pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
Powered By Blogger

sábado, 30 de outubro de 2021

Editorial: A aplicação dos rigores da lei num sistema político que clama por reformas profundas.





Na década de 40 do século passado, o cenário político pernambucano contava com uma grande raposa, curtida no árido sertão do Pajeú, nascido em Serra Talhada, a mesma terra de Virgulino Ferreira, também conhecido como Lampião. Cumpriu todos os ritos acadêmicos - da graduação em direito ao doutorado - tornando-se, inclusive, professor catedrático do então conceituado Ginásio Pernambucano. Morreu relativamente jovem, antes mesmo de completar os 60 anos de idade. Foi interventor estadual, durante a vigência da ditadura do Estado-Novo, tornando-se um dos homens da estrita confiança de Getúlio Vargas. Aliás, registre-se, seu efetivo envolvimento com o projeto político do Estado-Novo ia muito além das fronteiras de Pernambuco, o que fazia dele um dos atores mais proeminentes daquele regime político. Como toda raposa política que se preze, Agamenon Magalhães deixou algumas máximas sobre a política local, reflexões que acabam não se perdendo com o tempo, como as suas conclusões de que o Recife seria uma "cidade cruel', em razão das hostilidades eleitorais dos recifenses aos seus pleitos políticos. 

Uma outra máxima atribuída a ele reflete muito bem sobre o contexto político brasileiro - nada republicano e consequentemente pouco institucionalizado - onde se aplica a categoria do "Aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei". Agamenon Magalhães tinha uma rixa antiga com a família Lundgren, oligarquia industrial da cidade de Paulista, localizada na região metropolitana do Recife, nutrida, sobretudo, por motivações políticas. Os Lundgren sempre estiveram em lados opostos, apoiando políticos adversários, o que deixava o China Gordo bastante aborrecido. Mas, como convém manter os cuidados necessários em relação aos discursos políticos, eventualmente essas oligarguias política e industrial acabavam se entendendo, levando Agamenon a participar dos ritos idiossincráticos da família Lundgren, cujos membros costumavam tomar seu banho matinal nas dependência de sua fábrica de tecido. Quando esteve aqui na província, na condição de editor do jornal Hora do Povo, o cronista capixaba Rubem Braga o criticava veementemente por essas atitudes contraditórias. 

Essas reflexões vem a respeito do comentário do ministro do STF, Alexandre de Moraes, por ocasião de emissão do seu voto, quando estava em julgamento, no STE, um pedido de cassassão da chapa Jair Bolsonaro\Mourão, que vencera as eleições de presidenciais de 2018. A chapa foi "absolvida" - se houver algum equívoco aqui eu peço perdão aos juristas - mas contou com uma fala contundente do ministro, afirmando que medidas duras seriam tomadas nas próximas eleições caso equívocos que contrariem os preceitos eleitorais ou democráticos voltassem a ser cometidos. Seus infratores seriam duramente punidos, com cassassão da chapa e eventualmente prisão. 

Todo nosso respeito ao ministro Alexandre de Moraes, que está se constituindo numa espécie de paladino em defesa de nossas instituições democráticas, mas tenho uma preocupação com a aplicação dos rigores da lei - que, a princípio, seriam muito bem-vindos - numa quadra ou sistema político tão pouco institucionalizado e cheio de vícios perniciosos como o nosso. O presidencialismo de coalizão, se os leitores e leitoras nos permitem, per si, já se trata de uma aberração. O exemplo mais recente desses problemas são as denúncias desta semana sobre as práticas recorrentes de rachadinhas entre proeminentes figuras do nosso staff político, assim como as acusações de possíveis manobras escusas para inflar o número de eleitores nas prévias realizadas pelos tucanos. 

Nada de concreto ainda foi constatado - portanto não inferimos aqui acerca da materialidade dessas denúncias - mas se tais fatos vierem a ser comprovados, apenas confirma o nosso antigo e surrado mau-costume político, que nos acompanham desde tempos remotos. Daí a nossa preocupação com o pronunciamento do ministro - com a melhor das intenções e eivado de espírito republicano - mas que, na prática, será muito difícil a aplicação de tal rigor numa quadra política bastante deteriorada como a nossa, que clama por uma reforma política estrutural.  

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Editorial: Quem diria! As prévias tucanas podem se tornar caso de polícia.

Com o tempo vem a experiência e,com ela, a prudência necessária para não incorrermos em equívocos. Pelo menos em relação aos erros cometidos em decorrência dos arroubos da juventude. Isso vale para os atores políticos,em particular, assim como em relação a alguns temas polêmicos ou controversos. Fizemos muitos elogios por aqui acerca das prévias, processo adotado pelo tucanato, para a escolha do candidato que disputará, pelo partido, as próximas eleições presidenciais. São Paulo, o seu ninho mais emplumado, foi devidamente preparado para o evento, que antes contaria com quatro disputantes,mas, no final, ficou resumido a apenas três deles: o governador do Estado de São Paulo, João Dória(PSDB-SP),o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio(PSDB-AM) e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite(PSDB-RS). Tasso Jereisatti, senador pelo Estado do Ceará, desistiu da disputa e passou a fazer campanha em favor do governador gaúcho. 

Antes dos debates iniciais, os candidatos, principalmente João Dória e Eduardo Leite, realizaram um périplo pelos estados da federação, estabelecendo um  diálogo com os correligionários, em busca de apoio dos diretórios naquelas eleições preliminares. Conforme já comentamos em outro editorial, o debate foi morno, aguado e circunscrito à experiência dos governadores com as suas administrações locais, o que, em tese poderia ser replicado no plano nacional, mas não necessariamente de forma tão orgânica, como os ajustes fiscais introduzidos no Rio Grando do Sul pelo governador Eduardo Leite. Dória, como se sabe, é o homem da vacina, o que não deixa de ser um trunfo. 

Mas os problemas não se restringiram apenas a performance dos candidatos no debate organizado. Logo em seguida, de parte a parte, surgiram comentários desabonadores da conduta dos candidatos durante a disputa. Hoje há, claramente, um clima de animosidade entre os postulantes, o que indica que os métodos utilizados podem não ter agradado a ambos. De Dubai,onde mantém um esccritório de representação do Governo de São Paulo, João Doria fez críticas ao oponente, que esboçou seus questionamentos acerca do controverso processo de novas filiações de prefeitos e vices, que passaram a ter direito a voto e engrossar as fileiras de apoaiadores do paulista, segundo ele, fora do prazo legal permitido.

Se comprovada, a acusação é grave e compromete toda a lisura do processo, maculando irremediavelmente seu protagonismo, concebido com as melhores intenções possíveis, até mesmo como estratéria para melhor posicionar o candidato tucano escolhido no escopo da terceira via. Filho das prévias, como se diz, João Dória enfrenta um adversário de fibra, com apoios explícitos de tucanos do bico fino, mas permanece como favorito. Difícil dizer quem tem razão nesta contenda, se Dória - que criticou duramente o fato de o gaúcho por dúvidas quanto à lisura do processo de filiações - ou Eduardo Leite, que expôs a público o problema. Vamos aguardar um pronunciamento do diretório nacional da legenda.     

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Patrimônio Cultural e Dominação.


 

Texto: Rogério Proença Leite

Imagem: Rafael Olinto


Em maio de 2015, o mundo assistiu perplexo o grupo extremista Estado Islâmico (EI) ocupar e depredar templos e torres da histórica cidade de Palmira, situada a 215 km de Damasco, na Síria, cujo sítio arqueológico é considerado um dos mais importantes Patrimônios Culturais da Humanidade, reconhecido pela Unesco. Palmira é considerada uma das cidades mais antigas do mundo e sua história remonta ao neolítico, tendo sido berço de diferentes tempos e culturas que marcam a formação cultural da humanidade: as culturas helenística, romana, hebraica e muçulmana.

O Estado Islâmico não ocupou Palmira por acaso. Ninguém ataca o Patrimônio Cultural de um povo sem motivo. Para o EI, Palmira representava, em seus vestígios arqueológicos, parte da cultura ocidental ao qual o grupo extremista se opunha e queria se sobrepor. A dominação de Palmira era concreta e simbólica. Era um recado para o mundo.

