Governo
é diferente de poder. No sistema capitalista
o verdadeiro poder é o econômico, do capital. Foi esse sistema que
criou as regras de participação política que temos hoje, que na
visão deles são democráticas. E até são, mas dentro dos limites
de seus interesses. Usemos a
relação Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre.
É
como se a
senzala
tivesse conseguido o direito de brincar dentro
da casa, mas apenas na sala
de estar, nunca sozinhos. Os
senhores fazem isso para mostrar benevolência em relação ao povo,
dando-lhes o direito, desde que consigam cumprir suas regras, de
entrar na Casa Grande, mas sempre
tendo que se submeter aos
seus interesses.
A
grande questão do ponto de vista
político é que esses donos – a elite – não tem nomes para
brincar na sala de estar também, junto com os
representantes da senzala.
Também existe o grupo do
meio, que
não são da Casa Grande, nem são da senzala. Desse grupo há três
tipos de comportamento: um que afirma estar ao lado da senzala, mas
torce e faz o que pode para atrapalhar a brincadeira; o
segundo,
toma as dores da Casa Grande. Num fetiche de um dia ser aceito por
completo por seus membros e
poder transitar livremente por toda a casa.
E
tem o terceiro grupo que realmente está ao lado da senzala. Não é
parte dela, mas entende sua perspectiva e tem a consciência de que
com a senzala dentro da casa, todos ganham.
A
dor de cabeça dos donos da Casa
Grande
é a falta de gente para ficar na sala de estar. Aécio não emplaca,
ninguém quer brincar com ele. Marina saiu da
senzala
e não tem a sua confiança, apesar de seus esforços e de ter ganho
a simpatia de alguns dos donos; Eduardo Campos atraiu Marina para seu
lado, joga um bocado de conversa bonita para os membros da Casa Grande, mas também não convence. E tem o Serra. Ele tem mais
simpatia dos donos da Casa
Grande,
mas as pessoas não querem brincar com ele porque trapaça, joga
sujo.
E,
embora os representantes da
senzala, – pelo menos até
agora – não tenha tirado um único móvel do lugar da sala de
estar da Casa
Grande,
mudou alguns de lugar. E isso já irrita por demais os donos da casa.
Daí a sede de expulsá-los da brincadeira. Porém não podem fazê-lo
assim de supetão. Isso é contra as regras que ele mesmos criaram
para se poder brincar na casa. Para isso eles usam subterfúgios.
Imagine
que a segunda sala é a imprensa e uma terceira o poder judiciário.
A cozinha é o lugar onde eles determinam os rumos do país em
detrimento dos interesses da senzala. De vez quando um
dos da senzala entra na
cozinha e mexe em alguma coisa, como a redução das taxas de juro
que, assim que saem, os donos rearrumam para tentar fazer as coisas
voltarem pro lugar.
Na
segunda sala, a da imprensa (apenas os que eles chama de grande)
espalham que os membros
da senzala
desarrumaram
toda a sala de estar, o que não condizente com os bons modos da
elite. A Casa Grande
conseguiu convencer a todos que seus valores, seus costumes, seus
símbolos são os corretos. Mesmo que as pessoas da Casa Grande não
deem a mínima para isso, apenas cobrem da senzala que sigam à risca
o que lhes é dito.
Na
terceira sala, o do judiciário, fazem o que podem para tirá-los da
Casa
Grande,
sem que pareça transgressão das regras. Tudo para fazer a senzala
pensar que quem não quer ficar ali são os que foram mandados por
ela.
Capas
e mais capas de revistas e jornais, mudanças nos ritos dos processos
legais, programas de tevê que vendem a imagem de debates, mas apenas
fala o mesmo lado – mesmo em programas com mais de um convidado!
Tudo para fazer crer que existe apenas um pensamento único sobre as
coisas. O objetivo disso? Adormecer a senzala.
É
isso que todos presenciamos no Brasil atualmente. Aqueles que têm um
olhar mais atento conseguem perceber e quem não aceita essa lógica
faz o que pode para tentar mudá-la. Mas essa briga não é fácil,
há todo um simbolismo em torno da Casa Grande que impede que a
senzala entre porta adentro. Mas aos poucos a coragem de fazê-lo vai
tomando conta.
Em
124 anos de República esse é o melhor momento que vive o país em
questões econômicas e sociais. Nunca nossa desigualdade – apesar
de alta – nunca foi tão baixa. Nunca nossa economia esteve tão
forte, conseguindo até passar por crises financeiras com
desenvoltura fazendo que nós, o povo, a senzala, pouco ou nada a
percebamos.
Foram
as eleições de Lula e Dilma na presidência da República
primeiramente e depois
eleições como a de Fernando
Haddad na capital financeira do Brasil que
fizeram a senzala pôr os pés na Casa Grande,
brincando na sala de estar, -
em outro momento histórico isso foi feito com João Goulart e
prontamente a Casa Grande tratou de tirá-lo da brincadeira
–, mas ainda
são eles, os
donos da Casa Grande, que
detém o real poder político em solo tupiniquim.
O
pesadelo da elite é que não tem nomes para apresentar, inclusive
para as pessoas da senzala, para brincar na sala. Rumando para ter em
sua companhia, dentro de sua casa, mesmo que apenas na sala de estar,
membros da senzala, do povo. O medo é que a senzala toda resolva
entrar e tomar para si a Casa Grande, aí das duas uma: ou eles
desistem e a dividem com todos ou se tornam a senzala. Mesmo com todo
o poder que ainda tem, os pensamentos não devem estar nada fáceis
para os donos da Casa Grande.
(Publicado originalmente por Carlos Eduardo, no blog do Cadu)
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