Essa é uma expressão latina que significa literalmente "quem não te
conhece, que te erga", que traduzimos em bom português como "quem não te
conhece, que te compre". Esta é a advertência que se deve colar na
embalagem da candidatura do atual governador de Pernambuco, filho do
escritor Maximiano de Campos e da ministra e deputada Ana Arraes. Muita
gente indaga da procedência do governador. outros o acham diferente, por
esse ou aquele aspecto Gostaria de fazer essa discussão por outro lado,
outro aspecto: o político, o ideológico e o administrativo. Nesse
artigo, me interessa sobretudo a metamorfose política do governador.
Quem escreve essas linhas teve a oportunidade de acompanhar reuniões do
PSB, ainda quando o avò era vivo, de participar de debates programáticos
do PSB (o da juventude) e de acompanhar de perto a montagem da equipe
administrativa do atual mandat� �io, na condição de cientista político,
não de filiado ou confrade político. Aliás, frise-se, sempre fui um
crítico muito duro dos dois mandatos de Miguel Arraes em Pernambuco.
Achei que o neto poderia encarnar um projeto político diferente daquele
do ex-governador do estado, hoje seu aliado. Naturalmente, me enganei
como vários pernambucanos, pensando que o governandor seria o paladino
na luta contra a guerra fiscal, em favor de um novo pacto federativo e a
regionalização do Orçamento da União, como forma de combate às
desigualdades regionais. Ledo engano. A raposa se travestiu de cordeiro e
aprofundou a política criminosa de lesa-federação do seu antecessor.
Quem não te conhece, que te compre, como diz a sabedoria popular.
A chamada política de "polos de desenvolvimento" posta em prática pelo
atual governador (Arena de Pernambuco, Suape, Polo petroquímico etc.)
tem um antecedente em inglês: traduz como "region-state". É uma política
de fragmentação geo-economico do território, através da formação de
"ninchos de competitividade" (clusters) diretamente associados ao
mercado internacional. Essa política de "desenvolvimento" produz
verdadeiros enclaves autonomos, com jurisdição própria, nos munícipios
onde estão localizados. O entorno ou a periferia desses enclaves não é
automaticamente beneficiada pela suposta produção e circulação dessa
riqueza, mas recebe todos os malefícios de uma população trabalhadora
sanzonal, transplantada sem família, sem lazer, sem assistência médica
adequada e, as vezes, sem os devidos direitos trabalhistas.
Seriam, os ninchos, plataforma de lanç amentos ou zonas de
processamento, como na China, em Taiwan, na India, no Paquistão ou no
resto do Brasil mesmo. No lugar de um projeto nacional de
desenvolvimento regional integrado, com recursos do Orçamento da União, o
que se tem é a "caixa preta" da renúncia fiscal bilionária e a
desregulamentação selavagem do mercado de trabalho e a depredação das
zonas de preservação ambiental, entre outros favores governamentais.
Findo o empreendimento, auferidas as vantagens, os empregados são
entregues a própria sorte e os governos municipais que se danem para
administrar as consequências sociais e ambientais, sem terem provado do
"bem bom", da riqueza prometida pelos arautos do "hobbesianismo
municipal e estadual". Esse é o portfólio desenvolvimentista do atual
governador de Pernambuco. Quem não te conhece, que te compre.
Contrasta vivamente com essa generosidade governamental o que vem se
fazendo com a oferta e o financiamento dos bens de utilidade pública:
saude, educação, cultura, saneamento público etc. Aí, o que deveria ser
considerado a produção do "antivalor", como contrapartida da lógica
privatista do mercado - focado na obtenção desenfreada do lucro pelas
empresas e agentes individuais - o mandatário estadual entregou de "mãos
beijadas" a gestão e operação de hospitais, centros, núcleos, escolas a
fundações privadas - que cobram por seus serviços - como faz o Imip
através da Faculdade Pernambucana de Saude - provocando uma lesgetimação
do SUS, que já enfrenta o preconceito e a rejeição da classe média. A
educação foi confiada à fundações empresariais "desinteressadas",
"Altruisticas", "sem fins lucrativos", é o que dizem. Além da perda da
aut onomia científica e pedagógica, a educação é "publicizada", as
custos do erário público e contribue para a agregação de valor a marcas
como a Fundação Roberto marinho, o Instituto Airton Senna etc.,
fartamente beneficados com renúncia fiscal.
No quesito fomento à cultura e ao lazer, permanece o tão condenado
patronato estatal, com seus artístas e produtores culturais-funcionários
do estado, com uma cultura a serviço dos interesses estratégicos
(eleitorais) da gestão. Nunca o governante foi tão hostil à liberdade de
criação cultural, como o atual governador: ele não proibe nem censura.
Ele compra, coopta, alicia os produtores culturais, através de esquemas
clientelísticos, familiares, típicos da política do amigo e do inimigo.
Se é possível pensar uma forma de colonização perversa pela lógicado
estado e do mercado da cultura de Pernambuco, essa é a da atual
mandatário estadual. Cultura dos compadres e das comandres, vestindo a
camisa da administração pública.
Não podia encerrar essa operação de desmistificação da fraude política
sem deixar de mencionar o trabalho do aparelho policial em Pernambuco,
chefiado por um membro graduado da Polícia Federal.
Ao invés de oferecer proteção e serviços de utilidade pública à
sociedade civil (como aliás foi sugerido ao governador, a propósito da
refuncionalização da Polícia Civil) vai assediar cidadaos de bem dentro
dos ônibus, com a revista ilegal de bolsas e sacolas e no próprio corpo
das pessoas, durante as noites de domingo ou os estudantes e militantes
sociais que protestam contra a gestão do governador. Por que não faz
isso como os condutores de automóveis de luxo, que andam
desbaratadamente por aí? Polícia de classe, preconceituosa e arbitrária.
Estado de exceção? Quem não te conhece, que te compre.
Michel Zaidan Filho, sociólogo e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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