A destruição como dominação é parte bastante conhecida do repertório autoritário humano. Assim agem governantes tirânicos: subjugam e matam as pessoas, e tentam destruir o seu patrimônio cultural, material ou imaterial.

Quando o Terceiro Reich dominou completamente a Alemanha, uma das primeiras ações do seu führer foi designar o arquiteto Albert Speer (1905-1981), também e não por acaso Ministro do Armamento, para pensar a construção de grandes edifícios e boulevards que denotassem a grandiosidade pretendida pelo regime nazista. A arquitetura da dominação também é uma espécie de arquitetura da destruição. O inimigo é arrasado também com o aniquilamento da sua cultura e história, da sua arte, da sua memória.

O esquecimento é, assim, parte do processo de dominação. Esquecer é, nesse sentido, o equivalente a uma demolição: reduz-se algo a nada, ao pó. Do nada, pode-se erguer qualquer coisa, inclusive o falseamento da história vivida.

Com o esquecimento, outras narrativas sobre nosso passado e sobre nossas vivências vão-se sobrepondo e ganhando estatuto forçado de “verdade”, mesmo que não passem de embustes ditos e repetidos. O esquecimento abre o flanco da história para a fraude socialmente compartilhada. Por isso não podemos esquecer do passado, seja ele qual for. Muitos monumentos históricos existem exatamente para isso: o Museu judaico em Berlim, o Cais do Valongo no Rio de Janeiro e o Memorial da Paz de Hiroshima são alguns desses espaços que foram erguidos ou mantidos pela carga simbólica que possuem para nossas necessárias memórias.

Às vezes, a memória que se quer preservar e anunciar através do Patrimônio é motivo de extrema controvérsia porque se refere não ao lado oprimido, mas ao lado opressor de uma determinada história que normalmente envolve processos violentos: massacres, genocídios, extermínios. Depois do assassinato de George Floyd, uma série de manifestações antirracistas aconteceram. Em julho de 2020, foi derrubada a estátua de Jefferson Davis (1801-1889), presidente dos Estados Confederados da América durante a Guerra Civil nos EUA (1861–1865), em Richmond (estado da Virgínia). Neste ano, foram retiradas as estátuas do general confederado Robert E. Lee (1807-1870) nas cidades de Charlottesville, por onde supremacistas brancos passaram ruidosamente em 2017, e Richmond.

A onda de ataques a estátuas e monumentos continuou: estátuas de Cristóvão Colombo (1451-1506) foram pichadas e decapitadas. No Brasil, a reverberação desse movimento atingiu o Monumento em homenagem a Borba Gato (1649-1718), em São Paulo, e a estátua foi queimada, sob argumento semelhante ao caso americano: o bandeirante teria sido responsável por inúmeras mortes e incêndios em aldeias.

Este fato revela a emergência de um debate importante e que é quase inexistente no Brasil, acerca do sentido dos monumentos públicos, e chama a atenção para as narrativas que se embrenham na formação dos patrimônios. O patrimônio é um campo de disputa sobre o que se quer narrar, lembrar, enaltecer ou esquecer.

Em qualquer dos casos, o Patrimônio Cultural existe para nos lembrar de não esquecer alguma coisa; para anunciar as controvérsias da história humana; para reivindicar a plural diversidade da nossa experiência cultural.

Como uma modalidade dinâmica das consciências coletivas, o Patrimônio Cultural sempre foi uma referência relativamente estável, porém aberta e ativa, para a construção renovada de marcos simbólicos para a vida comum em sociedade. Espécie de âncora em movimento, o Patrimônio alicerça referentes estéticos, míticos e metafóricos sobre o passado e o presente, mediante os quais as pessoas e as sociedades elegem e dão sentido às narrativas sobre si e sobre os outros.

Por muito tempo no Brasil, as políticas de patrimônio deram as costas à pluralidade e reconheceram apenas bens culturais associados à etnia branca de origem europeia, católica e militar. Por quase 70 anos, foram tombados e preservados fortes, igrejas, conventos, casarios coloniais, sítios de arquitetura portuguesa e monumentos à elite brasileira. Esqueciam-se convenientemente os contributos artísticos e culturais das diversas culturas africanas e indígenas que se amalgamaram conflituosos na formação do povo brasileiro.

Embora substancialmente ancoradas nas mesmas justificativas históricas europeias dos mitos de fundação nacional, a trajetória das políticas de patrimônio no Brasil surge no Estado Novo, em meados de 1937, com Getúlio Vargas, e assume um lugar de destaque na formulação de uma concepção oficial de cultura, voltada à construção de uma ideia de nação.

Embora limitadas em seu escopo e abrangência, essas políticas de patrimônio posto excluíram deliberadamente parte substantiva das culturas não-europeias. Mas, bem ou mal, foram essas políticas que asseguraram a preservação de todo um riquíssimo conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico e que fundou as bases de uma “concepção oficial de cultura”, cuja criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), hoje Iphan, foi um dos mais importantes marcos institucionais.

Somente nos anos 2000, no contexto de ampliação mundial do conceito de patrimônio, passou-se tardiamente a reconhecer o chamado patrimônio imaterial: bens que se referem a muitos aspectos das culturas antes excluídas: ofícios e modos de saber-fazer; celebrações; formas de expressão; e lugares de tradições e práticas sociais.

Apesar de todo o viés abertamente elitista dos bens materiais reconhecidos e tombados, o Iphan sempre teve que ser uma trincheira aguerrida em defesa desse patrimônio, muitas vezes contra a própria ação depredatória dessa mesma elite para quem o patrimônio nacional foi tombado. Esse paradoxo explica o desinteresse que parte da elite brasileira trata o seu próprio Patrimônio Cultural, e explica o completo descaso em relação ao patrimônio material e imaterial dos outros (povos tradicionais indígenas, descendentes afro-brasileiros, migrantes).

É controverso que o Iphan, órgão estatal com mais de 80 anos de existência, quase sempre tenha necessitado se defender dos abusos ou descasos do poder estatal de governos intolerantes e sem compromisso com a história e a memória do país. A imaturidade política do Estado brasileiro é capaz de gerar esse incrível paradoxo: políticas de Estado necessitam ser defendidas do próprio Estado e dos interesses do mercado que adentram natural e politicamente as instâncias do Estado. De tempos em tempos, o patrimônio brasileiro oscila entre governos sensíveis à pauta cultural e defensores da inclusão da diversidade e governos que menosprezam a cultura e depreciam as minorias que formam a pluralidade da nossa realidade. No momento, estamos a viver este segundo tipo, no qual a cultura, a ciência, a civilidade e paz são renegadas a um campo sombrio de descarte e ataque.

A constante incerteza que ronda as políticas de patrimônio cultural brasileiro revela também a fragilidade institucional das políticas de proteção social da vida, por uma associação direta: parte dos detentores dos saberes e modos de vida que constituem o acervo vivo do patrimônio imaterial são pessoas de culturas historicamente marginalizadas ou excluídas, e em situação de vulnerabilidade social.

Defender a preservação do patrimônio cultural é, assim, duplamente relevante para uma cultura cívica e democrática: por assegurar que possamos rememorar o passado e aprender com ele; e por garantir no presente a visibilidade e sobrevida das culturas em sua amplitude e diversidade.

É inaceitável hoje que uma sociedade que se pretenda minimamente democrática e desenvolvida não preserve seu patrimônio e nem defenda a diversidade de sua cultura. Mas como já sabemos, ninguém ataca o Patrimônio Cultural de um povo sem motivo. E há muitas formas de destruir a cultura e o patrimônio, não necessariamente de forma tão literal quanto o atentado do EI a Palmira.

Destrói-se o Patrimônio também quando se extingue estruturas institucionais voltadas ao incentivo e promoção da cultura, a exemplo da extinção do Ministério da Cultura, em janeiro de 2019. Criado em 1985 no contexto da redemocratização política brasileira, o MinC abrigava o Iphan, a Fundação Nacional de Arte (Funarte), a Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural, a Fundação Biblioteca Nacional e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), dentre outras não menos importantes.

