O juiz Sérgio Moro é apenas um numa conspiração de classe destinada a criar uma onda de pânico e um clima de histeria contra o PT.
Não é banal o movimento que fazem a Justiça e o Ministério Público paranaense para inviabilizar um partido político nacional, o PT, ou qualquer outro que venham a botar no mesmo pacote – de preferência pequenos e ligados ao governo – para fingir que essa decisão não é uma perseguição ao partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que venceu as eleições dos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra, e da presidenta Dilma Rousseff, que ganhou dois pleitos dos tucanos José Serra e Aécio Neves, o último deles o ano passado. Isso faz parte de uma estratégia de intimidação tão assustadora que transfere para o aparelho judicial de um Estado que sequer tem relevância na política nacional as decisões sobre o futuro da política nacional e sobre a legitimidade do voto do eleitor brasileiro; e que dá a uma decisão judicial de primeira instância o direito de proscrever partidos políticos.
Nem nas ditaduras brasileiras isso aconteceu. Os partidos foram proscritos por atos federais. O PCB, por exemplo, foi colocado na ilegalidade em 1927, durante o estado de sítio decretado pelo presidente Epitácio Pessoa. Em 1966, todos os partidos brasileiros foram extintos por um ato institucional da ditadura militar iniciada em março de 1964. Somente em 1946 a Justiça tomou a decisão de tirar uma legenda do quadro partidário, o mesmo PCB, sob o argumento de que ela não professava a democracia. Ainda assim, a decisão partiu de uma instância máxima de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O absurdo jurídico de colocar um partido na ilegalidade pode ocorrer se o Ministério Público do Paraná pedir o indiciamento do PT, a pretexto de participação na Operação Lava Jato, e o juiz Sérgio Moro condenar o partido. Segundo matéria publicada pela Folha de S. Paulo, procuradores preparam a originalíssima peça, que respaldaria uma decisão judicial destinada a proscrever o PT. O instrumento da inviabilização do partido seria a aplicação de uma multa próxima dos R$ 200 milhões que um dos delatores da Operação diz que o partido recebeu de propina – e que, sem provas, nas mãos de qualquer procurador ou juiz minimamente neutros, seria apenas uma palavra, a do delator, contra a outra, a do delatado que nega o crime.
Um golpe de mão aplicado pela Justiça no quadro partidário brasileiro é, de fato, a inovação que a pouco neutra justiça paranaense pode legar para o país inteiro. Moro adora inovações, e segue os passos do inovador Joaquim Barbosa que, à frente do chamado Caso Mensalão, no Supremo Tribunal Federal, deixou de ser juiz e agiu como promotor, rasgou a Constituição, negou provas que inocentariam alguns réus e pediu a condenação de outros tantos sem provas, com o beneplácito do plenário da mais alta corte judiciária do país, com o aplauso da imprensa e as loas da oposição.
Todas as licenças poéticas do aparelho judicial paranaense, inclusive esta, vêm sendo amparadas pelos partidos de oposição, acalentada pela mídia conservadora, tolerada pelas instâncias superiores da Justiça e pelos órgãos de controle do Judiciário e do Ministério Público, a exemplo do que aconteceu no Mensalão. A estratégia é a mesma: cria-se um clima político para legitimar desmandos judiciários, e os desmandos do Ministério Público ou da Polícia Federal são sistematicamente legitimados porque vêm respaldados em decisões judiciais. É uma roda-viva onde quem perde é sempre o futuro. Porque, no futuro, sabe-se lá quem vai ser atingido por já legitimados desmandos judiciais que hoje vitimam o PT. A articulação política entre PF, Ministério Público e a Justiça já é um dado, e pode atingir no futuro outros inimigos políticos que forem escolhidos por eles.
O pensador Antonio Gramsci, ligado ao Partido Comunista Italiano, descreveu nos Cadernos do Cárcere as observações sobre o que ocorria naquela Itália convulsionada por uma cega adesão à liderança de Benito Mussolini. Lá pelas tantas, ele tenta entender como se formam as explosões de pânico, a contaminação coletiva por uma ideologia por meio do medo e da formação de sensos comuns – ideias-força sem necessariamente nenhuma racionalidade, mas de fácil aceitação, capazes de comover, envolver ou amedrontar. Os meios de comunicação são fundamentais na criação dessas mudanças culturais muito rápidas.
