pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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terça-feira, 22 de julho de 2014

Mariano: Festejar prisões "antecipadas" de ativistas é um "viva a morte"


publicado em 22 de julho de 2014 às 19:08
Patrick Mariano
por Conceição Lemes
Em 11 de julho, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal da cidade do Rio de Janeiro, determinou a prisão temporária de 26 ativistas e a busca e apreensão de dois menores.
O delegado Fernando Veloso, chefe de Polícia Civil, alegou: “Estamos monitorando a ação desse grupo de pessoas desde setembro do ano passado. A prisão delas vai impedir que outros atos de violência ocorram neste domingo [final da Copa do Mundo]”.
Ou seja,  as prisões foram para “garantir a ordem pública”.
“O uso do conceito de garantia da ordem pública  é um cheque assinado em branco para o exercício do poder punitivo”, alerta o advogado Patrick Mariano, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap).  “Baseia-se na presunção, sobretudo. É completamente subjetivo.”
Foi com base nesse conceito que, no Brasil, muitos comunistas foram presos, torturados e mortos entre 1936 até 1975. É também com essa  “justificativa” que,  de 1990 para cá, vários militantes de movimentos sociais  foram presos. E, agora, as  secretarias de Segurança Pública do Rio e a de São Paulo, com o aval de parte do judiciário local, prendem ativistas.
“As  secretarias de Segurança Pública do Rio e a de São Paulo têm desenvolvido uma política caça as bruxas que não faria inveja ao macartismo”, afirma Mariano. “De novo, o conceito de ordem pública cai como uma luva. Essas prisões são autoritárias, arbitrárias e sem respaldo legal. Foram baseadas em ilações e conjectura. A motivação é política.”
“Se alguém festeja a violência e a dor alheia, definitivamente, não é de esquerda”, observa. “Festejar o encarceramento de pessoas antes mesmo da culpa formada é dar um “viva a morte” e um brinde ao falecimento da inteligência. No caso, a inteligência democrática”.
Além de integrar a Renap, o advogado Patrick Mariano é doutorando em Direito, Justiça e Cidadania na Universidade de Coimbra, em Portugal. Segue a íntegra da nossa entrevista.
Viomundo — O que significa prisão para garantia da ordem? 
Patrick Mariano — Para responder, é necessário um breve histórico sobre conceito de “garantia da ordem”. Ele tem origem na Alemanha. Lá, a reforma legislativa nacional-socialista de 1935 fez com que o processo penal alemão incorporasse a permissão para se determinar o encarceramento provisório, com fundamento na excitação da opinião pública provocada pelo delito.
Antes disso, o artigo 48 da Constituição de Weimar [primeira Constituição da Alemanha, vigorou a partir de 1919] conferia ao presidente o poder para suspender total ou parcialmente os direitos fundamentais no caso de constado ameaça grava à ordem pública.
Para Giorgio Agamben [ no livro Estado de  exceção, Boitempo Editorial, 2004, págs 28 e 29] “não é possível compreender a ascensão de Hitler ao poder sem uma análise preliminar dos usos e abusos desse artigo nos anos que vão de 1919 a 1933”.
Essa matriz ideológica e jurídica influenciou o Código Rocco no fascismo italiano e, depois, o nosso Código de Processo Penal de 1941.
Trocando em miúdos: o uso desse conceito é um cheque assinado em branco para o exercício do poder punitivo.
Viomundo –  Em que a Justiça se baseia para prender pessoas  a fim de  garantir a ordem pública?
Patrick Mariano — Em uma presunção, sobretudo. O juiz presume que o acusado seja um perigo à ordem estabelecida ou que sua liberdade ofereça risco à ordem pública; por isso, deve ser encarcerado e, portanto, extirpado do convívio social.  A ideia de ordem aqui utilizada é a do autoritarismo.
Viomundo – Então, é um conceito subjetivo?
Patrick Mariano — É completamente subjetivo. Em 2013, sob a orientação da professora doutora Ela Wiecko,  fiz uma pesquisa na Universidade de Brasília sobre o tema. Analisei 76 anos de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Foram 460 acórdãos estudados. Concluí exatamente que as decisões não se afastam da subjetividade.
