Ouvi, certa vez, da boca de um alto empresário dos “serviços educacionais” em Pernambuco, que gosta de aparecer nas revistas e impressos como o mais novo bilionário brasileiro, que a Constituição Federal de 1988 dispunha sobre a chamada “tutela jurídica” de bens de interesse público, como educação, saúde, segurança pública etc., apesar do Estado não assegurar na prática a efetividade real de tal comando constitucional.
Nunca esqueci essa conversa. E essa lembrança me veio à mente por ocasião da nomeação de um obscuro deputado do DEM para “ocupar” – ainda que interinamente – o Ministério da Educação e Cultura (MEC). As palavras daquele empresário eram, na verdade, um aviso do que estava por vir: ao invés de avançarmos no Brasil com a execução cabal e definitiva da exigência constitucional do financiamento público e estável da educação, ocorreu exatamente o contrário – os grandes grupos privados do mercado de bens educacionais só prosperaram no país, amparados nas parcerias com investidores internacionais e no bom e velho fundo público nacional (BNDES). Agora – no limiar da monopolização desse rendoso mercado (com a possível compra do Mackenzie e da Estácio pelo mesmo grupo empresarial) - busca-se interferir – pasmem – na própria elaboração das diretrizes para a Educação Pública no Brasil, através de prepostos e paus mandados.
Se não fosse assim, como entender as recentes medidas tomadas pelo “ocupante interino” da Educação? – o desmonte do sistema público da Pós-graduação (CAPES), com a limitação neo-taylorista do financiamento público dos Mestrados e Doutorados (a fixação do número de bolsas); a autorização para cobrança de mensalidades escolares nas Universidades Públicas: o esvaziamento do Fórum Nacional da Educação Pública, com a demissão de vários de seus conselheiros; o acolhimento imediato de sugestões fascistas – de um ator pornô e defensor do estupro – destinado a banir do ensino público questões da contemporaneidade, como gênero, orientação sexual, sexualidade feminina e outros. A isso, some-se a extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Aliás, medidas que se afinam perfeitamente com a interinidade e ilegitimidade do atual “ocupante” da própria cadeira presidencial, que denunciam o perfil de todo o ministério de “ocupação”: nepotismo, patrimonialismo, ofensiva contra os direitos e garantias individuais, redução da verba destinada à educação e a saúde, habitação popular, à cultura e às políticas de transferência de renda para os mais pobres...Enquanto a banca, a plutocracia econômica, os especuladores de títulos da dívida pública, os rentistas e agronegociantes vão se dando bem.
Nunca se viu com tanta clareza a natureza das manobras conspiratórias e golpistas que afastaram – temporariamente – a Presidente Dilma Rousseff da cadeira presidencial. Acordo – como já fartamente denunciado – precário, ilegal, ilegítimo, de curta duração, apoiado no preconceito e na revolta da classe média, na grande mídia golpista, na indecisão de certos senadores e no conjunto de interesses subpartidários, subrepublicanos que se lançaram sobre o aparelho de Estado e a administração pública, sem pudor, sem pejo, sem escrúpulos, numa voracidade inaudita, típica de aves de rapina, e na consciência (?) da interinidade.
Se a Presidente Dilma voltar ao seu legítimo e merecido cargo, será urgente e inadiável uma imensa faxina dessa súcia de aventureiros de toda espécie, e a punição exemplar de todos aqueles que tenham se locupletado dos cargos públicos, neste breve estágio de lesa-pátria e lesa-sociedade que experimentaram.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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