Os camisas negras e os “boca-torta”
9 de outubro de 2013 | 15:31
Os quebra-quebras registrados ao final das manifestações de segunda-feira no Rio e em São Paulo são uma pequena amostra dos perigos que a festejada “apartidarização” dos movimentos sociais podem trazer.
Ao contrário do que proclamam os “moderninhos” e “autogestionários”, as massas sem líderes têm dificuldades muito maiores em se defender, seja da reação do aparelho repressivo do Estado, seja dos grupos fascistóides que, diante de todos, se preparam para os confrontos e provocações sem que haja uma atitude coletiva que os expurgue dos movimentos reivindicatórios.
Não estou falando de garotos radicais, que assumam atitudes de contestação imaturas.
Estou falando de grupos que estão associados em torno de teses fascistóides que não têm nada a ver com “defender os movimentos da agressão policial”, como repetem, mas com provocar a ruptura do regime de liberdades.
E que não podem, por isso, ser combatidos e dissolvidos senão com democracia, liberdade e aplicação das regras do Estado de Direito.
A notícia de que a polícia paulista quer enquadrar na Lei de Segurança Nacional o casal de depredadores preso na segunda-feira é, assim, um típico arreganho da “boca-torta” de instituições que não se deram conta da mudança dos tempos e, agindo desta forma, só ampliam a tola solidariedade que alguns iludidos dão a estes grupos.
Transcrevo, abaixo, parte do ótimo texto sobre os Black Blocs, escrito pelo jornalista José Alves Pinheiro Júnior, uma das mais inteligentes e aprofundadas análises que já li sobre o assunto.
Black Blocs, modismo ou ameaça?
José Alves Pinheiro Junior
Os Black Blocs são apresentados na mídia mundial como uma organização que poderia ser rotulada como neoanarquista. Neo talvez, mas ainda afeita aos tradicionais coquetéis molotov. E, como manda o figurino histórico, manifestando-se com estardalhaço e renovada simbologia anticapitalista. Daí a preferência por ataques a autosserviços bancários e a vitrines e fachadas de fast food e marcas e grifes transnacionais de luxo. Curiosamente, na semana final de setembro último, a fotografia de um homem segurando um Big Mac e uma Coca-Cola sob o vão do Masp, na Avenida Paulista, foi publicada pela Folha de S.Paulo com intrigante legenda que o identificava como “coordenador de manifestantes mascarados”. Também multinacionais pelo menos na nomenclatura, os Black Blocs são uma novidade no Brasil. Mas são estudados há três décadas por atuação semelhante na Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Turquia, Egito, Grécia, Chile e México. Não nessa ordem, porém sempre se apresentando como “estudantes, trabalhadores, desempregados e revoltados” segundo oManifeste du Carré Noir, divulgado no Québec, Canadá, em 2012. Um manifesto tipicamente “classe média burguesa”. E que parece definir a “ideologia” Black Blocs.
A ação sem fronteiras dos Black Blocs não passaria de mera imitação de jovens rebeldes em busca de um “modismo extra-rock”. Moda esta desconcertantemente colada a protestos quase sempre autênticos. O que poderia conferir um desesperado idealismo à atuação deles. Ações que, no entanto, perderiam a aura romântica ao serem descobertas como premeditadas. O imbróglio é, assim, sinistro. E tanto mais ao gosto da mídia em busca de “sensações de primeira página”. Mas há quem veja no surgimento dos Black Blocs, país após país, o patrocínio de organismos apátridas, agências de inteligência e insuspeitadas “reinsurgências de direita”. Seriam organismos direcionados para implantar o caos em nações-chave da economia e da política mundiais. Se a suspeita for suscetível de comprovação – embora peremptoriamente negada na internet pelos interessados –, então os Black Blocs poderiam ser vistos (e tratados) como uma ameaça à democracia.
“Militâncias secretas”
Explicar esses grupos – com anárquicos uniformes de peças negras e máscaras ninja – tem mobilizado articulistas de todos os matizes e de todas as mídias. Com uma característica que lhes agrega um indefinido mistério de improvisada guerrilha urbana, os Black Blocs continuam assim a desafiar editorialistas locais e estrangeiros. A tendência então é considerar o vandalismo, irrefreável pelas “forças da ordem”, como um “defeito de governabilidade”. Ou inabilidade inerente à exacerbada democracia. Ou ainda ingênua redundância que atribui exigências de “mais democracia” como “leitmotiv espiritual” das manifestações. Aliás, só possíveis exatamente porque a democracia é plena na garantia de manifestações. Foram importantes jornais americanos e europeus – como New York Times e El País – que primeiro editorializaram os “anseios de mais democracia” no Brasil, dando-lhes similitude com a contracultura em Berlim na década de 1980.
Os editoriais e artigos consultados desde julho último na mídia impressa e em sites do Rio e São Paulo questionam em contrapartida também o alcance e a autenticidade da soberania popular em manifestações que não conseguem se desgarrar da violência. Cientistas políticos que se abstraem do vandalismo considerando o ato criminoso como casos em separado de polícia, veem nas manifestações um sadio exemplo de “liberdade democrática em ação com garantias constitucionais”. Não importa se os manifestantes representam ou não uma vontade majoritária. É a liberdade ampla e irrestrita rolando nas passeatas, mesmo que elas expressem apenas desejos de cabeças comunitárias, pontas de lança classistas e amostragem de grupos menores. Em comum, todos parecem movidos pelo impulso da mídia (TV principalmente) e pela mobilização político-partidária nos dois extremos do “espectro ideológico”. O que parece um contrassenso. Embora energeticamente os extremos se atraiam. E se completem. É exatamente neste exercício tão democrático que as passeatas acabam por oferecer inapeláveis oportunidades para grupos se infiltrarem. E poderem confrontar e destruir. Danificando primeiro as próprias causas e razões de que se valem e movem multidões. Uma delas, possivelmente a causa mais agredida, é a defesa da mobilidade urbana.
Nas ruas “por dever constitucional de garantir e orientar as manifestações”, a polícia acaba incluindo-se no rol dos vândalos. Conquistam mesmo mais antipatias ao se submeterem ao arbítrio do despreparo e da truculência inerente ao mister policial. No caso das PMS há notório resquício da bem recente ditadura militar quando a repressão sem limites era ordem e rotina. O paradoxo democracia/repressão teria como pretexto a proteção de áreas públicas com seus aparatos de serviços e monumentos. Todo esse conjunto de dificuldades e obstáculos ativa ainda mais as minorias violentas. Neste momento estratégico é que o embate manifestação- polícia pode ser visto como uma radical competição esportiva proibida. E por isso mesmo mais atrativa para “entusiastas militâncias secretas”. Afinal não é este o espírito empolgante dos videogames? E não é aí que mora o potencial maior do modismo juvenil?
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