Destrói-se o Patrimônio também quando para as funções diretivas de órgãos culturais são designadas pessoas sem qualificação adequada ou mesmo com posições contrárias aos interesses que deveriam defender como gestor público, a exemplo da Fundação Cultural Palmares que foi criada em 1988 para promover a cultura de matriz africana e tem hoje na sua presidência um homem negro autodeclarado de direita que critica o próprio movimento negro e afirma ter sido a escravidão terrível, mas benéfica para os descendentes afro-brasileiros.

Destrói-se o Patrimônio também quando se abandona prédios à própria sorte, a exemplo de duas tragédias anunciadas: a que resultou no incêndio do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro), em setembro de 2018, destruindo um inestimável acervo construído há mais de 200 anos; e a que culminou no recente incêndio da unidade da Cinemateca Brasileira (instituição criada em 1940) situada na zona oeste da cidade de São Paulo, destruindo parte do acervo histórico audiovisual brasileiro.

Destrói-se o Patrimônio também quando se reduz os já escassos recursos a ele destinados, e com isso se pratica uma espécie de política de morte à míngua da cultura, a exemplo das estimativas atuais de cerca de 50% de redução de recursos federais para alguns setores da cultura.

Destrói-se o Patrimônio também quando se põe à venda prédios públicos de alto valor histórico e simbólico, como o recente feirão de imóveis do governo federal que incluiu em sua fúnebre lista nada mais nada menos do que o prédio ícone da história da arquitetura brasileira e do próprio Ministério da Cultura: o Palácio Capanema, no centro do Rio de Janeiro, antigo Ministério da Educação e Saúde Pública. Pôr à venda o Capanema, como é conhecido, é um escárnio.

O prédio é repleto de simbolismo: projetado nos anos 1930 sob o governo de Getúlio Vargas, o Capanema foi concebido no contexto do modernismo brasileiro por uma equipe de arquitetos notáveis, dentre eles Oscar Niemeyer e Lucio Costa, os mesmos que projetaram Brasília. O projeto, inovador em todos os aspectos, foi construído a partir das ideias lançadas por Le Corbusier, o famoso arquiteto modernista suíço, que esteve no Rio de Janeiro com Lucio Costa.

Com afrescos de Cândido Portinari e jardins de Burle Marx, o Palácio Capanema abrigou durante anos, o Iphan, a Funarte, diversos arquivos e bibliotecas. O prédio em si é de valor inestimável patrimônio cultural brasileiro.

Muitas vezes, acontecimentos aparentemente aleatórios guardam mais conexão entre si do que imaginamos. E uma das formas mais eficazes de dominar o outro, é negar-lhe o direito de memorar sua história, de se reconhecer na sua cultura, de brindar sua crença, de falar sua língua, de cultivar a memória impressa na facticidade material e imaterial do seu Patrimônio Cultural.

O reconhecimento cultural de si e do outro é um legado republicano, democrático e libertário, e por isso ninguém ataca o Patrimônio Cultural de um povo sem motivo. E por isso temos motivos de sobra para cada vez mais defendermos o Patrimônio Cultural, sobretudo neste momento delicado em que a democracia é empurrada para mais um desfiladeiro. Já é hora de voar com a sabedoria da luz antes do cair das noites escuras, para não sermos como a Coruja de Minerva de que falava Hegel, que só levanta voo ao cair do crepúsculo.

(Publicado originalmente no site do Suplemento Pernambuco, editado pela Companhia Editora de Pernambuco)

Duke via O Tempo!


 

Michel Foucault - Impressões do Recife

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Editorial: Rodrigo Pacheco: Um novo Juscelino Kubitschek?

 


Este editor tem poucos reparos a fazer no tocante à conduta do presidente do Senado Federal, o senador Rodrigo Pacheco(PSD-MG). Tem assumido posições republicanas, humanitárias e em defesa intransigente de nossas instituições democráticas. Talvez devesse ter sido mais incisivo em sua fala, quando o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, senador Omar Aziz(PSD,AM)- agora companheiro de partido- foi atacado por ocasião dos trabalhos naquela comissão, o que se constituiu numa violação dos princípios de independência, freios e contrapesos que devem reger a dinâmica de funcionamento dos três poderes da república. No geral, suas posições são das mais corretas e equilibradas, habilitando-o a assumir novas responsabilidades políticas daqui para a frente. É da escola tradicional da política mineira, o que confere a ele a resiliência, a couraça e o tempo certo para as tomadas de decisões sobre o seu futuro político. Deve ter aprendido tudo sobre as manhas da política com raposas como Tancredo Neves, Magalhães Pinto e Juscelino Kubitschek, de quem se confessa um admirador e discípulo. 

Até recentemente, Rodrigo Pacheco filiou-se ao PSD de Gilberto Kassab, com o propósito de disputar as eleições presidenciais de 2022. Tudo está sendo muito bem urdido pelo seu padrinho político, Kassab, o que envolve as articulações e negociações com outras forças políticas, tornando o projeto competitivo. O eleitorado brasileiro já sinalizou que há, sim, um espaço que poderá ser ocupado pela chamada terceira via, que possui um percentual de votos que atinge 30% do eleitorado. Naturalmente, como adverte um dos príncípios bíblicos, muitos serão os chamados e poucos os escolhidos. Esta avenida congrega uma penca de candidatos, mas a tendência é a de um afunilamento no final ou até mesmo a sua inviabilidade, mantendo-se a lógica da polarização entre as candidaturas de Jair Bolsonaro(Sem Partido) e Luiz Inácio Lula da Silva(PT), que, aliás, está completando 76 anos no dia de hoje. Parabéns ao ex-presidente. 

Há duas semanas atrás, uma revista de circulação nacional elencou os motivos pelos quais esta terceira via poderia viabilizar-se, assim como poderia dar com os burros nágua, igualmente por motivos bem específicos.O país enfrenta um dos seus piores momentos, seja no campo político\institucional, seja no campo social e econômico. Não precisamos entrar nos detalhes para vocês, o que, aliás, temos feito por aqui em inúmeras ocasiões. Difícil dizer se já tivemos um momento tão difícil como este que estamos enfrentando, onde contingentes expressivos da população - estima-se em 20 milhões - encontram-se na condição de absoluta miséria, disputando restos de comida e ossos nos caminhões de lixo. Como afirmamos no editorial passado, o próximo presidente deverá acabar como essa e outras tantas vergonhas nacionais, devolvendo a auto-estima aos brasileiros e brasileiras, depois das últimas refregas vividas. E aqui não faço referência apenas aos sofrimentos infringidos às nossas famílias pela pandemia do coronavírus, mas ao conjunto da obra. Vamos muito mal em muitos aspectos. Está insuportável. Como diria o escritor George Orwell, citado em editorial aqui no blog, um pouco de ar, por favor! 

É preciso identificar, claramente, quem é e o que deseja esse eleitor da terceira via. Ele sinaliza, por enquanto, que não pretende votar nem em Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP), tampouco em Jair Bolsonaro(Sem Partido). É da turma do nem nem, como brincam alguns analistas. Mas ainda não encontrou seu candidato, entre as muitas opções que se apresentam. Correm por essa raia o candidato que vencer as prévias tucanas, seja os governadores João Dória(PSDB-SP) ou Eduardo Leite(PSDB-RS); possivelmente o ex-juiz Sérgio Moro, que deverá filiar-se ao Podemos também com o propósito de candidatar-se; e Rodrigo Pacheco(PSD-MG). Isso sem falar no ex-governador Ciro Gomes(PDT-CE), que robustece sua campanha disposto a angariar a simpatia desse eleitorado. Promete um périplo pelo país nos próximos meses e mudou sensivelmente sua estratégia de comunicação, depois do concurso do ex-marqueteiro de campanhas do PT, o publicitário baiano João Santana. 

