pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: O efeito Rachel Sheherazade
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terça-feira, 15 de abril de 2014

O efeito Rachel Sheherazade



 
 
JOSÉ LUIZ GOMES ESCREVE:

                                                               Em 1651, Thomas Hobbes escreveu um livro que se tornou um clássico entre os manuais de ciência política. O livro se tornaria uma das principais referências da chamada Teoria do Contrato Social. Escrito em meio ao caos provocado pela Guerra Civil Inglesa, O Leviatã se constitui numa antítese ao "Bellum ominium contra omnes", ou seja, a guerra dos homens contra os homens, também chamada pelo autor como estado de natureza.
                                               Nesse contexto, Hobbes propõe um governo central forte e eclesiástico, além de uma "sociedade", que pode ser traduzida como padrões civilizatórios de convivência, com direitos delegados ao Estado - que arbitraria os litígios - para que pudéssemos fugir da barbárie. Naturalmente, outras leituras são possíveis a partir do texto do autor inglês, inclusive no que concerne à constituição desse governo forte e eclesiástico, adjetivos que podem remeter às tendências de corte autocráticas e limitadoras das manifestações religiosas.
                                               Essa introdução vem a propósito do ainda recente pronunciamento da jornalista do SBT, Rachel Sheherazade, quando do episódio envolvendo aquele jovem negro espancado e amarrado em praça pública pela população no Rio de Janeiro. À época, em comentário no Jornal do SBT, a jornalista insinuou que a população estaria cansada de esperar uma providência do Estado e havia decidido, por conta própria, adotar tal medida punitiva ao suposto infrator. Pois bem. Logo em seguida - além da repercussão negativa produzida por sua fala, o que mobilizaria até mesmo entidades da sociedade civil organizada - surgiram uma série de atos do gênero - onde a população resolveu fazer "justiça" com as próprias mãos, em alguns casos, possivelmente, trucidando inocentes.
                                               Não foram poucos. Alguns deles bastante "festejado" pelas redes sociais. Lembro de um jovem que teve seus dedos decepados, outro de 17 anos que foi espancado até a morte. Todos jovens negros. É o que estamos denominando aqui de "Efeito Sheherazade". Indícios perigosos da volta do "estado de natureza" descrito por Hobbes, circunscritos – ainda bem - em alguns setores da população. Um quadro profundamente lamentável. O pior é que essas situações servem como fermento para alimentar a sanha de alguns irresponsáveis, que clamam pela volta de governos ditatoriais, abdicando do Estado Democrático de Direito, com argumentos insustentáveis, do tipo: "Tá com pena? Leva ele para casa".
                                               Embora tenha merecido as providenciais medidas de algumas entidades contra essa atitude – até certo ponto racista – a jornalista envolveu-se numa polêmica que contou – pasmem – com a solidariedade de alguns indivíduos, que a festejam – como já afirmamos – pelas redes sociais. Já li muitas manifestações de solidariedade a jornalista. Segundo consta, o Sistema Brasileiro de Televisão teria sido pressionado por patrocinadores no sentido de exonerar a jornalista dos seus quadros, o que não ocorreu. Seu patrão, Sílvio Santos, afirmou que não cederia às pressões. Embora tenha acatado a decisão de retirá-la dos comentários, irá mantê-la na emissora e no jornal.
                                               O que nos deixa profundamente preocupados, no entanto, é a ocorrência de situações congêneres àquela que ocorreu no Rio de Janeiro, um fenômeno que vem se verificando em todo o Brasil. Essas cenas são mostradas cotidianamente pelas redes sociais, com um número expressivo de “curtidas” e “compartilhamentos”. Mais do que a evidência de uma “patologia social”, estamos diante de uma situação  remissiva à subtração das liberdades individuais, do direito de defesa e julgamento, e a extrapolação de ações - constitucionalmente apenas facultadas ao Estado - como aplicação de penas aos cidadãos que desrespeitam as leis. Legalmente, inclusive, o país não tem pena de morte.  
                                               Aqui em Pernambuco, numa cidadezinha conhecida como Camaragibe – onde está sendo construída a cidade da Copa - foi assassinada, há alguns anos atrás, uma jovem conhecida como “Um real” – ela não tinha nome?  – numa referência ao que valor que ela cobrava pra fazer programas. Viciada em crack, talvez em função de dívidas com traficantes, a jovem foi morta a pauladas. Qual a sua idade? 12 anos. Perdi essa aula de psicologia, mas talvez ainda possamos enquadrá-la como uma criança. Esse caso nunca foi esclarecido, assim como outros tantos onde nunca se descobriu os verdadeiros assassinos.
                                               Está aqui uma evidência de que é preciso analisar essas situações com mais prudência, bom-senso, sensibilidade. No quadro de “um real”, todos temos nossa parcela de culpa. Falhou a Família, falhou a Igreja, a Escola, a sociedade, o Estado. Todos nós falhamos. Já ocorreram casos em que esses atos de “justiça com as próprias mãos” se mostraram equivocados. As vítimas eram inocentes.
                                               O “Ovo da Serpente”, então, é a tolerância ou permissividade à atitudes como a descrita, criando um ambiente perigosamente favorável ao totalitarismo e o endurecimento das ações do Estado no enfrentamento dessas situações. É interessante observar que as pessoas que defendem aqueles que praticam a “justiça com as próprias mãos” são, quase sempre, as mesmas que advogam a volta de regimes ditatoriais. Não deve ser por acaso.
                                              
                                  

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