A teoria gramsciana merece também ser lembrada nesses turvos dias pelo papel que atribui a instituições do Estado, inclusive à Justiça. O Judiciário, segundo ele, é um aparelho ideológico de vocação conservadora, resistente a mudanças – inclusive as definidas pelo jogo democrático.
Como esse artigo não é acadêmico, só tomo a liberdade de citar o pensador rapidamente, na tentativa de entender o momento em que vivo eu, assustada, como outros tantos; e todos nós – alguns com medo, uns irados, outros tantos odientos, numa composição digna de uma arena romana. Nessa trama, é difícil diferenciar os cristãos dos leões.
Desde o Mensalão, Gramsci vai e volta em qualquer tertúlia política pela simples razão de que vivemos no meio de uma onda de comoção, pacientemente criada nos últimos anos, destinada a relativizar uma realidade em que as forças envolvidas em campanhas difamatórias, ações espetaculares, uso da máquina judicial, não conseguiram alterar uma realidade eleitoral, e ocupam os demais aparelhos ideológicos de Estado para consolidar uma hegemonia que se imponha sobre o voto. Tudo o mais – a formação de sensos comuns estapafúrdios, mas simples e claros; o papel da Justiça; o uso dos meios de comunicação na formação de um clima tão denso, tão áspero, tão inóspito, que pode ser apenas cortado com faca afiada – já é passado. Já foi, já produziu efeitos. O clima está criado.
Resta aos democratas tentarem separar o que é espuma, o que é avanço indevido sobre direitos democráticos, do que é efetivamente justo. Essa é uma tarefa que fica muito difícil, porque o clima e o senso comum agem intencionalmente contra. O Brasil tem caminhado por sofismas, e Moro usa deles à perfeição. O clima de histeria criado contra o PT desestimula as pessoas comuns de defenderem governos por elas eleitos, com base no sofisma fincado num senso comum cevado pacientemente nos últimos anos, de que o partido é corrupto, e quem o defende está defendendo a corrupção; de que a Petrobras é de uso do petismo, e o petismo é corrupto, e por isso a Petrobras tem que ser inviabilizada economicamente; de que os corruptos delatores se tornam heróis se delatam o PT, mesmo não tendo credibilidade pessoal nem provas; que a Justiça, para eliminar um partido político, pode usar de que instrumento for, mesmo ao arrepio da lei, para prender e intimidar.
É tão irracional a “sofismação” da realidade e a consolidação de sensos comuns que é difícil entender por que, de repente, as pessoas tenham escolhido se destituir do direito à inteligência. Cair na armadilha dos sensos comuns criados pelo ódio impede a visão do óbvio. O tesoureiro do PT, João Vaccari, foi preso pelo juiz Moro porque arrecadou dinheiro legal para o PT, vindo de empresas implicadas na Operação Lava Jato. As empreiteiras que encheram os cofres do partido de dinheiro doaram igualmente para partidos de oposição, na mesma proporção. O raciocínio do juiz – segundo o qual dinheiro vindo de empresas fornecedoras da Petrobras, mesmo legal, transforma-se em crime porque foram conspurcados pela ação dessas empresas nas operações com a estatal – não vale para os outros. Não existe a mínima neutralidade nessa decisão.
A insanidade dos argumentos destinados a inibir a defesa do PT é outra coisa própria desse clima, a prova de que o país surfa na crista da onda de comoção. Por dois anos, desde a condenação de petistas no processo do Mensalão, criou-se um clima coletivo de ridicularização ou de raiva daqueles que ponderaram contra a ilegalidade de várias das decisões e condenações feitas pelo Supremo. O julgamento do Mensalão é uma mácula que a Suprema Corte brasileira demorará a se livrar. E a defesa que pessoas fizeram dos juízes que julgaram para atender o público e a mídia é uma mácula que a democracia brasileira terá de lidar daqui para a frente.