Em tese, poderíamos fazer algumas conjecturas concernente às possíveis causas desse cansaço do eleitorado com a polarização representada pelas candidaturas de Lula e Jair Bolsonaro. Mas, a rigor, o procedimento mais adequado para se chegar a essas causas é através das pesquisas qualitativas, hoje um instrumento fundamentalmente importante em qualquer eleição. Tão importantes quanto as pesquisas quantitativas, realizadas com o propósito de inferir sobre o desempenho dos candidatos nas pesquisas de intenções de voto. 

Aqui em Pernambuco, a quadra política ainda se apresenta bastante confusa, o que significa dizer, em última instância, que não há, a rigor, nenhum palanque presidencial efetivamente consolidado. Nem mesmo o Lula, que lidera as primeiras pesquisas de intenção de voto em sua terra natal, pode afirmar isso com toda a convicção. Há negociações em estágio bastante avançado entre o PT e o PSB, mas Ciro Gomes(PDT-CE) também flerta com uma aliança com os socialistas, tendo como credencial o apoio à candidatura de João Campos (PSB-PE) para a Prefeitura da Cidade do Recife, nas últimas eleições municipais. E, por falar em João Campos, ele esteve até recentemente com o morubixaba petista , segundo dizem, com o propósito de trabalhar a possibilidade de os socialistas emplacarem um nome de vice-presidente na chapa. A rigor, neste momento, o quadro ainda está bastante “embolado”. Há quem informe, por exemplo, que o ministro do Tribunal de Contas da União, José Múcio, poderia ter o apoio de Lula como candidato ao Governo do Estado nas próximas eleições, o que se constitui um arranjo político complexo. O mais prudente, nesses casos, é adotar aquela estratégia de uma raposa da ciência política local, com o propósito de não comprometer-se: Tudo pode acontecer, inclusive nada. 

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Charge! Duke via O Tempo!

 


Tijolinho: Duas candidaturas pela oposição?

 


Há, ainda, grandes indefinições acerca do quadro sucessório no Palácio do Campo das Princesas, que deverá mudar de inquilino nas eleições de 2022. Se, por um lado, o PSB ainda não bateu o martelo no tocante à escolha do candidato que disputará a manutenção da hegemonia de poder socialista - que já cumpriu 04 mandatos - por outro lado, a oposição ainda enfrenta alguns problemas de composição de chapa e arranjos políticos necessários para apresentar os nomes que deverão disputar o Governo do Estado naquelas eleições. A disputa presidencial, que ocorre simultaneamente, longe de ajustar as articulações políticas aqui na província, ao contrário, vem contribuindo para complexificar ainda mais essas definições, que envolvem a montagem dos palanques dos presidenciáveis aqui na província. 

Creio que apenas em abril poderemos observar um cenário mais claro, contingenciado, inclusive, pelas performances obtidas pelos possíveis aspitantes aos cargos em disputa, como ocorre com o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho(União Brasil), que, com fôlego de coelho, faz um périplo pelo Estado, conversando com forças políticas que poderão apoiá-lo naquele pleito. Salvo melhor juízo, apenas trancou a agenda para receber o novo herdeiro do clã. A candidatura de Miguel Coelho, aliás, parece ser irreversível, independentemente dos avanços ou não das negociações entre os jovens prefeitos oposicionistas que se habilitariam ao cargo, como é o caso da prefeita de Caruaru, Raquel Lyra(PSDB-PE)e Anderson Ferreira(PSC-PE), prefeito de Jaboatão dos Guararapes. 

Anderson Ferreira e Raquel Lyra tem conversado bastante sobre o assunto, de onde se conclui que, dessas conversas, possa ser fechado algum acordo entre ambos. Dentre os três nomes acima, Anderson é aquele que mais claro e explicitamente se posiciona sobre o assunto, informando que irá se desligar da prefeitura de Jaboatão dos Guararapes e disputará o senado federal pela oposição. Sai, segundo as suas palavras, para derrotar o PSB. Evidente que Raquel Lyra precisará "metropolitanizar-se" e, para isso, o segundo colégio eleitoral do Estado pode dar a ela a contribuição que ela precisa neste sentido. A aliança com Anderson, portanto, é estratégica. Reune-se dois colégios eleitorais importantes: Agreste e Região Metropolitana. O que não pode se deixar de considerar é o impoderável na política, como sugerem alguns, observando que uma chapa com este perfil poderia ser invencível. Há outras variáveis em jogo.   

Kafka, a ruína do símbolo

 

Kafka, a ruína do símbolo
6

 

 

Em Kafka lemos a ruína do símbolo. Sua escritura – elaborada no que Modesto Carone chamou de uma “linguagem tipicamente cartorial, de protocolo”, marcada pela tensão entre as culturas alemã, tcheca e judaica – coincide com a minuciosa construção desse arruinamento. Mas o que isso quer dizer? Inicialmente, o seguinte: o que está em jogo aqui é uma forma de conhecimento; todavia, é uma forma de conhecimento certamente peculiar, já que o sentido que podemos, sim, apreender nos textos de Kafka não se dissocia da incerteza, do desconhecimento, da perplexidade, em suma, de uma espécie de nonsense, por assim dizer, que singularmente faz sentido.

Se, portanto, Kafka nos esclarece a respeito de algo – do mundo, de nós, da modernidade ocidental – é por meio dessa luz opaca que sua literatura irradia: uma luz indecidível entre a aurora e o ocaso, ou seja, entre o que vem a ser e o que se extingue. São histórias em que nada parece faltar. Odradek, Gregor Samsa, Josef K. É como se nada nos fosse omitido nesses textos que parecem colidir com o duro chão do mundo secular – e, no entanto, não se vislumbra nenhuma verdade ou completude que pudesse servir aos propósitos mais firmes e bem intencionados da cultura do humanismo ilustrado; nenhuma garantia, enfim, que pudesse ser reconhecida e passada adiante como um anel, geração após geração, como fiadora da cadeia da tradição do Ocidente.

Podemos dizer que o que manteria esse encadeamento contínuo e progressivo – como uma sucessão de anéis, ou ainda como fragmentos que se ajustam e se completam em conjunto, formando um todo – é o símbolo. Seu reconhecimento e sua passagem sustentariam o mundo simbólico, as práticas, as formas da relação entre saber e o poder, os modos de produção da verdade. Numa conferência a respeito de Édipo Rei, de Sófocles, realizada em 1973 na PUC do Rio de Janeiro, Michel Foucault se referiu a essa “forma religiosa, política, quase mágica do exercício do poder”. Trata-se de uma técnica de unificar o saber e o poder que, operante na Grécia arcaica, eclipsar-se-ia com o advento das formas jurídicas clássicas. Diz Foucault:

Um instrumento de poder, de exercício de poder que permite a alguém que detém um segredo ou um poder quebrar em duas partes um objeto qualquer, de cerâmica etc., guardar uma das partes e confiar a outra parte a alguém que deve levar a mensagem ou atestar sua autenticidade. É pelo ajustamento destas duas metades que se poderá reconhecer a autenticidade da mensagem, isto é, a continuidade do poder que se exerce. O poder se manifesta, completa seu ciclo, mantém sua unidade graças a este jogo de pequenos fragmentos, separados uns dos outros, de um mesmo conjunto, de um único objeto, cuja configuração geral é a forma manifesta do poder. A história de Édipo é a fragmentação desta peça de que a posse integral, reunificada, autentifica a detenção do poder e as ordens dadas por ele. As mensagens, os mensageiros que ele envia e que devem retornar autentificarão sua ligação ao poder pelo fato de cada um deles deter um fragmento da peça e poder ajustá-lo aos outros fragmentos. Esta é a técnica jurídica, política e religiosa do que os gregos chamam sýmbolon – o símbolo.