Viomundo – É legal a prisão preventiva com vistas à garantia da ordem?
Patrick Mariano — A Constituição da República veda, em meu entendimento, o uso desse conceito para determinar a prisão preventiva de qualquer acusado.
Viomundo – Em São Paulo, os ativistas Flávio Hideki Harano e Rafael  Rafael Lusvarghi estão presos há 29 dias. No Rio, em 11 de julho a Justiça determinou a prisão preventiva de 26 ativistas; vários continuam encarcerados. Essas prisões estariam fora da lei?
Patrick Mariano – São prisões arbitrárias e sem respaldo legal. A motivação é política. Ao que consta são jovens que, embora se possa discordar dos seus métodos de atuação política,  acreditam em um país melhor. Além disso, a prisão foi baseada em ilações e conjecturas. Para isso, a ideia de “ordem pública” cai como uma luva para o arbítrio estatal.
Viomundo – Qual a influência dos secretários de Segurança de São Paulo e Rio de Janeiro nessas prisões? 
Patrick Mariano – Muita influência. A decisão política tomada é a do uso da violência e do autoritarismo para resolução dos conflitos sociais. Em São Paulo, não podemos esquecer do que aconteceu na ocupação do Pinheirinho. No Rio, os exemplos são corriqueiros também. Cabe aqui uma questão: será que após 25 anos de democracia nossos gestores públicos ainda não foram capazes de assimilar a cultura democrática? A impressão que se tem é a de que a ideologia que sustentou o regime militar ainda está muito viva, infelizmente.
Viomundo – Qual o peso do Judiciário nessas prisões?
Patrick Mariano – O Judiciário não deveria se influenciar por manchetes sensacionalistas de grandes jornais afinados com a cultura autoritária. E os discursos de Lei e Ordem, proferidos por alguns gestores públicos, deveriam passar ao longe das decisões judiciais.
No entanto, não é o que se vê. Uma exceção que é preciso ser feita é com relação ao desembargador do Rio que não aceitou esse caldo autoritário e concedeu a liberdade aos ativistas.
Viomundo – Quatro parlamentares denunciaram o juiz Flávio Itabaiana ao  Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O juiz atacou-os.  Ó comportamento do ministro Joaquim Barbosa durante todo julgamento da Ação Penal 470 estaria já influenciando juízes?
Patrick Mariano – Sem dúvida. A ação penal 470 estabeleceu um padrão de violação de direitos fundamentais e reforçou a imagem do juiz justiceiro. Cenas deploráveis como a expulsão de advogado do tribunal, o desrespeito à opinião contrária até mesmo de outros pares e a não aceitação da própria jurisprudência da Corte.
Vou parar de citar exemplos porque a entrevista precisa ter um fim, mas todos esses fatos lamentáveis irradiam para o resto do sistema de justiça. Esse comportamento autoritário do magistrado foi, de certa forma, estimulado ao vivo pela principal Corte do país.
Viomundo — Em que medida?
Patrick Mariano — Os juristas portugueses Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade falam em sociologia da ação jurisdicional. O que é isso? Nada mais do que essa importância das decisões e práticas dos tribunais para o resto do sistema. Seria como aquele efeito concêntrico da pedra jogada na água produzindo ondas.  O que se assistiu foi a irradiação de uma prática autoritária de se julgar e se relacionar com a sociedade.
Viomundo — A justificativa da garantia da ordem é usada habitualmente no Brasil?
Patrick Mariano — Infelizmente, muito. O país apresenta taxas monstruosas de encarceramento provisório (cerca de 40% da população carcerária) em razão da existência, em nosso ordenamento jurídico, do conceito de ordem pública para justificativa da prisão preventiva.
No início do século passado, foi muito utilizado para a expulsão dos estrangeiros que aqui vieram trabalhar. Em razão das greves por melhorias das condições de trabalho, foram taxados de anarquistas e subversivos.
