O golpe e a perseguição mesquinha contra contra Dilma provocaram uma comoção nacional, um abraço de solidariedade amplo. Do seu lado, Dilma retribuiu abrindo-se ao público de uma maneira que jamais ousou em seus tempos de presidente.
O resultado final é que sua voz ganhou peso político.
Por todos esses fatores, a ideia de lançar uma Carta aos Brasileiros, expondo um conjunto de princípios, poderá se constituir em um episódio da mais alta relevância política, e se constituir no primeiro lance com vistas às próximas eleições gerais.
Peça 1 – o receituário de uma nova esquerda
Está-se em pleno processo de modelagem do novo quadro partidário. As manifestações deram voz a uma multiplicidade de movimentos sociais, grupos de opinião, ONGs, típica de sociedades socialmente avançadas. E trouxeram para a política uma extraordinária geração de jovens, não mais amarrada à militância partidária, mas a bandeiras diversas tendo como ponto comum os valores civilizatórios, dentre os quais o mais relevante é a defesa da democracia.
É uma enxurrada de afluentes políticos indo em direção ao rio maior, as eleições de 2018.
Dependendo do seu conteúdo, a Carta aos Brasileiros de Dilma poderá se constituir na semente inicial do novo pensamento de esquerda moderna, que poderá emergir a partir das próximas eleições, tendo Lula como símbolo máximo e Dilma como sistematizadora do programa.
Peça 2 – o novo pacto ou o confronto.
O ponto de partida é definir o caminho a ser perseguido: o do pacto ou do confronto.
No período petista, Lula logrou consolidar a pax social, o pacto dentre as diversas forças do país, movimentos sociais, direitos humanos, empresários industriais, mercado, corporações públicas. Tudo isso foi possível devido ao seu talento político intuitivo e um período de bonança que antecedeu a crise de 2008 e à forma como mobilizou o país contra a crise.
Houve um breve ensaio, um trailer do que poderia ser o país potência, com suas políticas comerciais, diplomáticas, de segurança nacional, com as políticas sociais, os ensaios de política industrial, culminando com a ajuda decisiva de Dilma na montagem do grande pacto em torno do pré-sal – que deveria garantir, ao mesmo tempo, a musculatura para a cadeia produtiva do petróleo e gás (incluindo estaleiros e outros setores associados) e recursos para as políticas sociais.
Não vem ao caso, agora, apontar a sucessão de erros que levou à crise política.
Importa notar que os grupos de esquerda atraídos para a disputa democrática indagam-se com razão se ainda há espaço para pactos. Todos se sentem, justificadamente, traídos pela ilusão democrática, pela falta de defesas contra o golpismo intrínseco à plutocracia brasileira, agravado pelo desmonte imposto por esse interinato predador.
A tendência maior, portanto, seria partir para a guerra política, apostar as fichas em um Bonaparte caboclo comandando as tropas contra os que assaltaram o poder.
Mas seria a perpetuação da radicalização impedindo qualquer política mais duradoura.
O país jamais ingressará na próxima etapa política e econômica se não refizer um amplo pacto político com os olhos voltados para os novos tempos.
A direita precisa aceitar que não se monta o país sem respeito permanente aos direitos sociais e à continuidade das políticas de inclusão. A esquerda precisará abrir mão do viés estatista, identificar e defender as estatais essenciais, mas apostar em modelos que atraiam o capital privado para a infraestrutura e os serviços públicos.
Peça 3 – as medidas de corte
A pedagogia torna-se mais eficiente quando os princípios são transformados em propostas. São as propostas que ajudam a entender o novo, a formatar a nova utopia mesmo que, à primeira vista, pareçam impossíveis de serem alcançadas. Por isso mesmo, as propostas não poderão ser mais do mesmo, a repetição de bordões economicistas desenvolvimentistas ou de mercado.
Primeiro, terão que apontar qual o desenho de país que se ambiciona. Depois, os meios de se atingir quando, aí sim, entrarão as propostas de desenvolvimento.
O discurso será para marcar o novo tempo político. Portanto, há a necessidade de ousar, de pensar grande, de antever o novo tempo e imaginar as políticas que representem um corte entre o velho, que se encerra com o golpe, e o novo que começa a nascer.
Peça 4 – algumas medidas sugeridas meramente a título de exemplo
Grupo 1 – o choque de capitalismo social.
As empreiteiras devem ao Fisco e devem à União, na forma de multas bilionárias que estão sendo aplicadas. O seu maior ativo são as ações. Monta-se um modelo pelo qual elas quitarão suas dívidas com a entrega de ações – mesmo que signifique a perda do controle.
Do mesmo modo, os estados devem à União. Mas têm ativos que podem ser monetizados, como empresas estaduais e direitos de concessão. Precificam-se esses dois ativos que serão entregues para amortizar dívidas. A maior parte das estaduais e municipais são empresas de saneamento. Mas poderão ser concessões de mobilidade urbana ou de energia.
A União ficará com ações das empreiteiras e direitos de concessão dela, União, de estados e municípios. De posse delas, poderá avançar em um amplo programa de concessões na área de saneamento, repassando as ações para fundos sociais de propriedade de trabalhadores.
Grupo 2 – o choque da regularização fundiária
Hoje em dia, há uma quantidade gigantesca de moradias e propriedades de baixa renda não legalizadas, sem o registro de propriedade, tanto nas áreas urbanas quanto nas áreas rurais do país. Com os modernos recursos de GPS, pode-se montar um enorme mutirão de legalização fundiária. Do mesmo modo, se acelerariam os projetos de reconhecimento dos direitos de minorias. E também os mutirões carcerários, visando libertar pessoas que tenham cometido crises de menor gravidade.
Grupo 3 – o choque de desburocratização.
Com os modernos recursos da informática, com as experiências de gestão já testadas, haverá maneiras de implementar uma grande reforma administrativa desburocratizante tanto na área fiscal quanto na de gestão pública.
Grupo 4 – o choque de aprofundamento da democracia direta.
A Constituição legou um conjunto de instrumentos de participação popular. Depois, foram criados vários fóruns incluindo participação do setor privado. Agora, tem que se entrar na era da democracia digital e definir, com clareza, quais os espaços para instituir a participação cidadã através das redes sociais, dos coletivos.
A busca da síntese
As sugestões acima são meramente indicativas. Há muitas ideias e iniciativas já testadas no setor público, pensadas na academia.
Se Dilma souber construir a síntese, sua Carta aos Brasileiros poderá se constituir no marco zero do novo tempo.
O importante é mostrar as limitações impostas pelo antigo modelo e a utopia a ser perseguida, sem precisar se ater às limitações do dia-a-dia da política.
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