Ora, precisamente esse ajustamento e essa unidade parecem estar ausentes também na emergência da condição moderna, de acordo com alguns dos seus relatos mais significativos. Baudelaire afirma que o poeta perde sua auréola e que o dândi é um “sol poente”. Marx e Engels postulam que tudo o que é sólido desmancha no ar. Nietzsche acusa o crepúsculo dos ídolos e a morte de Deus. Simmel aponta a perda da sensibilidade na vida das grandes cidades. A busca de Proust é pelo tempo perdido. Freud concebe uma pulsão de morte que trabalha em nós silenciosamente. Benjamin refere-se não apenas à perda da aura, mas também à privação da experiência coletiva e à extinção da narrativa que era capaz de transmitir uma sabedoria e um conselho. Hannah Arendt reflete sobre isso nos termos da perda da autoridade. Nas artes plásticas, a figura do homem e a representação da natureza são abandonadas por vários artistas. Etc.

Nesse sentido, Kafka produz um dos mais radicais relatos dessa falta constituinte. Benjamin escreveu que igualmente o mundo de Kafka é “um teatro do mundo. Para ele, o homem está desde o início no palco”. E se esse teatro tem “o céu como perspectiva”, “este céu é apenas pano de fundo; investigá-lo segundo sua própria lei significaria emoldurar um pano de fundo teatral e pendurá-lo numa galeria de quadros. Como El Greco, Kafka despedaça o céu”. Tudo está ali, portanto, mas como um astro que colapsa: são narrativas do desastre, diria Blanchot.

Suas parábolas são lapidares. Se ao narrador tradicional era confiada a passagem da experiência, um ancião no leito de morte seria a sua figura exemplar: um moribundo, detentor da autoridade da velhice, arranca a experiência do limiar do indizível, e assim pode passá-la adiante; como um anel, como um símbolo ou seu fragmento poderiam ser passados. Mas o que os anciãos de Kafka transmitem? Talvez não haja ruína mais eloquente do que a intitulada “Uma mensagem imperial”, de 1919:

O imperador – assim consta – enviou a você, o só, o súdito lastimável, a minúscula sombra refugiada na mais remota distância diante do sol imperial, exatamente a você o imperador enviou do leito de morte uma mensagem. Fez o mensageiro se ajoelhar ao pé da cama e segredou-lhe a mensagem no ouvido; estava tão empenhado nela que o mandou ainda repeti-la no seu próprio ouvido. Com um aceno de cabeça confirmou a exatidão do que tinha sido dito. E perante todos os que assistem à sua morte – todas as paredes que impedem a vista foram derrubadas e nas amplas escadarias que se lançam ao alto os grandes do reino formam um círculo – perante todos eles o imperador despachou o mensageiro. Este se pôs imediatamente em marcha; é homem robusto, infatigável; estendendo ora um, ora o outro braço, ele abre caminho na multidão; quando encontra resistência aponta para o peito onde está o símbolo do sol; avança fácil como nenhum outro. Mas a multidão é tão grande, suas moradas não têm fim. Fosse um campo livre que se abrisse, como ele voaria! – e certamente você logo ouviria a esplêndida batida dos seus punhos na porta. Ao invés disso porém – como são vãos os seus esforços; continua sempre forçando a passagem pelos aposentos do palácio mais interno; nunca irá ultrapassá-los; e se o conseguisse nada estaria ganho: teria de percorrer os pátios de ponta a ponta e depois dos pátios o segundo palácio que os circunda; e outra vez escadas e pátios; e novamente um palácio; e assim por diante, durante milênios; e se afinal ele se precipitasse do mais externo dos portões – mas isso não pode acontecer jamais, jamais – só então ele teria diante de si a cidade-sede, o centro do mundo, repleto da própria borra amontoada. Aqui ninguém penetra; muito menos com a mensagem de um morto. – Você no entanto está sentado junto à janela e sonha com ela quando a noite chega.

“Você”, isto é, nós estamos desamparados, afinal mostra-se improvável a chegada do mensageiro, portador do símbolo, responsável pela autentificação e a continuidade do sentido, do segredo, da verdade. Como um comentário sem fim, os textos de Kafka se estendem como um denso véu que trama e enfim expõe um sentido sempre em falta: diante da microfísica do poder, abrem dessa maneira um hiato, um vazio intenso, que ao mesmo tempo suplementa e arruína a suposta unidade do simbólico – e, por extensão, o entendimento da modernidade capitalista como ápice do progresso histórico, do desenvolvimento cultural etc.

De certa maneira, trata-se da passagem da transparente estabilidade do símbolo à mediação contingente da alegoria. “Realmente”, escreveu Jeanne-Marie Gagnebin a propósito desse duplo de Kafka que foi Walter Benjamin, “desde Goethe e do romantismo alemão, o símbolo é sinônimo de totalidade, de clareza e de harmonia, enquanto a alegoria é recusada por sua obscuridade, seu peso e sua ineficiência”. E ainda: “enquanto o símbolo clássico supõe uma totalidade harmoniosa e uma concepção do sujeito individual em sua integralidade, a visão alegórica não pretende qualquer totalidade, mas instaura-se a partir de fragmentos e ruínas. Ao mesmo tempo, a identidade do sujeito se esfacela, incapaz que é de recolher a significação desses fragmentos”.

Intérpretes de nossa singular situação já afirmaram que, no Brasil, estaríamos condenados ao moderno. O que poderia ser entendido como: neste espaço que foi invadido, explorado e segue sendo dilapidado por uma razão positiva, de fato a ruína parece mostrar-se como a cifra mais potente de uma modernidade que, colocando-se sob o signo da ilustração, nasceu, no entanto, obnubilada. Neste caso, lida sob o sol cegante dos trópicos, talvez a obscuridade de Kafka ajude a esclarecer alguns dos nossos impasses históricos e o trabalho que ainda nos cabe. Como anotou o escritor num conhecido aforismo: “Ainda nos impõem fazer o que é negativo; o positivo já nos foi dado”.

Artur de Vargas Giorgi é Professor de Teoria Literária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

(Publicado ogirinalmente no site da revista Cult)

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Tijolinho: Raquel Lyra lidera pesquisa para o Governo do Estado.

A este editor não surpreende o fato de a prefeita de Caruaru, Raquel Lyra(PSDB-PE), liderar as primeiras pesquisas de intenção de voto para o Governo do Estado, nas eleições de 2022. Este fato confirma, apenas, algumas previsões já externadas aqui pelo blog, onde apontávamos que ela estaria muito bem posicionada nas pesquisas, em razão da boa avaliação de sua gestão. Ser mulher, neste momento, também ajuda, mas este fato não seria, assim, tão determinante. Até o momento ela tem se mostrado discreta nas suas movimentações, mas não se pode esquecer a  condição estratégica ocupada pela Princesa do Agreste, que irradia sua influência sobre várias microrregiões do Estado. 

Até recentemente, sua gestão foi avaliada como a mais transparente do Estado, que trata-se de uma espécie de selo de bom comportamento do gestor na condução dos negócios de Estado. Curioso que aquilo que deveria ser a regra na gestão do executivo - em todos os níveis, registre-se - torna-se um diferencial que pode credenciar o gestor para aspirações mais altas. Exceto em relação aos adversários históricos da família Lyra no município, Raquel tem aberto várias frentes de diálogo com os parlamentares do Estado, diálogo que tem se traduzido em obras para o município. Esse leque inclue gente do PT ao DEM.  

Como havíamos antecipado, o ex-prefeito Geraldo Júlio(PSB-PE) deve ser mesmo o ungido a disputar o Governo do Estado pela situação. Por um levantamento publicado por um blog local, a partir de pesquisa realizada pelo Instituto Opinião, ele ocupa a terceira posição na disputa, logo abaixo do representante da família Coelho, o prefeito Miguel Coelho(DEM-PE), que ocupa a segunda posição. Miguel, diferentemente de Raquel Lyra, tem se movimentado bastante, realizando um verdadeiro périplo pelas diversas regiões do Estado.  

domingo, 24 de outubro de 2021

Editorial: Os apuros de João Dória nas prévias tucanas.

