Ao longo de sua bem-sucedida carreira acadêmica, o professor
Michel Zaidan Filho entrou em diversas polêmicas, o que apenas evidencia seu
espírito combativo e a sua capacidade de indignação. Quem teve o privilégio de
ser aluno, orientando e amigo sabe perfeitamente porque ele tem sido vítima
constante dos poderosos de ocasião, das carcomidas oligarquias locais e de
subservientes bajuladores, mesmo que, em alguns casos, estes ostentem perfis
acadêmicos, embora se comportem como lacaios de interesses mesquinhos.
A
lista de polemistas com quem Michel estabeleceu algum embate é extensa e, possivelmente,
ocuparia todo o espaço desse editorial, sobretudo se entrássemos nos detalhes.
Enfatize-se, entretanto, que os motivos que levaram o professor Zaidan a entrar
nesses embates são princípios nobres, eivados de espírito público, sempre na
defesa dos valores da democracia, da liberdade de expressão, em defesa do
patrimônio público, da res publica,
dos movimentos sociais de trabalhadores, contra o mandonismo, o arbítrio, a
oligarquização da política local, a privatização ou familiarização do interesse
público.
Em
sua trincheira do CFCH/UFPE, o mestre montou uma torre de vigilância sempre
atenta aos desmandos e abusos contra o interesse público. Num momento de
debandada de acadêmicos ao apelo de corte instrumental ou meramente adesivo ao
Governo FHC, o príncipe dos sociólogos, Michel se manteve em seu reduto,
orientando-se pela defesa dos seus caros princípios, em sua salinha empilhada
de livros e uma velha máquina Olivetti, onde até hoje escreve seus artigos,
atendendo seus alunos, acompanhando os movimentos estudantis, participando de barricadas, opinando sobre a política,
lendo suas teses, escrevendo seus livros. A ele não se aplica a crítica de
Sartre a Maurice Merleau Ponty, a quem acusava de ser um intelectual de
gabinete. Do mestre pode-se dizer que é um militante político.
Num
momento em que ocupou a Coordenação do Mestrado em Ciência Política, numa
nomeação de Robinson Cavalcanti, além de todas essas atividades, quem ligasse
para aquela Coordenação, ainda podia ter a surpresa de ter seu telefonema
atendido pelo próprio Coordenador do Departamento. Nos anos em que frequentei
aquele Centro só houve um momento em que cheguei antes do mestre, por ocasião
da nossa defesa de dissertação de mestrado, quando chegamos às 07h00, naquele
dia específico, como brincou o mestre, literalmente abrimos o Programa, movido
pela ansiedade.
Em
sua defesa aos ataques desferidos por pessoas ligadas do Palácio do Campo das
Princesas, manteve a serenidade, apontando os argumentos pelos quais conduzia
seu raciocínio, tudo dentro de parâmetros civilizados, não esquecendo
inclusive, governador Eduardo Campos, de honrar a memória e a integridade do
seu avô, Dr. Miguel Arraes, sobretudo num ponto nevrálgico, a defesa da redemocratização
do país e a sensibilidade social, um DNA herdado por vossa excelência, até
prova em contrário.
Como
afirmou o mestre, ele tem o direito de se encontrar entre os 5% que talvez não
concordem com a gestão que Vossa Excelência está imprimindo ao Estado,
sobretudo nos pontos que foram invocados. Essas contingências políticas são
complicadas, mas competia à sua assessoria tomar alguns cuidados quando se
reportasse aos 5% que, de alguma forma, discordam de sua gestão, seja ele um
respeitado acadêmico ou um cidadão comum do Alto José do Pinho que, dentro de
uma república, merecem o mesmo respeito.
Já
dizia o poeta que toda unanimidade é burra. Já afirmei em outras ocasiões e
volto a fazê-lo, muito cuidado com os “clipadores” do Campo das Princesas,
esses que põe em sua mesa de trabalho os artigos e reportagens sobre o seu Governo,
limitando-se a informá-los: Esses são contra, esses são a favo. Não se avança
com a bajulação. Eles não agregam, a não ser uma massagem no ego dos
governantes e o “entreguismo” visceral, por vezes criminoso, como forma de
ganhar “ponto” junto aos poderosos, numa manifestação cabal de sua
subserviência. Sobretudo quando eles resolvem escrever suas réplicas e pedir
para alguns incautos assinarem. Não sei se Vossa Excelência leu o artigo, mas
trata-se de um texto muito mal escrito, que, pela absoluta ausência de
argumentos consistentes, descamba para as agressões pessoais, isca que o
mestre, em sua tréplica, não engoliu.