O juiz Moro, aquele do Paraná, ganhou um lugar na história do grupo político a que serve. Para a história do futuro, não terá deixado nenhuma contribuição jurídica, pelo simples fato de que rasgou a Constituição. A mídia tradicional, que ajudou a construir o clima duro que pesa sobre as nossas cabeças, deixará para o futuro a história de reconstrução do udenismo – um futuro em que poucos de seus veículos terão sobrevivido à hecatombe dos tempos modernos. A oposição partidária, pouquíssimo orgânica, será história, dificilmente futuro. E provavelmente isso também ocorrerá com as forças políticas levadas por essa onda de insanidade.
Isso, sim, será uma crise política com efeitos semelhantes ao de um tsunami.
Nem nas ditaduras brasileiras isso aconteceu. Os partidos foram proscritos por atos federais. O PCB, por exemplo, foi colocado na ilegalidade em 1927, durante o estado de sítio decretado pelo presidente Epitácio Pessoa. Em 1966, todos os partidos brasileiros foram extintos por um ato institucional da ditadura militar iniciada em março de 1964. Somente em 1946 a Justiça tomou a decisão de tirar uma legenda do quadro partidário, o mesmo PCB, sob o argumento de que ela não professava a democracia. Ainda assim, a decisão partiu de uma instância máxima de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O absurdo jurídico de colocar um partido na ilegalidade pode ocorrer se o Ministério Público do Paraná pedir o indiciamento do PT, a pretexto de participação na Operação Lava Jato, e o juiz Sérgio Moro condenar o partido. Segundo matéria publicada pela Folha de S. Paulo, procuradores preparam a originalíssima peça, que respaldaria uma decisão judicial destinada a proscrever o PT. O instrumento da inviabilização do partido seria a aplicação de uma multa próxima dos R$ 200 milhões que um dos delatores da Operação diz que o partido recebeu de propina – e que, sem provas, nas mãos de qualquer procurador ou juiz minimamente neutros, seria apenas uma palavra, a do delator, contra a outra, a do delatado que nega o crime.
Um golpe de mão aplicado pela Justiça no quadro partidário brasileiro é, de fato, a inovação que a pouco neutra justiça paranaense pode legar para o país inteiro. Moro adora inovações, e segue os passos do inovador Joaquim Barbosa que, à frente do chamado Caso Mensalão, no Supremo Tribunal Federal, deixou de ser juiz e agiu como promotor, rasgou a Constituição, negou provas que inocentariam alguns réus e pediu a condenação de outros tantos sem provas, com o beneplácito do plenário da mais alta corte judiciária do país, com o aplauso da imprensa e as loas da oposição.
Todas as licenças poéticas do aparelho judicial paranaense, inclusive esta, vêm sendo amparadas pelos partidos de oposição, acalentada pela mídia conservadora, tolerada pelas instâncias superiores da Justiça e pelos órgãos de controle do Judiciário e do Ministério Público, a exemplo do que aconteceu no Mensalão. A estratégia é a mesma: cria-se um clima político para legitimar desmandos judiciários, e os desmandos do Ministério Público ou da Polícia Federal são sistematicamente legitimados porque vêm respaldados em decisões judiciais. É uma roda-viva onde quem perde é sempre o futuro. Porque, no futuro, sabe-se lá quem vai ser atingido por já legitimados desmandos judiciais que hoje vitimam o PT. A articulação política entre PF, Ministério Público e a Justiça já é um dado, e pode atingir no futuro outros inimigos políticos que forem escolhidos por eles.
O pensador Antonio Gramsci, ligado ao Partido Comunista Italiano, descreveu nos Cadernos do Cárcere as observações sobre o que ocorria naquela Itália convulsionada por uma cega adesão à liderança de Benito Mussolini. Lá pelas tantas, ele tenta entender como se formam as explosões de pânico, a contaminação coletiva por uma ideologia por meio do medo e da formação de sensos comuns – ideias-força sem necessariamente nenhuma racionalidade, mas de fácil aceitação, capazes de comover, envolver ou amedrontar. Os meios de comunicação são fundamentais na criação dessas mudanças culturais muito rápidas.
A teoria gramsciana merece também ser lembrada nesses turvos dias pelo papel que atribui a instituições do Estado, inclusive à Justiça. O Judiciário, segundo ele, é um aparelho ideológico de vocação conservadora, resistente a mudanças – inclusive as definidas pelo jogo democrático.
