Prometi que durante toda a semana, em comemoração aos 80 anos de Casa
Grande & Senzala, faríamos algumas considerações sobre o escritor
Gilberto Freyre. Muitos fatos pitorescos sobre o sociólogo
são conhecidos, outros nem tanto. No dia de hoje, gostaríamos de comentar
sobre as posições políticas de Gilberto Freyre. Em determinado artigo,
chegamos a considerar que as posições políticas de Gilberto Freyre
constituíam-se numa verdadeira gangorra ideológica, tais as oscilações
que sempre a caracterizaram. Depois, reavaliando essa posição, chegamos a
fazer uma auto-crítica, considerando que as posições do escritor, de um
modo mais constante, seguem uma alinhamento de corte conservador. Filho
de pai evangélico, na adolescência, Gilberto costumava frequentar algumas
favelas do Recife e realizar as suas pregações. Não se sabe muito bem se
o teor dessas pregações ultrapassavam o caráter religioso e enveredava
por outras vertentes. Em todo caso, uma conhecida personalidade da
esquerda pernambucana - que nos deixou até recentemente - costumava
elogiar essa postura, tendo escrito um artigo num jornal local, com o
título "Volta ao púpito, pregador". O artigo, como ele nos confidenciou,
lhes rendeu algumas dores de cabeça e a perda de uma bolsa de mestrado
por sua esposa, mas isso já é uma outra história. Na década de 40,
Gilberto compunha o grupo que formava a "Nova Esquerda". Mantinha na
Faculdade de Direito do Recife uma espécie de trincheira contra o Estado
Novo, representado em Pernambuco por Agamenon Sérgio de Godói
Magalhães. Em 47 foi eleito Deputado Constituinte com o apoio maciço dos
estudantes daquela faculdade, que organizaram uma passeata do Recife
até o Solar de Apipucos em apoio ao seu nome. O Nordeste de Gilberto,
como todos sabem, é o Nordeste da cana-de-açúcar. Até em suas
representações - caso do Museu do Homem do Nordeste - isso ficou
bastante evidente desde a sua primeira exposição permanente, inaugurada em 1979, concebida a
quatro mãos, pelo próprio Gilberto e pelo museólogo Aécio de Oliveira.
Politicamente, era também com essa aristocracia açucareira que ele
mantinha vínculos orgânicos. Foi chefe-de-gabinete de Estácio Coimbra,
um representante dessas oligarquias. Reconhecemos o mérito de sua
contraposição ao Estado Novo, sobretudo no que concerne à defesa de
liberdade religiosa em relação aos cultos de origem afro-brasileiros,
violentamente perseguidos no Governo de Agamenon Magalhães. Com o
afastamento de Estácio Coimbra, precisou amargar um exílio, foi preso,
vítima de atentado. Mas, a rigor, no nosso entendimento, sua
indisposição com Agamenon Magalhães não seriam movidas por ideais
republicanos, mas, sim, por uma briga de oligarquias.Uma prova insofismável do que estamos falando era boa relação
de Gilberto Freyre com Getúlio Vargas. Gilberto frequentava o Catete e
Getúlio teria feito gestões para tirá-lo da cadeia. Agamenon era do
sertão de Serra Talhada, um ilustre representante das aligarquias
pecuaristas e algodoeiras. Pontualmente, divergiam sobre o destino dos
mocambos do Recife - que o sociólogo considerava uma experiência de
arquitetura interessante - ao passo que o outro preferia adotar uma
política higienista, propondo que seus moradores fossem abrigados para
lá dos macacos, uma região geográfica próximo à cidade de Camaragibe.
Com a valorização do metro quadrado naquela área, em função da Arena da
Copa, até que hoje eles estariam muito bem. Bricandeira, gente. Em certa
medida, as soluções urbanas que os atuais gestores estão propondo sobre
a ocupação dos espaços de favelas do Recife, parecem ter inspiração em
Agamenon. . Em 1964, ocorreu o
Golpe Militar. Gilberto foi um dos primeiros intelectuais a manifestar
apoio ao regime. Salvo algum engano, isso está registrado no
documentário de Eduardo Coutinho, Cabra Marcado para Morrer. Existia
entre Gilberto e os militares uma relação de muita cumplicidade,
inclusive teórica. Gilberto, por encomenda, chegou a escrever uma
opúsculo sobre a Reforma Agrária. Certamente, essa foi uma das decisões
mais polêmicas do escritor. Além dessas "afinidades" que se revelariam
inerentes, até hoje se especula sobre os motivos, digamos assim,
pragmáticos dessa decisão. Arrisco um palpite: Gilberto desejava ser
indicado como governador de Pernambuco pelos militares. Não conseguiu a
indicação. Também não aceitou o convite para o Ministério da Educação.
Os militares consideravam o escritor muito vaidoso. Amanhã tem mais.
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