pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: "O que incomoda é pobre comendo bem, não passando fome"
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terça-feira, 16 de novembro de 2021

Editorial: "O que incomoda é pobre comendo bem, não passando fome"

 


Quando ainda estava entre nós, o saudoso professor Manuel Correia de Andrade desenvolvia um projeto bastante interessante na UFPE. Mensalmente, através dos famosos seminários do CFCH, reunia a nata da intelectualidade brasileira para discutir as ideias dos (novos?) intérpretes do Brasil. Suas discussões iam muito além dos chamados "cânones sagrados', como Gilberto Freyre, Caio Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda. Assim, tínhamos a oportunidade de aprofundar-nos no pensamento de Josué de Castro, Francisco de Oliveira, Darci Ribeiro, Milton Santos, Roberto DaMatta, entre outros grandes estudiosos, que deixaram reflexões importantes sobre o país. Aliás, para fazermos justiça, para o continente latino americano, pois suas ideias saíam da fronteira do Brasil e se estendia para o continente. 

Existem alguns livros consagrados em nossos planejamentos de ementas,quando nos preparamos para ministrar uma nova disciplina, como o Geografia da Fome ou Padagogia do Oprimido. No Brasil, é imprescindível ler esses textos, independentemente do que o indivíduo esteja cursando, se um curso de Humanas ou de Exatas. Ainda somos uma nação de famintos e analfabetos, o que revigora a atualidade desses trabalhos, embora tenham sido escritos em décadas idas do século passado. São flagelos que nos acompanham desde o descobrimento, impedindo os passos essenciais de construção da cidadania. Um atraso civilizatório que nunca conseguimos, de fato, enfrentar. 

Essas reflexões vem a propósito de uma ocorrência registrada recentemente, quando o diretor Wagner Moura, acompanhou a exibição de seu filme mais recente, Marighella, num acampamento do MTST. O problema não foi nem as polêmicas inerentes ao filme - por razões óbvias - mas o lanche do diretor, um acarajé recheado de camarão, que causou muita "indignação' de alguns setores - naturalmente setores conhecidos da nossa sociedade - que consideraram inusitado aquele cardápio servido num ambiente de 'pobres".  

De parte a parte, a briga foi feia nas redes sociais, mas, o mais pedagógico viria depois, na expressão de uma senhora - uma simples senhora - que teria feito a doação de 150 kits de acarajés para serem servidos aos convidados: O que incomoda é pobre comendo bem, não passando fome'. Não ouvi um único comentário dos "indignados" acima acerca dos 20 milhões de brasileiros que passam fome;sobre os assaltos aos camihões de lixo ou mesmo as filas nos açougues à procura de ossos de carne. 

Os dois ilustres pernambucanos citados acima - Josué de Castro e Paulo Freire - foram expulsos do país porque se preocuparam em debater temas da mais alta relevância,como  a fome e o analfabetismo. Em 2013 começaram a serem urdidas as manobras que culminaram num novo retrocesso político no país, materializado com o golpe institucional de 2016. Segundo Beatriz Alves - no concordamos com ela - a bronca foi o pobre reunir condições de juntar a família, os amigos e  organizar seu churrasquinho de costela e asinhas de frango na laje. Este país é inviável. Evidentemente, que não podemos ser, digamos assim, simplistas neste ponto. Claro que há outros componentes que se inserem nas causas do golpe institucional, como a descoberta de poços de petróleo, a ratificação da geopolítica do Tio Sam para a região, as mudanças impostas aos aparelhos de Estado pelo capitalismo financeiro e os reflexos disso para os regimes democráticos, que já não poderiam ser "tão democráticos assim", para viabilizar os interesses do capital. Mas, sinceramente, apenas se permitir, no país, que pobre coma e estude, já seriam suficente para causar asco em nossa elite asquerosa. Portanto, Beatriz Alves não deixa de ter razão.      

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