pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: A Fundação Joaquim Nabuco e o direito à cidade.
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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A Fundação Joaquim Nabuco e o direito à cidade.


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José Luiz Gomes


Li atentamente uma entrevista concedida pelo presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Luiz Otávio Cavalcanti, ao jornal Folha de Pernambuco, em sua edição do último dia 17. Há, ali, vários links que suscitariam a possibilidade de um bom debate sobre a Instituição, sobre o Estado e, porque não dizê-lo, sobre o país, nesses momentos conturbados de instabilidade política, sobretudo em se tratando de uma Instituição ancorada no guarda-chuva do organograma do Ministério da Educação. A rigor, a única instituição de pesquisa daquele órgão. Como afirmamos, há, ali, vários links para um bom debate, mas, hoje, vamos nos concentrar no papel do "posicionamento" institucional sobre temas relevantes para a cidade do Recife, o Estado de Pernambuco e o país. Neste primeiro momento, especificamente, sobre as intervenções urbanas no Recife ou o direito à cidade. 

Na década de 40, em plena vigência do Estado Novo, o sociólogo Gilberto Freyre, criador da Fundação Joaquim Nabuco, mantinha sérias divergências com o interventor Agamenon Magalhães, amargando, inclusive, duas prisões por determinação deste, através de mandados emitidos pelos seus prepostos da Sorbonne da Rua da Aurora, numa feliz expressão do jornalista Aníbal Fernandes. Embora houvessem divergências pontuais entre ambos, há um componente político maior, em nosso entendimento, determinante dessa animosidade: Gilberto Freyre, chefe de gabinete do governador Estácio Coimbra, identificava-se com a aristocracia açucareira do Estado, ao passo que Agamenon Magalhães era um ilustre representante das oligarquias algodoeiras e pecuaristas do sertão. Tanto Estácio quanto Gilberto, com a decretação do Estado Novo, tiveram que se exilar no exterior. Gilberto passou por muitas dificuldades nesse período, mas nos legou uma obra como Casa Grande & Senzala que, apesar de doce, não nasceu nada açucarada.  

No que se refere às questões pontuais, o governo do interventor Agamenon Magalhães criou, quiçá, um dos primeiros projetos de intervenção urbana governamental no Recife, a Liga Contra os Mocambos. Compete aos pesquisadores investigaram isso, mas defendo a tese de que as propostas do interventor podem ser enquadradas como, certamente, uma das primeiras - se não a primeira - a propor uma solução "higienista" para a questão da ocupação do espaço urbano do Recife. Comentou-se à época que Agamenon Magalhães previa a retirada dos mocambos e palafitas dos bairros alagados do Recife - a paixão de Josué de Castro - assim como sua transferência para uma área conhecida como "Macacos", ali nas proximidades de Camaragibe ou São Lourenço da Mata. Gilberto Freyre escreveu um duro artigo criticando a medida, publicado pelo Diário de Pernambuco, o que teria deixado o China Gordo enfurecido. Um dos pontos enfatizados por Gilberto Freyre no artigo foi o grandioso elogio das soluções arquitetônicas encontradas pela pobreza para a sobrevivência em condições tão inóspitas. 

A rigor, já então, poder-se-ia falar numa espécie de protagonismo do fundador da Fundação Joaquim Nabuco no tocante à ocupação do espaço urbano do Recife, assumindo um posição, digamos assim, progressista sobre o tema. Essa tendência de caráter higienista nas intervenções urbanas do Recife - quem sabe plantada durante o Estado Novo - daria o tom do traçado urbano do Recife desde então, independentemente dos partidos que ocuparam o Palácio Antonio Farias, seja representantes de forças mais conservadoras, seja do campo da esquerda, como o PT. Aliás, a "agenda" do poder público já então teria sido "aprisionada" pelos interesses do capital das grandes corporações, limitando sua margem de manobra e discussões. Um dos grandes problemas apontados em relação ao Cais José Estelita, por exemplo, foi a ausência de diálogo com amplos setores da sociedade civil. 

