Poderia ter sido comerciante, como meu saudoso pai ou meus avós materno e paterno. Ou, quem sabe, arquiteto ou psicanalista. Hoje, tenho certeza de que seria rico e socialmente mais influente ou conhecido. No entanto, contrariando todas as expectativas familiares, me tornei professor. Lembro que uma das manifestações mais remotas dessa escolha foi quando disse a uma tia paterna que escolheria uma profissão onde pudesse falar para as pessoas,muitas pessoas. Mal sabia eu que estaria selando o meu destino com a entrada futura no magistério. Quando decidi que estudaria Filosofia, a família fez um prognóstico muito ruim: ou seria gênio ou boêmio. Agora vejo que nenhuma dessas previsões se confirmou. Mas me tornei um professor ao longo desses últimos 40 anos.
Um professor não nasce feito. Ele vai se fazendo, se construindo, se aperfeiçoando no exercício do seu magistério. Ele pode começar sendo um tirano, um ditador, uma pessoa muito rígida, que exige dos alunos aquilo que ele já sabe ou aprendeu, à custa de muitas leituras e discussões. Mas ele também pode ser uma espécie de "catapulta" dos sonhos de seu alunos, ou um "jardineiro" que se encarrega de regar, com cuidado, todo dia o seu jardim (Rubem Alves). De toda maneira, o magistério é uma espécie de contrato amoroso entre professor e alunos. Sem um interesse genuíno na transformação humana de seus pupilos (mas do que no vezo reprovativo e fiscalizador), não pode haver comunicação didática. E essa comunicação depende muito do assentimento, da concordância dos alunos. Se eles não quiserem aprender, nada os fará a respeitar e se beneficiar do conhecimento dos mestres. Há um quê de gratuidade, generosidade, entrega incondicional na atividade docente. Ela não exige, ou pré-condiciona a aprendizagem. Ou se dá ou não se dá.
É precisa também saber o que se aprende e para que se aprende. Nisso, há muito que aprender com as educadoras das meninas que vivem nas ruas do Recife. O principal objetivo da aprendizagem não é o sucesso a qualquer custo (educação de resultados); é ser feliz, ser capaz de se aceitar e respeitar as escolhas dos outros. Ninguém é igual a ninguém. Cada um tem o seu ritmo, suas necessidades, sua maneira de ser e seu caminho próprio para a auto-realização pessoal. O ensino não pode querer uniformizar, padronizar o destino das pessoas. Há muitas formas e meios de ser feliz, desde que aprendamos a valorizar as diferenças, naquilo que elas nos enriquecem. Para não corrermos o risco de produzir "Pinóquios às avessas", é preciso de um olhar clínico para as diferenças individuais de nossos educandos. E saber tirar proveito delas.
Escrevo essas palavras, no outono do meu magistério, e num momento angustiante em que os meus colegas estão sofrendo uma dura repressão de governos, dirigentes e administradores públicos que não têm a menor sensibilidade para a causa da Educação Pública. Tratam a educação como despesa (ruim) e não um formidável investimento em carreiras e vidas humanas cujo fim é tornar possível sonhos, projetos, expectativas. Não entendo como "uma pátria educadora" criminaliza e condena seus mestres a sofrerem a humilhação de terem que aguentar balas de borracha, spray de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo e as infâmias de um discurso falacioso, vazio de toda e qualquer pretensão de validade ética, moral ou republicana.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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