O “medo” das revoltas trabalhistas populares fez com que milhares de estrangeiros fossem expulsos, sem justifica concreta, somente porque seus ideais representariam risco à ordem pública (Lei Adolfo Gordo).
Mas foi com o Código de Processo Penal feito por Francisco Campos em 1941, que o conceito passou a servir como “justificativa” para a prisão preventiva. O objetivo era o de arrefecer os ideais comunistas.
Com isso, muitos comunistas foram presos, torturados e mortos entre 1936 até 1975. O Decreto-Lei n. 640, de 22 de agosto de 1938, estabeleceu a criação de Colônia Agrícola no arquipélago de Fernando de Noronha, “destinada à concentração e trabalho de indivíduos reputados perigosos à ordem pública”.  Por lá estiveram Marighela e Gregório Bezerra.
De 1990 para cá, muitos militantes de movimentos sociais foram presos com essa “justificativa”. Agora, a Secretaria de Segurança Pública do Rio e a de São Paulo, com o aval de parte do judiciário local, têm desenvolvido uma política caça as bruxas que não faria inveja ao macartismo. De novo, o conceito de ordem pública cai como uma luva para essas prisões autoritárias.
Viomundo — Essa prática viola o Estado democrático de direito?
Patrick Mariano — Sim, sem dúvida. Entre 1945 e 1950 se procedeu a uma reforma nas leis alemãs e essa permissão para se prender quem colocasse em risco à ordem pública foi retirada do sistema jurídico.
Ou seja, a base que formou a “racionalidade” jurídica desse instituto soçobrou há 64 anos e ainda, por aqui, continuamos a utilizá-la. Claro, estamos aqui a falar de exercício de poder sem limitações, por isso a tentação autoritária ainda reside entre nós, infelizmente.
Viomundo — Quem se beneficia dessa medida?
Patrick Mariano — Juízes, políticos, secretários de segurança, representantes do ministério público e delegados que não se sentem constrangidos no uso do poder punitivo sem controle. Ao contrário.  Sentem verdadeira pulsão punitiva, mesmo que para tanto seja preciso desrespeitar a Constituição da República.
Nos dias de hoje, temos alguns arautos dessa onda autoritária em que se busca inimigo imaginário, para justificar ações violentas e o achincalhe aos direitos fundamentais. Essa ideia de inimigo, colada à construção do medo, sempre justificou ações violentas e arbitrárias por parte do poder político.
Os novos “inimigos” da ordem são jovens que, embora se possa discordar de seus métodos políticos, querem um país melhor. Assim como o “medo” dos traficantes é usado como justificativa para ações estatais criminosas nos bairros mais pobres.
Se o nosso regime é uma democracia, quem coloca em risco a ordem democrática são os arautos do autoritarismo e não esses pobres jovens idealistas.
Viomundo — Qual o risco dessa prática para a democracia?
Patrick Mariano — O risco é de não conseguimos alcançá-la com plenitude enquanto for possível prender alguém com base no conceito de ordem pública.
Viomundo — Tem gente, inclusive de esquerda, festejando essas prisões. O que acha disso?
Patrick Mariano — Se alguém festeja a violência e a dor alheia, definitivamente, não é de esquerda.
Lembro de um clássico diálogo relatado por Paul Preston em “Las tres Españas del 36″, em que José Millán-Astray y Terreros, militar da extrema direita espanhola foi trucidado moralmente por Miguel de Unamuno, na Universidade de Salamanca, em 1936.
Unamuno era reitor da universidade e, em certa solenidade, foi interrompido por Millán e sua legião aos gritos de “Viva a morte” e, depois “morra a inteligência”. Ao que Unamuno responde:
Venceredes, pero non convenceredes. Venceredes porque tedes sobrada forza bruta; pero non convenceredes, porque convencer significa persuadir. E para persuador necesitades algo que non tedes: razón e dereito na loita. Paréceme inútil pedirvos que pensedes en España.
 Festejar o atual estado das coisas no Brasil, em que se encarcera antes mesmo da culpa formada, é dar um “viva à morte” e um brinde ao falecimento da inteligência.  No caso, a inteligência democrática.
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(Publicado originalmente no site Viomundo)