De acordo com o cientista político Michel Zaidan, esse modelo de intervenção urbana já nasce sob o signo da exclusão e da especulação do capital. Em artigo publicado aqui no blog, ainda sob o calor do #OcupeEstelita, ele informa que: 


Essa expressão foi utilizada pela primeira vez, por um literato francês sobre a reforma urbana patrocinada pelo Barão de Haussiman em Paris, depois das barricadas de junho. 0 objetivo da reforma é sanear e embelezar a cidade, colocando abaixo o velho casario e alargando as ruas e avenidas, de forma que os carros de combate pudessem facilmente enfrentar os "communards" e impedir as barricadas. 0 modelo da reforma urbana francesa ganhou a imaginação urbanística do século XX, influenciando o traçado urbanístico das principais capitais brasileiras. Para o bom entendedor, o significado era claro: higienizar as cidades, expurgando o centro urbano de pobres, miseráveis, lumpens etc. E criando excelentes oportunidades de negócio para a especulação imobiliária, com o indefectível apoio do poder público.

Foi o sociólogo francês, Henri Lefebvre, quem cunhou a expressão "o direito à cidade", como um dos maiores direitos que o cidadão citadino e urbano podia ter. O direito à cidade se traduz no direito à moradia, ao transporte, à saúde, ao lazer, ao trabalho e, naturalmente, na tomada de decisões que afetem o cotidiano das massas urbanas. A especulação imobiliária é exatamente a negação do direito (democrático) à cidade. Esse direito não pode ser reduzido ao cidadão-consumidor, ao especulador, aos ricos e apaniguados, amigos do Poder Público, de seus planejadores,arquitetos e seus escritórios encarregados de "vender" o produto ao mercado. Quando o direito à cidade é roubado, produz-se a espoliação urbana e a expulsão dos cidadãos pobres para as periferias da cidade.


E por falar no Cais José Estelita, o senhor Luiz Otávio observou que a Fundação Joaquim Nabuco estaria criando um grupo de trabalho para estudar a questão e emitir um posicionamento institucional sobre o assunto. Todos sabem que, depois de uma ampla mobilização da sociedade civil, as obras foram interrompidas pela justiça, depois de observadas profundas irregularidades nas transações entre poder público e iniciativa privada, a começar pelo leilão dos depósitos que pertenciam à antiga Rede Ferroviária Federal. Por razões óbvias, são raros os pronunciamentos institucionais sobre algum tema relevante.Salvo melhor juízo, a Fundação Joaquim Nabuco, já teria emitido um pronunciamento oficial a este respeito, embora o que esteja sendo construído aprofunde o debate sobre o tema e é sempre bem-vindo.

Em sua entrevista, o senhor Luiz Otávio lembra que ocupando outra função pública, quando do debate sobre o Complexo Portuário de SUAPE, abriu um diálogo com a Casa, através do economista Clóvis Cavalcanti, que advogava uma preocupação com o impacto ambiental da construção do porto. Na medida do possível, algumas dessas propostas foram incorporadas ao projeto. Aqui vale a observação de que os problemas ambientais continuam sendo uma grande dor de cabeça para as áreas do entorno do porto, atingindo negativamente a população local, fulcro, creio, de estudos e pesquisas posteriores encaminhadas pela própria Fundação Joaquim Nabuco. 

Mas, voltando ao protagonismo da Instituição, tempo houve em que a Casa possuía uma capilaridade política mais acentuada, reproduzindo aqui na província algo semelhante àquilo que o s sociólogos Gaetano Mosca e Pareto iriam tratar como a teoria das elites (ou da circularidade das elites, numa leitura provinciana). Atores políticos fundajeanos circulavam por órgãos influentes, de natureza deliberativa e consultiva, como os conselhos de educação e cultura, além de instituições de ensino. O próprio Fernando Freyre dividia a presidência da Instituição com a ocupação de presidente do Conselho Estadual de Cultura. Existiam outros nomes, inclusive de ex-professores nossos, mas, prefiro não citá-los. Essa capilaridade política dos atores fundajeanos, por exemplo, foi determinante para a definição sobre o que deveria ser feito com o antigo Hospital da Tamarineira, com o qual a instituição tinha um forte laço afetivo, através de um membro do grupo dos 04, o médico Ulisses Pernambucano de Mello. E, por falar no Hospital da Tamarineira, uma frase escrita ali, num dos seus muros, por um grafiteiro, nos inspirou a escrever uma série de artigos aqui no blog, no momento em que se discutia o destino do Cais José Estelita:O urbanista do Recife é o capital. 




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