 


A despeito de todos os problemas, o governador paulista, João Doria Junior(PSDB-SP), construiu um capital político nada desprezível, num importante Estado da Federação, São Paulo, que possui um dos colégios eleitorais mais significaivos do país. Tem boas credenciais, como uma gestão bem avaliada e o cacife de ter tomado as medidas corretas no tocante à vacinação da população, o que o projetou nacionalmente, diante dos atropelos iniciais desse processo.  Junta-se a isso as sua espetise no mundo corporativo, o que o tornou um ator bastante competitivo no campo político. Mesmo com todo esse currículo, Doria enfrenta sérios problemas nas prévias tucanas, onde o governador gaúcho, Eduardo Leite(PSDB-RG), hoje, apresenta-se como um nome com possibilidades concretas de virar o jogo ao seu favor,  vencendo  os embates internos dentro do ninho tucano. 

Um dos motivos é que Doria é uma espécie de trator, capaz de atropelar pela frente qualquer obstáculo que se interponha às suas ambições políticas. As raposas políticas tucanas já perceberam isso claramente e acenam para a possibilidade de referendar um nome que seja mais contido e ponderado, capaz de abrir as negociações políticas em torno da viabilidade de uma "terceira-via' na disputa presidencial de 2022. Caciques das legendas que se aglutinam em torno dessa perspectiva já anteciparam que não haveria negociação com os tucanos se o nome referendado pelas prévias recair sobre o governador João Dória Júnior. 

Na realidade, grosso modo, a ideia das prévias tucanas - embora concebidas com as melhores intenções - parece que não estão dando muito certo. O debate entre Doria e Eduardo Leite foi aguado, morno, circunscrito, sem que acrescentasse, de fato, um plano nacional de governo dos candidatos, algo que pudesse acenar positivamente para um eleitorado maior, para além do ninho tucano. Diante disso, o fato cocreto é que o nome de Eduardo Leite passsou a ser melhor digerido pelo tucanato. Talvez nem tanto por suas qualidades, mas em razão da desconfiança e rejeição ao governador paulista, que costuma deixar desafetos pelo caminho, seja fora, seja dentro do ninho tucano. Até o senador Tasso Jereissati(PSDB-CE), que realizou um trabalho de destaque na CPI da Covid-19 e disputaria as prévias, já declarou seu apoio ao governador gaúcho. 

A este editor surpreendeu o fato de uma revista de circulação nacional ter apontado o Estado de Pernambuco entre os quais o diretório do partido ter declarado apoio ao nome de Edurdo Leite. Pelo andar da carruagem política, quando esteve aqui na província, a recepção ao governador paulista foi bem mais efusisva, tendo ele proferido um discurso já como se fosse, de fato, um candidato presidencial. Vamos aguardar os resultados das prévias, mas Doria, que aparecia no início como um postulante favorito, hoje figura como um azarão.   

Charge! Duke via O Tempo!

 


Publisher: Some air, please!

 


The English writer, George Orwell, died at a very young age, at the age of 47, after producing an extensive - and equally important - literary work. His most emblematic texts are framed within the scope of what is conventionally called 'dystopian literature', mainly due to books such as "The Animal Revolution" and "1984", today a recurrent text to understand the dynamics and working gears of authoritarian political regimes, also known as "dictatorships of a new kind". It is curious to observe how the categories established by George Orwell, in "1984", fit perfectly into these new dictatorships, as already observed by the French philosopher Michel Onfrey, who produced an exquisite essay dealing with this subject. During the period of the Trump Administration, in the United States, "1984" sold like water, which means that not only the academy, but the common citizen also observed there, in the pages of the book, elements to better understand what was going on at that political moment.

But, as I said, the work of the British writer is extensive and there are other important books, possibly inserted within the same conformation of dystopian literature, such as the one that gives title to this editorial: "A little air, please". Orwell also went through great financial difficulties, trying to survive as a writer, which resulted in the text: "At worst in Paris and London". Although someone has already said that getting lost in Paris would not be the worst of punishments. Anyway, like every human being who goes through this plane, Orwell suffered some disappointments, including one of a political nature: the experience of real socialism in the former Soviet Union, especially the Stalinist period. Orwell fought the Franco dictatorship in Spain and flirted with socialism. From the disappointment with the direction taken by the 1917 Revolution, resulted the fable: "The Animal Revolution", where oppressed animals, after overthrowing the oppressor capitalist, owner of the farm, end up becoming equally oppressors.

This long introduction comes in connection with the delicate moment that the country is going through, which simultaneously brings together a political/institutional crisis, a disheartening social situation and a bankrupt economy, with double-digit inflation, fiscal irresponsibility, a significant increase in the cost of living , aggravated by high unemployment rates and concrete prospects of little pigs ahead. Worst impossible scenario, which led journalist Josias de Souza to make some conjectures about the upcoming presidential elections, concluding that the next president needs to have an agenda not only oriented by the anti-government, but one that offers some encouragement, a ray of hope, a little of air for this mass of disinherited, with self-esteem in limbo. To paraphrase George Orwell, we do need some air, please! If the tragedy of more than 600,000 people killed by the corona virus pandemic were not enough, today we have to accompany people "robbering" garbage cars in search of food scraps on the streets on the outskirts of Fortaleza; the lines of bones in the butchers; like the chicken's feet, carcasses and necks sold in supermarkets and butchers to our smug, bigoted, cocky, rich middle class, the first-time ally of our disgusting elite.

Editorial: Um pouco de ar, por favor!!!


O escritor inglês, George Orwell, morreu ainda muito jovem, aos 47 anos de idade, depois de produzir uma extensa - e igualmente importante - obra literária. Seus textos mais emblemáticos são enquadrados dentro do escopo daquilo que se convencionou chamar de 'literatura distópica', principalmente em razão de livros como "A Revolução dos Bichos" e "1984", hoje um texto recorrente para se entender a dinâmica e engrenagens de funcionamento dos regimes políticos autoritários, também conhecidos como "ditaduras de um novo tipo". Curioso observar como as categorias estabelecidas por George Orwell, em "1984", se encaixam perfeitamente nessas novas ditaduras, conforme já observou o filósofo francês Michel Onfrey, que produziu um primoroso ensaio tratando deste assunto. Durante o período do Governo Trump, nos Estados Unidos, "1984" vendeu como água, o que signifca dizer que não apenas a academia,mas o cidadão comum também observou ali, nas páginas do livro, elementos para compreender melhor o que estava se passando naquele momento político. 

Mas, como disse, a obra do escritor britânico é extensa e há outros livros importantes, possivelmente inseridos dentro da mesma conformação de literatura distópica, como o que dá título a este editorial: "Um pouco de ar, por favor". Orwell também passou por grandes dificuldades financeiras, tentando sobreviver como escritor, o que resultou no texto: "Na pior em Paris e Londres". Embora alguém já tenha afirmado que se perder em Paris não seria, assim, o pior dos castigos. Enfim, como todo ser humano que passa por este plano, Orwell amargou algumas decepções, inclusive uma de natureza política: a experiência do socialismo real na antiga União Soviética, principalmente o período stalinista. Orwell lutou contra a ditadura franquista na Espanha e flertou com o socialismo. Da decepção com os rumos tomados pela Revolução de 1917, resultou a fábula: "A Revolução dos Bichos", onde animais oprimidos, depois de derrubarem o capitalista opressor, dono da fazenda, acabam se tornando igualmente opressores. 

Essa longa introdução vem a propósito do memento delicado que passa o país, que congrega, simultaneamente, uma crise político\institucional, um quadro social desalentador e uma economia em bancarrota, com inflação de dois dígitos, irresponsabilidade fiscal, aumento sensivel do custo de vida, agravado pelas altas taxas de desemprego e perspectivas concretas de pibinhos pela frente. Pior cenário impossível, o que levou o jornalista Josias de Souza a fazer algumas conjecturas acerca das próximas eleições presidenciais, concluindo que o próximo presidente precisa ter uma agenda não unicamente orientada pelo antigoverno, mas que ofereça algum alento, um fio de esperança, um pouco de ar para essa massa de deserdados, com a auto-estima no limbo.Parafraseando George Orwell, precisamos, sim, de um pouco de ar, por favor! Já não fosse suficiente a tragédia dos mais de 600 mil mortos pela pandemia do corona vírus, hoje temos que acompanhar populares "assaltarem' carros de lixos à procura de restos de comidas pelas ruas da periferia de Fortaleza; as filas dos ossos nos açougues; assim como os pés, carçaças e pescoços de galinha comercializados em supermercados e açougues para a nossa classe média cheia de empáfia, preconceituosa, metida a rica, aliada de primeira ora de nossa elite asquerosa.  

sábado, 23 de outubro de 2021

Tijolinho: Afinal, quem será o candidato da situação ao Governo do Estado nas eleições de 2022?