Aprendi
a admirar o seu avô, Dr. Miguel Arraes, desde criança. Meu pai foi um
ex-operário da Companhia de Tecidos Paulista, da família Lundgren, de Paulista,
e nos ensinou a admirar aquele político que se orientava pela defesa dos mais
humildes. Quando, no Governo Jarbas, ele foi virulentamente atacado por tecer
algumas críticas ao Governo, tomamos a liberdade de escrever para os jornais,
defendendo seu direito de se opor. Nossas posições sobre o seu Governo são
conhecidas. Não raro Vossa Excelência aparece em nosso blog. Quando preciso,
reconheço os acertos, quando necessário, apontamos equívocos como forma,
inclusive, de contribuir com sua gestão.
Em palestra recente na Fundação Joaquim Nabuco, o
professor Antonio Paulo de Resende comentou sobre os limites da democracia,
argumentando que se tratava de uma utopia histórica. De fato, nenhuma modelo de
organização social conseguiu conviver harmoniosamente e de forma plena com a
democracia, utilizando em maior ou menor escala os tradicionais mecanismos de
controle social, exaustivamente discutidos pelo filósofo Michel Foucault.
Michel, inclusive, afirmava que algumas conquistas nesse terreno - obtidas
através da luta dos movimentos sociais - seriam pontuais e meramente pontuais,
jamais atingindo o âmago das relações de poder. Em certa medida, era um
pessimista não quanto aos valores, mas sobre a materialização da democracia.
Mas,
a utopia nos faz sonhar e não são poucos os estudiosos que se orientam em
defesa da democracia e de sua ampliação, embora, como afirmava o filósofo
político italiano Norberto Bobbio, comentando sobre o desmonte da experiência
socialista, o grade dilema da humanidade é que ainda não se resolveu a equação
entre liberdade e igualdade. Conquistas como a liberdade de expressão entra no
campo dos avanços pontuais, como advogava Foucault. Democratizar a democracia,
portanto, é nossa utopia, digamos assim. Deve ser muito triste deixar de
acreditar numa utopia. Isso pode ser comparado ao recente acidente vascular que
acometeu o escritor pernambucano Raimundo Carrero, que afirmou ser o seu maior
temor perder a faculdade de “imaginar”.
O
sociólogo francês, Claude Lefort, defendia a tese de que deveríamos nos
empenhar por sua ampliação, uma vez que uma democracia que não se ampliava
tendia a morrer de inanição. O problema são seus limites e “incertezas”
inerentes, como advogava o cientista político polonês, Adam Przeworski. Quais são
os reais limite, afinal? Historicamente, ela, a democracia, vem sendo testada
cotidianamente. A experiência do socialismo realmente existente, conforme
defendia Bobbio, é uma prova insofismável das dificuldades de conciliação entre
liberdade e igualdade. Países como Cuba, por exemplo, a despeito dos avanços
sociais – talvez o único país do mundo a erradicar a desnutrição infantil, dado
atestado pela UNICEF- suprime as liberdades individuais, não permitindo que
seus cidadãos expressem, livremente, suas opiniões, praticando uma espécie de
"crime de consciência", imaginem vocês. O cidadão é preso,
perseguido, torturado por pensar diferente, numa evidente demonstração de
intolerância.
As
economias liberais, por sua vez, apesar de alardearem a liberdade de expressão,
até mesmo do ponto de vista jurídico, na prática, adotam alguns dispositivos
sutis de censura, quando não investe, deliberadamente, sobre o controle dos
meios de comunicação, como se tentou no país, através dos marcos regulatórios
da imprensa. Felizmente, a presidente Dilma Rousseff, logo que assumiu o Governo,
adotou uma postura de corte democrático, em defesa do interesse público, não
permitindo que essas investidas se tornassem exitosas. Em todo caso, não são
poucos os que, no Governo, ainda tentam desencavar esses expedientes.
O
linguista Noam Chomski tem sido um grande crítico da indústria de comunicação
dos Estados Unidos, apontando seu poder de manipulação, definindo pautas
consoantes interesses corporativos e de grupos econômicos e políticos. Seus
debates com os grandes empresários do setor se tornaram antológicos e, não
raro, os reproduzimos em nosso blog. Numa palestra na Fundação Joaquim Nabuco,
um economista da USP, após fazer sua explanação, comentou ter sido censurado
pela grande imprensa paulista por emitir opiniões contrárias aos interesses do establishment governista da época.
Convidado a conceder uma entrevista, emitiu suas opiniões sobre o Plano Real,
que nunca foram publicadas.
Num
segundo momento, o mesmo jornal, ligou para o departamento procurando outro
pesquisador para se pronunciar sobre o assunto. Ao encerrar sua fala na sala
Calouste Gulbenkian, um dos participantes retrucou suas observações, afirmando
que, naquele momento, ele não havia sido censurado, estando livre para emitir
suas opiniões. O economista então respondeu que ali, sim, ele podia falar.
