É natural que os políticos, em
plena campanha eleitoral, mudem e produzam atos retóricos destinados a
classes de eleitores especiais (os empresários, os militares, os
religiosos etc.). Mas, a operação eleitoreira tem limites quando ofende à
consciência democrática e aos direitos de centenas de famílias que
tiveram seus parentes chacinados pela ditatura militar, e ainda hoje
aguardam uma resposta oficial sobre o paradeiro deles. O que estamos
assistindo nesses dias é um verdadeiro festival de oportunismo político
por parte de certo candidato, com o fim de agradar aos militares e os
empresários do agro-negócio.
É
inconcebível (e uma falsificação da história) dizer que a anistia
permitida pela ditadura militar no Brasil foi ampla e irrestrita. É tão
falsa e mentirosa a declaração que se choca com o fato de que o último
preso político (o filho de Nelson Rodrigues) ter sido solto, bem depois
da lei da anistia, e pelo fato de o pai está agonizando. Ele que tanto
pediu aos militares pela soltura do filho, Nelsinho. Pior é a ofensa à
memória dos bravos militantes que lutaram pela caráter amplo e
irrestrito da anistia e foram derrotados. Admitir, por puro oportunismo,
que a anistia foi ampla e irrestrita e ser contra a reabertura dos
processos contra os agentes do Estado que cometeram crimes contra a
humanidade e os direitos humanos, é uma flagrante contradição com a
medida que criou as Comissões pela Verdade e a Justiça, mesmo que tenha
sido feita para agradar aliados e ex-inimigos, como aconteceu em
Pernambuco.
Das
duas, uma: ou o candidato se coloca ao lado dos militares e daqueles que
acham que houve uma guerra no Brasil e a violência exercida pelos
agentes do Estado foi justa e não há o que apurar ou informar; ou ele se
coloca ao lado da sociedade civil brasileira que quer, exige, clama
por justiça e verdade sobre o que aconteceu durante os anos de chumbo.
Não dá é para ficar no meio-termo, agradar aos militares e aos
familiares das vítimas da ditadura militar.
Se o
atual candidato e ex-governador tivesse algum familiar seu ou amigo
chacinado pelo regime de exceção, ele não agiria desta forma. Pelo
contrário, a sua família e seus amigos hoje desfrutam de todo prestígio e
regalias próprias das famílias reais. Mas a maioria das famílias
plebéias que não contam com as benesses do poder e dos aduladores de
sempre, esperam - na chuva e no sol - pela plena reparação dos crimes
cometidos em nome das famigeradas "razões de estado", contra seus
parentes e amigos.
Talvez esteja na hora de se iniciar no Brasil e em Pernambuco um novo
movimento pela reparação desses crimes. E os democratas de ocasião
terão que retirar suas máscaras e assumir suas verdadeiras identidades.
Michel Zaidan é filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
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