Eis aqui um assunto difícil de ser tratado, sem que incorramos por algumas conclusões que podem não soar como música aos ouvidos sensíveis de parte daqueles que nos dão a honra de acompanhar nossas postagens e, principalmente,dos atores políticos diretamente envolvidos nessas análises. O momento político vivido pelo país está excessivamente polarizado, o que não ajuda muito essas discussões. Em tais circunstâncias, o fígado parece ser um órgão mais importante do que o cérebro e a tolerância desceu aos níveis mais baixos. A questão em lide trata de um assunto que vem movimentando a quadra política pernambucana nos últimos dias: O candidato da situação ao Governo do Estado nas eleições de 2022. Existem algumas premissas que podem ser determinantes para chegarmos a algum consenso sobre este assunto. Não gosto muito desse formato de construção de textos - pois fica parecendo algo como a enumeração de enunciados, com claros prejuízos de aprimoramento das narrativas.Em certa medida, pode até ser mais didático, mas sinto que, com o texto corrido, há uma maior liberdade na exposição. Em todo caso, vamos a essas premissas, devidamente enumeradas, conforme determina o figurino.   

1.1 - Conforme observou Ciro Gomes(PDT-CE) mais recentemente - consoante uma estratégia de bater forte em Lula e Bolsonaro, com o propósito de definir seu espaço na disputa presidencial - Lula está celebrando os mesmos padrões de alianças políticas articuladas no passado, o que inclue algumas figuras emblemáticas do MDB, que teriam a chance de voltar à ribalta política na caravana do petista. A entrega da gestão da máquina pública, em governos anteriores, a estes senhores ou seus prepostos, não se mostrou muito prudente no tocante aos interesses das res pública. Todos os brasileiros sabem disso, não precisava que Ciro Gomes nos alertatasse para essa questão. Lula adota uma estratégia muito parecida - e antiga - como aquela revelada em uma entrevista concedida a um jornal do ABC Paulista, quando ele ainda era um torneiro mecânico que tornou-se sindicalista e desejava entrar para a seara política: "Não importa a cor do voto, desde que ele caia na urna".É puro pragmatismo político. O MDB e o PSB, inclusive, ofereceram lastro de apoio político ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff(PT-MG). Nenhuma surpresa, portanto, com o arco de alianças políticas montados pelo petista, orientadas pela perspectiva de lograr êxito na disputa presidencial, em detrimento de outras perspectivas, o que explica, por exemplo, o fabuloso lucro das instituições financeiras em seus governos, assim como a inviabilidade de algumas reformas reclamadas pelo país, como a reforma agrária, tributária e política. Falo com a autoridade de quem reconhece, ao longo da existência deste blog, as enormes conquistas no tocante à democracia substantiva da gestão da coalizão petista. 

1.2 - Lula deu seu start político para as eleições presidenciais de 2022 aqui no Estado de Pernambuco, em visita ao Governador Paulo Câmara(PSB-PE). Pernambuco é um Estado emblemático por diversos motivos e não apenas por ser seu Estado natal. O governador Paulo Câmara foi o primeiro a ser ouvido no seu bunker, em Brasília, numa demonstração clara da importância das costuras políticas aqui na província para o seu projeto de voltar a ocupar o Palácio do Planalto, onde há nomes influentes nacionalmente entre os dirigentes socialistas. Até recentemente, um dirigente nacional da legenda deixou claro que o prefeito João Campos(PSB-PE) teria um papel decisivo na escolha do candidato presidencial que deverá ter o apoio do partido, o que pode ser entendido, igualmente, que ele exercerá influência na mesma proporção na decisão sobre a escolha do candidato da situação ao Governo do Estado nas eleições de 2022. João tem uma dívida de gratidão com Geraldo Júlio(PSB-PE), que respeitou religiosamente os acordos sobre a herança do espólio político e eleitoral do ex-governador Eduardo Campos. Com o tempo e a experiência, vem aplainando as rusgas criadas com o PT, mas as cicatrizes permanecem, algumas delas contraídas durante a última campanha para a Prefeitura da Cidade do Recife. Ainda existem dois outros nomes nas hostes socialistas que poderiam disputar o Governo do Estado nas eleições de 2022. Um deles é o do Secretário da Casa Civil, José Neto, político experiente, que já exerceu vários cargos no Governo. É oriundo do Tribunal de Contas do Estado - um celeiro de lideranças socialistas - e considerado um cidadão de excelente trato com os correligionários e até mesmo em relação aos adversários do governo. Um gentleman. Outro nome ventilado é o da Secretária de Infraestrutura, Fernandha Batista, que vem realizando um bom trabalho na pasta e é mulher, um diferencial hoje importante, numa época de empoderamento feminino. Como disse em textos aqui no blog, talvez seja mesmo o momento delas. Ainda nesta semana, a prefeita de Caruaru, Raquel Lyra(PSDB-PE), praticamente definiu que será candidata ao Governo do Estado nas próximas eleições estaduais. A incansável Marília Arraes(PT-PE) também permanece em sua cruzada.     

1.3 - Como disse antes, o senador Humberto Costa(PT-PE) é o nome da confiança de Lula aqui no Estado. Sua âncora e bússola política.  Isso desde os tempos difíceis da Brasília Amarela. O morubixaba petista nutre respeito, carinho e admiração pela Deputada Marília Arraes(PT-PE), mas, se o partido tiver a chance de emplacar um nome, o ungido será o senador Humberto Costa. Portanto, se o arranjo político entre socialistas e petistas permitir a indicação de um nome do PT como cabeça de chapa, já se sabe quem será indicado. O nome de Marília Arraes, além dos problemas internos ao PT, seria menos digerido entre os socialistas. Marília Arraes teria alguma chance se a aliança não se efetivar e o PT resolver caminhar em faixa própria.  

1.4 - O PSB local deve manter-se num alinhamento antibolsonarista, o que torna improvável a adoção de uma política de alianças que envolvam forças que gravitam em torno do apoio ao presidente Jair Bolsonaro, como chegou-se a especular, invocando-se um suposto realinhamento com a família Coelho. O rebento da família já está em suas caravanas pelo Estado e o patriarca continua como um fiel escudeiro do presidente. As costuras para viabilizar uma candidatura ao Governo do Estado do prefeito Miguel Coelho(DEM-PE), embora tenha contado com o apoio importante do pai, hoje, é menos dependente dos seus movimentos. Esta é, aliás, uma posição estratégica do senador Fernando Bezerra Coelho(MDB-PE). Sua posição é a garantia de viabilização de obras para o Estado, o que se traduz num bom capital político para os projetos do filho candidato. Há outras possibildides de alianças, ainda no plano das especulações, mas essas dependem dos arranjos políticos celebrados no contexto federal, envolvendo candidaturas presidenciais. Ciro Gomes, por exemplo, tem um bom trânsito com o PSB, inclusive com João Campos(PSB-PE), a quem ajudou na última disputa municipal. 

1.5 - A peça-chave neste tabuleiro do xadrez político pernambucano que envolve a tomada de decisão sobre quem concorrerá, pela situação, ao Governo do Estado nas eleições de 2022 é aquela peça com plenos poderes, que tudo pode no tabuleiro. A família Campos não abdicará de manter o controle do processo sucessório, o que significaria, em última análise, correr um risco maior no sentido de assegurar o espólio político e eleitoral entre os herdeiros do clã. Geraldo Júlio tem um histórico de fidelidade a este projeto, o que significa um grande trunfo. Os novos nomes nas hostes socialistas ainda não foram testados. Humberto Costa poderia assumir este compromisso, sem maiores delongas, em nome do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores no plano nacional. O risco de uma dissidência posterior, no entanto, passaria, de fato, a existir. Portanto, ele tem menos chances de ser o ungido, embora a presença nos eventos, ao lado do governador, não deixe de ser um indicativo positivo para qualquer aspirante.    