Michel Zaidan Filho: Estado de Exceção Permanente

 


                                  Há um consenso entre os especialistas em relações internacionais sobre o permanente estado de natureza (existente) entre os Estados Nacionais soberanos que  constituem o sistema da ONU. E mais ainda, de que o fim do socialismo real e da ex-União Soviética  produziu uma assimetria ainda maior no poder e na autonomia desses estados-membros.  Existem nações que se submetem ao direito internacional e ao Tribunal Penal Internacional. Outros, não. E alegam que o "direito de sobrevivência" se sobrepõe a qualquer lei ou preceito jurídico internacional. Se vivêssemos num mundo governado pela "Paz Perpétua" - animada pela universalização das trocas entre as nações - como queria Kant, não haveria com que nos preocuparmos. Infelizmente, vivemos no pior dos mundos possíveis, onde as famigeradas "razões de Estado" justificam todo tipo de agressão, invasão, carnificina, genocídios e massacres de civis, haja vista a derrubada de um avião pelos separatistas ucranianos e a mortandade de vítimas civis palestinas pelas  tropas israelenses. O Direito Internacional, o Tribunal Penal Internacional e a ONU não podem conviver com esse espetáculo de violação e desrespeito aos direitos humanos universais que ora presenciamos.
                                    Os alemães, do tempo de Hitler, criaram uma expressão chamada "lebenhause", que significa "espaço vital". As nações que unificaram ou foram criadas tardiamente, encontraram o mundo dividido entre as grandes potências coloniais (EUA, França, Inglaterra). Os países de desenvolvimento capitalista tardio tiveram que encontrar espaços para se expandir através da guerra e da expropriação territorial dos vizinhos. É o que acontece com a criação do Estado de Israel, em território palestino, rodeado de árabes por  todos os lados. A decisão dos vitoriosos da 2ª Grande Guerra - com um voto de  minerva de um brasileiro - de  assentar os judeus na Palestina, baseada na pretensão bíblica de que as terras pertencem por direito aos israelitas, provocou uma instabilidade permanente nas relações internacionais e no Oriente Médio. E aqui é preciso distinguir Judaísmo e Sionismo. O primeiro é uma cultura milenar de um povo que se julga escolhido por Deus. Já o segundo é um projeto político destinado à consolidação e expansão do poder dos judeus. É possível aceitar a existência do Judaísmo sem ser sionista. E há muitos judeus que combatem o sionismo como uma ideologia de Estado.
                                     0 que vem ocorrendo na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e na Palestina como um todo é a concretização do projeto sionista em busca do "espaço vital". Além de ocuparem militarmente esses territórios e impedirem que os palestinos - moradores antigos da região - possam ter uma vida normal, os judeus sionistas resolveram invadir - com artilharia e força aérea pesada - a faixa de Gaza. Já mataram mais de 500 palestinos, muitos crianças, velhos e mulheres. Bombardearam hospitais, escolas, prédios públicos. E tudo isso como retaliação pela porte de três adolescentes judeus pretensamente assassinados por militantes palestinos. Naturalmente, tudo isso parece um mero pretexto para a agressão genocida ao povo palestino destinada a justificar a invasão e anexação ilegal dos territórios palestinos, onde fica o mar e outras fontes de água. A próxima escalada é o Líbano, onde se diz que o Hamas vem disparando mísseis que até  agora mataram 20 judeus!  Esta  é uma equação sinistra. A morte de ninguém justifica tal massacre de inocentes e indefesos. Aplica-se aos palestinos a famosa frase que a filósofa judia Hanna Arendt aplicou ao seu próprio povo: os palestinos não têm mais lugar na História, tornaram-se supérfluos e podem ser eliminados, pois ninguém se importa com eles.
                                    Como neto de "sírios-libaneses", republicano e socialista, não posso deixar passar essa ignominia praticada contra povos árabes indefesos e  tutelados militarmente pelo Estado de Israel. Trata-se agora do "Shoan" dos palestinos e do repúdio da opinião pública internacional a essa carnificina ignóbil e desumana.


Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco

sexta-feira, 18 de julho de 2014

O escritor brasileiro, João Ubaldo Ribeiro morreu no Rio de Janeiro


Um dos maiores nomes da literatura brasileira, que venceu em 2008 o Prémio Camões, morreu nesta sexta-feira, aos 73 anos.
O escritor fotografado em 2000 ADRIANO MIRANDA



O escritor João Ubaldo Ribeiro morreu nesta sexta-feira, aos 73 anos, na sua casa no Leblon no Rio de Janeiro, divulgou o jornal O Globo onde era cronista. O prémio Camões 2008 sofreu uma embolia pulmonar durante a noite. Autor de uma obra vasta, que engloba as culturas portuguesa, africanas e brasileira e com um alto nível literário, considerava-se discípulo de Jorge Amado. Os romances Sargento Getúlio Viva o Povo Brasileiro são já considerados clássicos. Para o seu editor português, Nelson de Matos, era " um dos mais exímios manipuladores da língua portuguesa".
Neto e sobrinho de portugueses de Fafe, João Ubaldo Ribeiro nasceu na ilha de Itaparica, em 1941, viveu um ano em Lisboa, em 1981, graças a uma bolsa concedida pela Fundação Gulbenkian. Poliglota, estudou e formou-se nos Estados Unidos, Alemanha e França, era mestre em Ciências Políticas e também membro da Academia de Letras do Brasil desde 1993.
Quando lhe foi atribuído o Prémio Camões, o júri, que deliberou por maioria, era presidido por Ruy Espinheira Filho (escritor, jornalista e professor da Universidade Federal da Bahia) e incluía Maria Lúcia Lepecki (professora na Universidade de Lisboa), Maria de Fátima Marinho (professora na Universidade do Porto), Marco Lucchesi (professor na Universidade do Rio de Janeiro), João Melo (poeta e jornalista angolano) e Corsino Fortes (presidente da Associação de Escritores Cabo-Verdianos). Na sua decisão teve em consideração "o alto nível da obra literária de João Ubaldo Ribeiro, especialmente densa das culturas portuguesa, africanas e dos habitantes originais do Brasil", lia-se na acta. 
Depois de uma infância marcada pelos estudos literários orientados pelo pai, João Ubaldo Ribeiro estreia-se aos 16 anos como jornalista no Jornal da Bahia, ainda antes de ingressar no curso de Direito, licenciando-se numa profissão que nunca chegará a exercer. Na universidade, toma parte nos movimentos literários estudantis, mas só em 1963 escreve o seu primeiro romance, Setembro não Faz Sentido (já depois de ter assinado vários contos), livro que seria editado dois anos volvidos, com o patrocínio de Jorge Amado.

