Há muitas lições que retirar das últimas eleições municipais no Brasil. Uma das mais evidentes é o movimento pendular de uma "opinião pública" que oscila, de tempos em tempos, ao sabor da gastronomia midiática - a serviço de interesses nem sempre confessáveis. Opinião volátil que ora pende para a centro-esquerda ora para a centro-direita ou à direita. Desde que seguimos à moda americana de assimilar o processo eleitoral, de dois em dois anos, a uma espécie de mercado político (onde o poder econômico reina, sem limites), a propaganda política e seu rico arsenal de pesquisas quantitativas, qualitativas, com grupos focais etc. tomou conta do insubstituível debate de idéias e propostas.
Mais importante do que saber o que pensam os candidatos, parece ser a compra de seu discurso publicitário, elaborado por sofisticadas empresas de marketing político, que às vezes empregam sem o menor escrúpulo técnicas de pesquisa de mercado, como se o voto fosse uma mera preferência individual por uma nova marca ou produto, independentemente das consequências políticas que o resultado de uma eleição pode gerar na sociedade. Enquanto as campanhas não forem baratas e propositivas, ao alcance de todos os partidos e candidatos, teremos um regime de competição eleitoral governado pelos que têm mais dinheiro, influência e poder para seduzir o eleitor.
Mais grave ainda é quando se soma a isso, as condições em que foi aprovada a reeleição dos atuais gestores e executivos. Jamais deveria ter sido aprovado esse instituto, sem o cuidado da desincompatibilização dos ocupantes de cargos públicos (nos três níveis de governo) e a proibição explícita do uso da máquina administrativa nas eleições. A frouxidão ou ambiguidade entre a publicidade institucional sobre as ações do executivo e a propaganda eleitoral propriamente dita, leva os gestores-candidatos a usar e abusar da máquina pública, sob o pretexto de que estão informando à população dos atos da administração municipal, estadual ou federal. Essa ambiguidade introduz uma grande desigualdade de condições e oportunidades no pleito eleitoral, prejudicando os novos candidatos e a oposição de um modo geral. Acrescente-se que a redução do tempo da campanha (para 45 dias) também prejudicou muito os que precisavam de mais tempo para se apresentarem e convencerem o eleitor da viabilidade de suas propostas políticas.
Outro problema é a liberdade da campanha eleitoral. Ela impede de que a Justiça - de si já muito passiva - tenha uma atitude corretiva e pedagógica em relação aos "discursos" dos candidatos. E pior, a "fulanização" das eleições municipais. O mote das campanha é centralizado na figura pessoal (às vezes seu apelido) do candidato, não se informando absolutamente nada do que são, do que pensam, do que farão ou podem fazer. É a compra, pura e simples, de um mero "jingle" comercial massificado até a exaustão. A isso, é preciso juntar os preconceitos, os esteriótipos, o jornalismo marrom, sem escrúpulo nenhum praticado por certos veículos da imprensa escrita e televisiva, com a ajuda- é claro - da Justiça e da Polícia Federal.São conhecidas as estratégias de mobilização popular, ao se eleger um inimigo comum, contra o qual todos devem se unir, para combatê-lo.
Essa caça às bruxas, sobre ser absolutamente irracional, fascista, produz uma polarização artificial entre os cavaleiros do bem e os bandidos, corruptos, ladrões, que precisam ser esconjurados a qualquer custo. Infelizmente foi essa a tática empregado por partidos de centro-direita que se tornaram os grandes vitoriosos nessas eleições. A Igreja também deu a sua modesta contribuição. Na sua análise teológica-política, o mundo se divide entre os filhos de Deus, irmãos de Jesus Cristo e os hereges, pagãos, gente sem piedade ou religião no coração. Naturalmente os candidatos ligados a Igreja, os ministros religiosos, bispos, pastores, missionários são os mais indicados para o ministério das coisas laicas, sob a proteção e a luz divina.
Como a chamada Opinião Pública no Brasil é produto de uma esperta e astuta engenharia simbólica, à serviço de determinados interesses tanto estratégicos como econômicos - ela é volátil, muda com as nuvens do céu. As mentiras "piedosas" plantadas na atual campanha que levaram a massa (e setores conservadores das classes médias urbanas) a sufragarem o voto em candidatos de direita ou centro-esquerda, ela pode mudar até as eleições de 2018. Até lá o mote pode não ser mais o anti-petismo, o anti-comunismo ou o preconceito contra a política de esquerda. Mais ainda se o cenário econômico não melhorar e as consequências sociais do "ajuste fiscal" sobre a maioria do povo brasileiro deslocarem o pêndulo da preferencia popular na direção contrário do que foi o movimento atual. Até lá, os partidos derrotados farão a sua justa autocrítica e os demais estarão estudando quais são as novas alianças a serem feitas, ou para continuar no poder ou para ter acesso ao poder.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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