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Editorial: O flagelo da fome sempre assustou o país. Difícil dizer quando ele foi mais cruel.


Em meados da década de 80 do século passado, com a queda do Muro do Berlin, alguns bons filmes foram produzidos tratando do embate ideológico entre capitalistas e os herdeiros da tradição do realismo socialista. Salvo melhor juízo, um desses filmes foi o conceituado "Adeus, Lênin", do diretor Wolfgang Becker. No filme, cujo enredo gira em torno de uma senhora que permanece em estado de coma por ocasião do desmoronamento da Alemanha Oriental, há um diálogo interessante, que evidencia uma questão que já havia sido invocada pelo filósofo político italiano, Norberto Bobbio, tratando daquela equação que os regimes políticos - nem a decantada democracia, tampouco as experiências do socialismo real - conseguiram, de fato, enfrentar, ou seja, um equilíbrio entre liberdade e igualdade. 

A propalada "liberdade" capitalista, sob os regimes de democracias burguesas, produzem muitas desigualdades sociais. Por outro, lado, as experiências do socialismo real, frequentemente, subverteram as liberdades individuais e coletivas, num projeto que se propunha a combater as desigualdades sociais ou econômicas entre os indivíduos. Mas, voltemos ao diálogo do filme, que nos oportunizará um debate sobre a produção das desigualdades no país, flagelo denunciado pelo sociólogo pernambucano Josué de Castro desde a década de 40 do século passado, em estudos como A Geografia da Fome.

No filme, dois cidadãos, um deles entusiasta das mudanças advindas com a reunificação da Alemanha sob o regime capitalista - desses que festejaram a chegada da Coca-Cola naquele país - o outro, uma espécie de saudosista da organização da vida  social, cultural e econômica engendrada pelo regime da Alemanha Oriental, estão num shopping center, cada qual observando o ambiente com os seus "filtros". O capitalista observa que os problemas de "desabastecimentos" haviam sido superados. As gôndolas estavam repletas de alimentos oferecidos à população. Naturalmente, aquele contingente da população com as possibilidades de acesso ao consumo. Este, então, comenta para o outro: Estás vendo? agora já não existem problemas de desabastecimentos, de cotas, longas filas, de restrições de consumo, o que era recorrente na Alemanha Oriental. O outro cidadão, saudosista do socialismo real, concentra-se numa cena e chama a atenção do seu interlocutor para uma pequena aglomeração de pessoas que se juntavam no lixo do supermercado, comentando: Na Alemanha Oriental, com todos os problemas, era comum encontrar ratos nas latas de lixo, não pessoas. 

Esquecendo um pouco as crises política e institucional - como se isso fosse possível - o país enfrenta sua maior crise econômica e social: a insegurança do mercado, dólar em alta, ausência de lastro fiscal para bancar o novo Bolso Família, recessão, desemprego e inflação em alta. Enfim, uma tempestade perfeita. Não é de hoje que contingentes expressivos da população está voltando à condição de extrema pobreza, fato agravado pela pandemia do corona vírus. Chocante é observar os reflexos dessa crise no nosso cotidiano, como as filas para pegar ossos nos açougues, a oferta de pés de galinha nas gôndolas dos supermercados, o assalto dos esfomeados ao caminhão do lixo - fato ocorrido num bairro da periferia de Fortaleza, no Ceará, curiosamente filmado por um motorista de aplicativo. Para completar o cenário desolador da semana, a embalagem de carne vazia daquele supermercado, que alcançou ampla repercussão nacional, mobilizando os órgãos de defesa do consumidor.  

Quando o Bolsa Família foi criado, seus defensores, em resposta aos seus críticos,  afirmavam que seria preciso dar comida a quem tem fome, obedecendo aquele princípio cristão, com o qual este humilde editor concorda. É fundamentalmente importante, no entanto, do ponto de vista das políticas públicas para a população de baixa renda, melhorar os índices de desenvolvimento, oportunidades educacionais, gerando emprego e renda, algo mais consistente e perene para superar as desigualdades sociais. Afirmam os especialistas que este efeito "bumerangue" - que leva miseráveis a voltarem a ser miseráveis - deve-se ao fato de essas medidas paliativas não terem sido acompanhado de outras medidas mais efetivas. Portanto, a questão não é se o auxílio deve ser de R$ 400,00 ou R$ 600,00, mas, sobretudo, se a economia do país voltará a crescer. No momento, os sinais não são nada promissores, o que significa dizer que cenas como as mostradas nas filmagens do bairro de Fortaleza tendem a se repetir em outras praças do país, com o flagelo da fome voltando a nos assustar novamente. Aliás, como sempre.  

Charge! Duke via O Tempo

 


domingo, 17 de outubro de 2021

Editorial: A avenida eleitoral da terceira via.


Enquanto o governador João Dória(PSDB-SP)apresenta as credenciais de ter o apoio de 98% dos prefeitos tucanos do seu Estado nas prévias que escolherá o nome que deve disputar, pelo partido, as eleições presidenciais de 2022, o governador gaúcho, Eduardo Leite(PSDB-RS), que também está na disputa, recebe o apoio discreto do tucano mineiro, Aécio Neves(PSDB-MG), que, apesar do desgaste, ainda exerce forte influência sobre a máquina do partido naquele Estado, constituindo-se num apoio importante para os planos do governador gaúcho. 

Um outro mineiro, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco(DEM-MG), que também tem planos de lançar-se candidato à Presidência da República nas eleições presidenciais de 2022, tenta atrair a senadora Simone Tebet(MDB-MS), para acompanhá-lo nesta jornada, a quem considera a vice dos sonhos. Ainda neste mesmo diapasão, depois de muitas conversas, o ex-juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, filiou-se ao Podemos e também deve disputar os votos dos eleitores que estão dispostos a apostarem numa alternativa eleitoral que possa quebrar essa polarização política entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP) e Jair Bolsonaro, ainda sem partido. 

Mas, afinal, por que essa terceira via estaria atraindo a atenção de tantos candidatos? Há, de fato, alguma alternativa de um candidato com este perfil embolar o baralho das eleições presidenciais de 2022? Sim e não seriam as respostas mais prudentes. Há quase um consenso de que esta polarização política não está fazendo muito bem ao país. O eleitorado mais consequente parece ter chegado a esta conclusão. Não deseja que sigamos com este governo, tampouco deseja que retornemos aos tempos passados, com as velhas raposas políticas no comando da máquina pública, conduzidas, não necessariamente, de forma republicana. 

Pesquisas qualitativas poderiam trazer um raio "X" mais preciso sobre este tema, mas, a rigor, este parece ser o ponto fulcral que explica a insatisfação de parcela significativa do eleitorado com as alternativas eleitorais que ora se apresentam para a disputa presidencial de 2022. Por alguma razão, o terceiro candidato, Ciro Gomes(PDT-CE), não consegue quebrar essa polarização, embora tenha se esforçado bastante com este propósito. Com uma estratégia de comunicação concebida pelo marqueteiro João Santana - que já prestou serviços ao PT no passado - tem falado para o eleitorado mais jovem, menos infensos a Lula e Bolsonaro, e batido forte nos dois para diferenciar-se. Ciro, no passado, foi uma aliado do PT. No momento, não vê nenhum problema em aliar-se a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, flertando com setores do centro e até do centro para a direita. Ou seja, precisa construir urgentemente uma "identidade" junto a este eleitorado, se deseja credenciar-se como alternativa aos dois. 

Como diria um ex-colega de trabalho - que morreu de Covid-19, infelizmente - há uma avenida eleitoral que precisa ser conquistada. Os últimos levantamentos indicam que já existem 30% do eleitorado dispostos a votarem num candidato da terceira via. Mas este candidato ainda não tem rosto ou um nome. Essa disputa promete.