Durante o confinamento imposto pela pandemia, fizemos um curso sobre cinema e, num dos capítulos, sua obra foi discutida. Cinema não é bem a nossa praia, mas o mundo do trabalho é uma de nossas preocupações, como cientista político. Não raro, tratamos destes temas aqui pelo blog. Assim, a produção cinematográfica de Ken Louch acabou contribuindo - de forma bastante positiva - para essas nossas reflexões. Não apenas pelas contingências do curso - mas, sobretudo por prazer e identificação - acabamos assistindo a maioria dos seus filmes.
Li uma série de artigos sobre o cineasta, algumas entrevistas, e, no final, produzimos um ensaio sobre a sua obra, muito elogiado pelo professor, que sugeriu ampliá-lo para um livro sobre o autor de Eu, Daniel Blake. Ler e estudar foi uma das coisas boas desse confinamento. Ontem, recebi o link para imprimir o certificado sobre um curso de especialização sobre a América Latina, realizado de forma remota, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Eu, Daniel Blake é uma espécie de obra-prima do cineasta britânico. Narra as agruras de um cidadão que, depois de acidentado, penetra no submundo da assistência social do Estado, que se tornou uma máquina engendrada para subtrair direitos e "dificultar as coisas" sob a perspectiva das políticas neoliberais.
Uma das grandes escolas de Ken Louch foi a sua experiência na BBC de Londres, numa época, segundo dizem, que conviveu com o jornalista brasileiro, Wladimir Herzog, morto nos porões da ditatura miitar instaurada com o golpe civil militar de 1964. Herzog fez um estágio na BBC. Mesmo com a idade já avançada, 76 anos, Ken Louch continua ativo, como um militante de grandes causas, como a crescente e ultrajante condição dos trabalhadores modernos, regidos pelas regras de um sistema atroz, que representa um grande retrocesso civilizatório, ao penalizar o respeito à sua dignidade.
É com este trabalhador que o cineasta britânico se identifica. Agora, por ocasião de sua premiação pelo conjunto de sua obra, outorgada pela Museu Nacional de Cinema de Turim, Itália, durante o Festival de Cinema de Turim, recusou o prêmio, argumentando solidariedade aos trabalhadores daquele museu, promotor do evento, que denunciaram as condições infringidas a eles a partir da terceirização dos serviços de manutenção. Seria algo assim incongruente com aquilo que ele discute em suas películas, de forma crítica. Um contrassenso. Louve-se aqui o trabalho e a coerência do grande cineasta britânico.
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