Como esse artigo não é acadêmico, só tomo a liberdade de citar o pensador rapidamente, na tentativa de entender o momento em que vivo eu, assustada, como outros tantos; e todos nós – alguns com medo, uns irados, outros tantos odientos, numa composição digna de uma arena romana. Nessa trama, é difícil diferenciar os cristãos dos leões.
Desde o Mensalão, Gramsci vai e volta em qualquer tertúlia política pela simples razão de que vivemos no meio de uma onda de comoção, pacientemente criada nos últimos anos, destinada a relativizar uma realidade em que as forças envolvidas em campanhas difamatórias, ações espetaculares, uso da máquina judicial, não conseguiram alterar uma realidade eleitoral, e ocupam os demais aparelhos ideológicos de Estado para consolidar uma hegemonia que se imponha sobre o voto. Tudo o mais – a formação de sensos comuns estapafúrdios, mas simples e claros; o papel da Justiça; o uso dos meios de comunicação na formação de um clima tão denso, tão áspero, tão inóspito, que pode ser apenas cortado com faca afiada – já é passado. Já foi, já produziu efeitos. O clima está criado.
Resta aos democratas tentarem separar o que é espuma, o que é avanço indevido sobre direitos democráticos, do que é efetivamente justo. Essa é uma tarefa que fica muito difícil, porque o clima e o senso comum agem intencionalmente contra. O Brasil tem caminhado por sofismas, e Moro usa deles à perfeição. O clima de histeria criado contra o PT desestimula as pessoas comuns de defenderem governos por elas eleitos, com base no sofisma fincado num senso comum cevado pacientemente nos últimos anos, de que o partido é corrupto, e quem o defende está defendendo a corrupção; de que a Petrobras é de uso do petismo, e o petismo é corrupto, e por isso a Petrobras tem que ser inviabilizada economicamente; de que os corruptos delatores se tornam heróis se delatam o PT, mesmo não tendo credibilidade pessoal nem provas; que a Justiça, para eliminar um partido político, pode usar de que instrumento for, mesmo ao arrepio da lei, para prender e intimidar.
É tão irracional a “sofismação” da realidade e a consolidação de sensos comuns que é difícil entender por que, de repente, as pessoas tenham escolhido se destituir do direito à inteligência. Cair na armadilha dos sensos comuns criados pelo ódio impede a visão do óbvio. O tesoureiro do PT, João Vaccari, foi preso pelo juiz Moro porque arrecadou dinheiro legal para o PT, vindo de empresas implicadas na Operação Lava Jato. As empreiteiras que encheram os cofres do partido de dinheiro doaram igualmente para partidos de oposição, na mesma proporção. O raciocínio do juiz – segundo o qual dinheiro vindo de empresas fornecedoras da Petrobras, mesmo legal, transforma-se em crime porque foram conspurcados pela ação dessas empresas nas operações com a estatal – não vale para os outros. Não existe a mínima neutralidade nessa decisão.
A insanidade dos argumentos destinados a inibir a defesa do PT é outra coisa própria desse clima, a prova de que o país surfa na crista da onda de comoção. Por dois anos, desde a condenação de petistas no processo do Mensalão, criou-se um clima coletivo de ridicularização ou de raiva daqueles que ponderaram contra a ilegalidade de várias das decisões e condenações feitas pelo Supremo. O julgamento do Mensalão é uma mácula que a Suprema Corte brasileira demorará a se livrar. E a defesa que pessoas fizeram dos juízes que julgaram para atender o público e a mídia é uma mácula que a democracia brasileira terá de lidar daqui para a frente.
O juiz Moro, aquele do Paraná, ganhou um lugar na história do grupo político a que serve. Para a história do futuro, não terá deixado nenhuma contribuição jurídica, pelo simples fato de que rasgou a Constituição. A mídia tradicional, que ajudou a construir o clima duro que pesa sobre as nossas cabeças, deixará para o futuro a história de reconstrução do udenismo – um futuro em que poucos de seus veículos terão sobrevivido à hecatombe dos tempos modernos. A oposição partidária, pouquíssimo orgânica, será história, dificilmente futuro. E provavelmente isso também ocorrerá com as forças políticas levadas por essa onda de insanidade.
Isso, sim, será uma crise política com efeitos semelhantes ao de um tsunami.
(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)
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