitários que podem ser considerados negros. Os Estados Unidos já elegeram um presidente negro, mas o Brasil dificilmente terá um presidente negro nas próximas décadas.
Na semana passada, depois de nove anos de adotada pela UnB, as cotas raciais foram reconhecidas como legais pelo STF – Supremo Tribunal Federal. Nesse período, três mil alunos foram admitidos pela cota racial na UnB e mil concluíram seus cursos, graças ao ingresso usando as cotas. Todos os estudos mostram que esses alunos tiveram um desempenho, no mínimo, equivalente à média dos demais alunos. Isso se explica porque todos os alunos beneficiados pelas cotas são necessariamente aprovados no vestibular.
Apesar disso, por quase 20 anos, um intenso debate vem sendo feito entre os que são a favor e os que são contrários a esse sistema, porque até hoje não houve entendimento correto do instituto das cotas raciais e seu propósito, nem entre os favoráveis, nem entre os opositores.
Os opositores dizem, com razão, que este é um “jeitinho” equivocado, porque a verdadeira solução para resolver a desigualdade racial na universidade seria uma educação de base de qualidade para todos. Realmente a maneira correta de resolver esse problema é a educação de base com qualidade e igual para todos. Temos bons jogadores de futebol negros porque a bola é redonda para todos, mas nossas escolas são redondas apenas para os poucos que têm renda para cursar uma boa escola no ensino fundamental e no ensino médio. Mas fazer todas nossas escolas redondas, com qualidade, e dar resultado na mudança da cor da cara da elite serão necessários 20 anos. Isso se nós estivéssemos fazendo hoje o nosso dever de casa para mudar a educação. E não estamos.
Tanto os que são contrários às cotas raciais, quanto àqueles favoráveis, enfocam o assunto pelo lado individualista de oferecer uma escada social a um jovem negro. Continuam pensando que as cotas visam beneficiar o aluno que obtém a vaga. Não percebem o papel da cota racial como o caminho para o Brasil apresentar, com orgulho, uma sociedade com elite tão multirracial quanto seu povo.
A cota social beneficia o aluno, a cota racial beneficia o Brasil, possibilitando o ingresso de jovens negros na carreira profissional de nível superior. Certamente, jovens escolhidos entre aqueles de classe média, que concluíram o ensino médio e passaram no vestibular porque foram bem preparados em uma boa escola, portanto provavelmente não-pobres. Serão pessoalmente beneficiados, mas prestarão um serviço patriótico ao ajudarem, pelo estudo, a mudar a cor da cara da elite brasileira.
A cota racial para a universidade nada tem a ver com a cota social. Esta atenderia jovens pobres para compensá-los pelo que lhes negamos na infância. É um benefício justo; a cota racial não é um assunto de justiça, é um assunto de dignidade nacional; não é social, é patriótica.
Os que lutam pela cota racial nas universidades não lutam pela erradicação do analfabetismo entre adultos negros, nem para que os negros pobres tenham escolas com a mesma qualidade dos ricos brancos. E aqueles que defendem as cotas sociais no lugar das raciais não defendem cotas sociais no ensino fundamental e médio, nos colégios federais e mesmo nas escolas particulares de qualidade. Esta sim seria cota social. A cota social na Educação de Base nunca atraiu os defensores da cota racial nem aqueles que se opõem a ela e que usam a ideia de social contra a de racial. Os que defendem cotas sociais para as universidades, ao invés das cotas raciais, provavelmente ficarão contra as cotas sociais nas boas escolas da educação de base, obrigando as escolas caras a receberem alunos pobres, sem mensalidade ou com uma bolsa do tipo Prouni.
Nenhum comentário:
Postar um comentário