Quando penso em Penápolis, primeiramente lembro da Vila Altimari, Planalto, Vila São João, Aparecida, Jardim Pevi, Mutirão, vilas no qual conheci muitas pessoas que realmente valeram a pena conhecer nessa breve existência. Frenquentei lugares que facilmente poderiam ser cenários de filmes e séries, pela carga cultural e emocional, como o clube Corinthians, Zoom Night Club, Bar do Jhow, Chaparral, River’s Bar, Bar do Nory, entre outros.
O cenário alternativo, underground, sempre foi muito forte, pois nas periferias sempre alguma coisa acontecia, sendo eventos, festa em bairros, festivais em praças, ou nas mesas de boteco, o cenário cultural sempre foi de resistência. Conheci muita gente, grupos de rap e bandas de rock que o mundo deveria conhecer, porém poucas sobreviveram devida à dura realidade de ter que pensar primeiramente no trabalho para ter comida no prato, e sempre deixar para depois os sonhos e aquilo que realmente te faz feliz.
No cenário atual a quebrada conta com muita gente boa, Big G com suas letras de rap contundente e rimas inteligentes, com o mestre Bylla nas ilustrações, Praga de Mãe no cenário punk, Q.O.E.S grupo de rap de respeito, Calibre100 Porte também pra fechar os monstros do cenário.O mundo devia conhecer não só eles, mas valorizar e procurar conhecer aqueles que fazem parte de uma cultura verdadeira e sincera, que mesmo nas adversidades conseguem produzir um conteúdo muito bom, longe dos padrões impostos por gravadoras e grande mídia.
Gilvan é um contista com sangue no olho, linguagem dura e dono de histórias passadas nas quebradas do interior. Alguma semelhança com a prosa de Charles Bukowski é mera semelhança de vivência, porque o contista de Piquete nunca leu o “velho safado”. Participou, no entanto, da antologia “Geração 2010: o sertão é o mundo” (Editora Reformatório, 2021). Para nossa série “Da ponte pra cá”, colaborou com outra história curta “O dragão trabalha, se São Jorge vacila”, que você lê no final deste texto.
Gilvan, o que você pensa quando pensa nos territórios em que foi criado no interiorzão de São Paulo?
Nascido em Piquete, pequena cidade localizada no vale do Paraíba no estado de São Paulo, depois da separação dos meus pais, fui para Penápolis, outra pequena cidade, localizada no noroeste paulista, cruzando literalmente o estado, morei lá por 30 anos, quebrada de respeito, região 018, onde sua realidade não era compatível com seu tamanho, pois lá aconteciam fatos dignos de uma metrópole. Na minha caminhada por lá, conheci pessoas, histórias, vivi situações e sobrevivi para contá-las. Participei de movimento estudantil, movimento punk, movimento hip-hop, trabalhei por exatamente 10 anos de vigilante, especialmente 8 anos na vida noturna.
Nesse caldeirão de emoções, com manifestações, tretas, romances, amigos presos e assassinados, sempre procurei observar na triste realidade algo a mais, olhar para cada acontecimento como uma história particular, singular e tentar passar para o papel os sentimentos que foram vividos nesses momentos.
São demais as quebradas dessa vida, já cantou o poeta. Para encerrar a prosa com o Gilvan Eleutério, lemos um conto do artista, nascido em Piquete, mas criado a vida toda nas vilas de Penápolis:
O dragão trabalha, se São Jorge vacila
_ Careca tem um cara cheirando no banheiro, porra, te pago pra que? Ficar xavecando a Lua?
Nossa! Mas já? A noite vai ser longa.
Não acredito que ele vai encher minha paciência logo agora.
_ Você vai cheirar? Então deixa eu ver essa carreira, vai.
O idiota ainda mostra. Uma carreira grande e gorda em cima da tampa do sanitário.
Fuuuuuuuuuuuuuhhhhhhhhh, um leve assopro resolve, que dó.
Abraço Luciana e sinto seu cheiro. Ela me dá um leve beijo, fico parado e aproveito o momento, logo volto a mim e percebo que alguém se aproxima, é o patrão. Fodeu, ele não gosta que me envolva com as meninas em hora de serviço, espanta os clientes.
Nossa, falo senhor o tempo inteiro, quando será que me chamarão de senhor? A última vez que me chamaram de senhor foi quando o sargento no quartel me colocou de guarda: “Parabéns, senhor, acaba de ganhar um final de semana no quartel !”. Gente fina, o sargento, ensinou-me muitas coisas.
_ Briga!!! Briga!!!
De repente ouço gritos, minha barriga gela, meu coração dispara, os olhos começam a ficar vermelhos… É agora, a adrenalina domina meu corpo, em instantes chego no balcão, a confusão está armada, são dois, respiro, consigo dominar um, o outro se afasta, levo o cliente pra fora, ele nada fala, segue em direção ao seu carro, abre a porta e mexe debaixo do banco, sem vacilar pego minha arma engatilho e espero. Minhas pernas tremem, a respiração incontrolável, quando ele se levanta vejo um objeto em sua mão, não consigo identificar. O cliente se aproxima… Mais um passo e revelo meu guardião.
_ Aí, irmão, perdeu, fica parado ai mesmo, larga isso e deita no chão.
Ele não obedece…
_Parado, porra, caralho, parado!
Parou, largou o objeto e deitou-se. Puta que o pariu, era um simulacro, uma arma finta, arma de brinquedo.
_ Seu merda, ia me matar com isso? _ Dou um tiro para o alto. _ Corre seu cuzão, entra no carro e vaza.
Em minutos ele não esta mais lá. Não foi dessa vez, agradeço a Deus e a São Jorge pela proteção, estou cansado, a adrenalina em excesso cansa, volto para dentro do estabelecimento e olho no relógio, são 5 horas, acabou.
Mais uma noite, mais alguns trocados. Logo terei minha carta de habilitação. Mil conto, puta que o pariu, caro pra caralho.
(Publicado origilmente no site da Revista Cult)
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