Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.
A palavra de ordem
do momento é a reforma política. Tema sobre o qual todo mundo parece estar de
acordo, mas sobre o que não há o menor consenso em como fazê-la. Cada um tem
uma proposta diferente sobre o conteúdo dessas reformas. E há quem também
discorde da maneira como deve ser encaminhada: Constituinte exclusiva ou uma
reforma congressual? – Seria possível uma Assembleia especificamente eleita
para cuidar do assunto, ou toda Constituinte é plenipotenciária para mudar a
Constituição? – Não é tarefa fácil fazer esta reforma. Pois se trata da
sobrevivência dos próprios atores políticos brasileiros, dos partidos, dos
candidatos, do Poder Executivo, os parlamentares etc. E cortar na própria carne
não é exatamente o que costumam fazer os nobres deputados. Não se deve fazer
uma reforma política “à la carte”, pensando nos próprios interesses ou nos
interesses de sua legenda. O Ideal é que os ilustres parlamentares pensassem
apenas no interesse público, no que seria melhor para República brasileira, não
para si e seu partido.
0 Brasil não tem
uma tradição de ”engenheiros institucionais”. Estadistas e pensadores
preocupados com a forma das instituições políticas. Tem de operadores
políticos. 0 menosprezo pela qualidade das instituições vem de um certo
ressentimento da política republicana, associada ora ao mercado ora ao
exército. A matriz formadora do Estado brasileiro é a família patriarcal, a
Casa Grande e sua hierarquia de poderes. A nossa experiência política é o Estado patrimonialista ou neo-patrimonialista, onde se confunde o público com o
privado. Tivemos, segundo os sociólogos, 300 anos de Casa Grande. Só no século
XIX, começa a formação do espaço público no Brasil. Assim mesmo com o corpo burocrático,
oriundo da elite latifundiária da ex-colônia.
A origem do
pensamento político brasileiro está ligada às ontologias políticas negativas, à
ideia da miséria política brasileira, da inadequação das doutrinas políticas
importadas dos outros países (o liberalismo, o socialismo, a democracia, o
federalismo, o presidencialismo etc.). As reflexões de Tavares Bastos, Paulo
Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Vianna, sobre “o idealismo da
Constituição” e a necessidade de “um autoritarismo instrumental" mostram a
pobreza da nossa reflexão sobre a Política e o Modelo Político Brasileiro. A
isso viria se somar a maldição da herança (burocrática e patrimonialista)
ibérica, entendida como fonte inevitável de corrupção na administração pública
do país.
Foi preciso
esperar pela década dos 90 e a agenda das reformas institucionais – anunciadas
por Collor, mas realizadas por FHC – para introduzirmos de maneira canhestra a
discussão sobre a engenharia política brasileira. A inadequação do modelo
institucional às características históricas, sociais e culturais do Brasil. Começou
, entre nós um debate (de inspiração anglo-saxã) que modelo eleitoral,
partidário, federativo seria o mais adequado para o país. Iniciou-se então o
debate sobre o estado atual das instituições, sua patologia, sua inadequação.
Regime eleitoral (proporcional) que não ajudava o controle e o acesso do
eleitor ao seu representante. Regime partidário libérrimo que estimulava a
fragmentação congressual e a corrupção política. Regime de financiamento
privado, que permitia o abuso escancarado do poder econômico. Hipertrofia do
Poder Executivo, judicialização da política. Federalismo anômalo. E uma
obrigatoriedade do voto, responsável pela apatia política e a venda dos
eleitores. De eleição a eleição, acentuavam-se os defeitos e os problemas da
representação política no país; no funcionamento dos partidos e no
financiamento das campanhas eleitorais.
O ponto alto dessa
crise se deu com as “jornadas de junho” de 2013, que obrigou à Presidenta a
promover uma reforma política, com uma Constituinte Exclusiva, apoiada numa
mobilização popular. Naturalmente que tal proposta suscitou reações em vários
campos: no Judiciário, no Legislativo, na OAB etc.
Após o
aprofundamento das investigações da Operação “Lava-Jato”, onde os contratos
bilionários da Petrobras com empreiteiras brasileira para a construção de
grandes obras públicas serviu de fonte para o financiamento das campanhas
eleitorais, indiscriminadamente, a agenda das reformas tornou-se imperiosa. Há,
no Congresso Nacional, 3 propostas de mudança nas regras do jogo político no
país: uma da OAB/CNBB, uma do Partido dos Trabalhadores e uma outra, do PMDB.
As duas primeiras têm pontos em comum, sobretudo, no que diz respeito ao
financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. A do PMDB mantém
o financiamento privado, embora as empresas só possam fazer doação a um único
partido ou candidato. As propostas mais republicanas são as duas primeiras,
pois o financiamento privado das campanhas eleitorais tem sido a principal
fonte de abuso e corrupção, pelo Poder Econômico, das eleições proporcionais e
majoritárias, no Brasil. A manutenção do atual modelo de financiamento das
candidaturas aproxima as eleições de um negócio escuso, clandestino, de troca de
favores para a realização de obras e falcatruas, que enchem a crônica policial
dos noticiários da TV e do jornalismo impresso. Segundo estimativa do
ex-presidente do TSE, Ministro Dias Toffeli, 50% dos candidatos são eleitos por
empresas e grandes grupos econômicos no Brasil. Estimativa conservadora, por
certo.A proposta da OAB
ainda defende outros pontos, como: voto
na lista fechado, e não em candidatos; a proibição de coligação nas eleições
proporcionais; o fim de suplentes de senadores etc.
Nenhuma proposta de
reengenharia institucional no país dará certo, sem uma profunda mudança da cultura
política brasileira, da adoção de uma verdadeira cultura cívica, da exposição
de bons exemplos, da punição exemplar de corruptos e corruptores e , acima de
tudo, da generalização de oportunidades sociais para os mais pobres e
desamparados. Não se pode ter ilusão sobre os milagres que o “messianismo
jurídico” operará no Brasil, a despeito das desigualdades econômicas,
educativas, regionais. Enquanto não se olhar para esse quadro profundo de
iniquidades sobre o qual se pretende erguer o edifício das reformas
institucionais, estamos fadados ao círculo vicioso da miséria e da corrupção. E
na transformação das vítimas em réus, destinados às masmorras e matadouros
públicos, chamados presídios e cadeias. E não escolas de ressocialização e
convivência democrática.
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