Afinal, logo após a palestra aqueles ouvinte iriam tomar seus carros com
ar-condicionado e se dirigirem aos seus apartamentos e - ele não falou, mas eu
acrescento - deixariam seus apartamentos, num sábado, para participarem de um
protesto que ficou batizado de Movimento pela Mobilidade das Hilux, que ocorreu
recentemente no bairro de Parnamirim, contra a ciclovia da Estrada do Arraial,
sem o menor desprendimento de alteridade. Houve até um locutor que informava
que aqueles privilegiados não usavam transporte coletivo ou precisavam de
ciclovias, algo muito mais próximo dos moradores dos morros adjacentes.
Quando
do seu primeiro mandato, o governador Eduardo Campos convidou o professor
Michel Zaidan para debater um possível programa de Governo, numa reunião
ocorrida em Olinda, se houver algum engano nessa informação, peço perdão.
Lembro-me de uma entrevista, logo em seguida, onde o mestre comentou sobre os
graves problemas hídricos do Estado. Em conversa com outro cientista político
do nosso grupo, ele nos confidenciou que Eduardo teria afirmado que Michel
Zaidan e uma economista de renome no Estado, cada um dentro de suas áreas
específicas, poderia dizer o que quisessem sobre o Governo, sem correr o risco
de serem censurados ou processados. Não é o que parece quem vem ocorrendo, pelo
menos em relação ao cientista político Michel Zaidan.
Michel
Zaidan não chegou a integrar o Governo – penso que nem pretendia – apeado,
segundo dizem, por pessoas que não sabem conviver com opiniões contrárias à sua
e, certamente, incomodadas com a sua altivez, independência e sinceridade. Quem
acompanha o nosso Blog do Jolugue
sabe que o editor, não raro, aponta dois equívocos no Governo de Eduardo
Campos: o primeiro diz respeito ao descaso com questões relativas ao
meio-ambiente, sobretudo em seu primeiro mandato, algo que vem tentando se
corrigir. O outro, de natureza, política, é que observamos que o Governo, entremeado
pelo pragmatismo fisiológico da tradição política brasileira – deixou de dar
ênfase à meritocracia, de corte republicano, tão enfatizada em seus primeiros
anos de Governo.
Quem
não se lembra de um antológico diálogo proposto aqui no Blog do Jolugue, entre
Eduardo Campos e conhecido oligarca do Estado do Maranhão? Entre seus novos
amigos, há aqueles que o aconselham a afasta-se do PT e antecipou que, em algum
momento, ele teria que emendar o bigode com este oligarca, que ainda possui
algumas capitanias hereditárias na República. República que avança em certos
aspectos, mas permanece recheada dessas práticas fisiológicas, patrimonialista,
numa espécie de neo-patrimonialismo mitigado entre inovação e continuísmo,
eficiência e práticas reificadas, permitindo-se que interesses de grupelhos se
sobressaiam sobre o interesse público. Mais arguto do que o discípulo, o mestre
apontou alguns equívocos na condução das políticas públicas do Estado na área
de saúde e de educação.
O
Governo do Estado, que enfatiza tanto o aspecto profissional da gestão, precisa
tomar mais cuidado com a imagem do seu Governo, respondendo as críticas dentro
de parâmetros civilizados, urbanos, respeitosos, republicanos, jamais se
permitindo levar para o campo pessoal as observações sobre a gestão da máquina.
Michel Zaidan é uma das pessoas pelas quais o editor do Blog do Jolugue possui
uma profunda admiração. Cuidados com réplicas que usam a bílis e não argumentos
consistentes apenas contribuem para confirmar os argumentos que estão sendo
postos.
O
mestre é alguém que merece nosso respeito, governador. Ao contrário do que
afirma o ghost writer do Palácio do Campo das Princesas, é alguém respeitado no
circuito acadêmico. Não vai aqui nenhuma demonstração de “arrogância acadêmica”,
mas nós não observamos quantos artigos foram escritos pelo ghost writer, quais
foram seus temas de estudos, de quantas bancas de defesa de mestrado ou doutorado
ele participou, quantos alunos ele orientou ao longo de sua vida acadêmica,
quantos artigos científicos publicou em revistas especializadas ou algo
parecido. Confesso que, nesses anos todos, nunca esbarrei com ele pelo CFCH,
sequer, acompanhando uma palestra sobre o movimento operário, um dos temas em
que mestre especializou-se. Certamente, ele teria muito que aprender com Michel
Zaidan. Noutros tempos, eu convidaria para saborear um “Tropical” na Cantina do
Daniel, em nossa companhia.
Volto
a repetir, não entenda isso como uma sobreposição de saberes, até porque tanto
ele como eu temos profundo respeito pelos humildes analfabetos, alguns deles,
sequer, tiveram facultado o direito a uma educação pública de qualidade, uma obrigação do Estado. Argumentos, na
realidade, se responde com argumentos, não com agressão ou censura. Não há como
responder, governador?
José Luiz Gomes da Silva, Cientista Político, Editor do Blog.
(Crédito da foto: Diário de Pernambuco).
José Luiz Gomes da Silva, Cientista Político, Editor do Blog.
(Crédito da foto: Diário de Pernambuco).
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