Seguem-se Sargento Getúlio (1971), obra que lhe valerá a atenção da crítica e que viria a ser editado nos EUA oito anos depois. Sar­gento Getúlio, que rece­beu o Prémio Jabuti para autor-revelação e que a crítica con­siderou ser herdeiro do mel­hor de Gra­cil­iano Ramos e de Guimarães Rosa, espan­tosa­mente só teve a primeira edição em Por­tu­gal no final de 2010. “É um livro que está aí há uns 40 anos e até hoje é pub­li­cado. Então, em alguma coisa eu acertei”, disse João Ubaldo Ribeiro quando participou na Festa Literária Internacional de Paraty, em 2011.
Essa divertida sessão na Festa Literária Internacional de Paraty foi conduzida por outro escritor brasileiro, Rodrigo Lacerda, que por email, pouco depois de saber a notícia, disse ao PÚBLICO que o autor de O Albatroz Azul era "um dos poucos escritores de talento excepcional" com quem conviveu directamente. "Mas, além do talento, sempre foi um modelo de artista para mim, pois era um homem capaz da mais alta erudição e, ao mesmo tempo, muito simples, que não via a literatura como o território do esnobismo, vício profissional infelizmente muito comum. Generoso com o leitor, portanto."
 "Era talvez o único escritor que, hoje, no Brasil, mantinha viva a tradição barroca, a que na minha opinião melhor explora as riquezas plásticas e sonoras da nossa língua. Se me tornei escritor, foi por causa dele, ao ler Viva o Povo Brasileiro aos 15 anos. Esse ano comemoraríamos os 30 anos de publicação do livro, para o qual eu e o poeta Geraldo Carneiro escrevemos pequenos textos de apresentação (como se precisasse....). A edição comemorativa tinha lançamento marcado para Outubro/Novembro", acrescentou o autor de Outra Vida (editado em Portugal pela Quetzal).
Um dos grandes amigos de João Ubaldo Ribeiro, o escritor brasileiro Rubem Fonseca, prémio Camões 2003, autor de Agosto (ed. Sextante), do Brasil, através da sua filha a jornalista, escritora e editora Bia Fonseca do Lago, fez uma curta declaração ao PÚBLICO: "Estou sofrendo muito, é como se tivesse perdido um irmão." 
João Ubaldo Ribeiro "renovou a literatura brasileira", disse ao jornal O Globoo presidente da Academia Brasileira de Letras, Geraldo Holanda Cavalcanti. E com Sargento Getúlio "inaugurou uma nova etapa do romance brasileiro". Alguns dos seus livros foram sucessos internacionais. Quando lhe foi atribuído o Prémio Camões, o presidente do júri destacou Viva o Povo Brasileiro como o seu "livro principal". Foi publicado em 1984. O romance é passado na ilha natal de Itaparica e percorre quatro séculos da história do Brasil. Numa entrevista que deu ao PÚBLICO, Ubaldo Ribeiro aconselhava quem não conhecesse a sua obra a começar por Viva o Povo Brasileiro – porque, dizia, tem "a ver com a colonização portuguesa, com o inter-relacionamento" dos dois povos e – parodiando os livros tradicionais de História do Brasil – narra ironicamente a luta contra o chamado "opressor português": "Era assim que nós aprendíamos na escola do meu tempo : 'O opressor lusitano foi vencido...'"
Em 1996, foi responsável pela adaptação para o cinema do romance de Jorge Amado Tieta do Agreste, e três anos depois publica A Casa dos Budas Ditosos, que obtém enorme sucesso de vendas e é rapidamente traduzido para várias línguas. Quando A Casa dos Budas Ditosos (sobre a luxúria e escrito no feminino) foi publicado em Portugal, houve uma pequena polémica. Duas cadeias de hipermercados (Continente e Jumbo/Pão de Açúcar) não o quiseram vender. Estávamos em 2000, e o livro acabou por vender na época mais de 13 mil exemplares em cerca de dois meses. 
Em Portugal a sua obra está publicada nas Edições Nelson de Matos. Para o seu editor português, Ubaldo era "um dos mais exímios manipuladores da língua portuguesa". "A sua grande imaginação e criatividade linguística enriqueceu a nossa língua com um vocabulário muito próprio." Nelson contou ao PÚBLICO que na semana passada recebera um email do escritor perguntando-lhe pela sua saúde. "Esta morte foi para mim, portanto, totalmente imprevisível. A surpresa é enorme. Quando um escritor como ele desaparece, uma parte de nós fica mutilada. Restam-nos os seus livros e a vida que ele deixou lá dentro", acrescenta.
O editor lembra também que, quando João Ubaldo viveu em Portugal, ficou amigo dos nossos maiores escritores portugueses, entre eles José Cardoso Pires e Almeida Faria. Este também recorda o amigo ao PÚBLICO: "Nunca ninguém me fez rir tanto como ele."

PSDB é direita pura.

Que o governo do PT deu uma guinada maior ainda, para a direita, é inegável. Mas digamos que o governo Lula/Dilma faz parte, hoje, daquela corrente que podemos chamar de ala direita da social-democracia - a ala esquerda fica por conta do PSOL (é bom lembrar que, foi na Alemanha da República de Weimar, que era social-democrática, que dois grandes intelectuais de esquerda, Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht foram assassinados. Não esquecer que, no momento, a nossa república tende à criminalização dos movimentos sociais), enquanto o PSDB de Aécio nem à social-democrata chega, senão exclusivamente no nome. É direita pura no campo político e ultraliberal na área econômica. Não foi à toa que Bresser Pereira abandonou esse partido cuspindo fogo e declarando com todas as letras: PSDB TRANSFORMOU-SE NA DIREITA BRASILEIRA.

Fernando Magalhães, professor da UFPE, hoje, 18/07, em seu perfil na rede Facebook



Pesquisa Datafolha: Quatro fatores indicam que campanha presidencial será duríssima

Quatro fatores indicam que campanha presidencial será duríssima

publicada sexta-feira, 18/07/2014 às 11:00 e atualizada sexta-feira, 18/07/2014 às 11:56
Do Escrevinhador
Os resultados da pesquisa Datafolha, divulgada no Jornal Nacional, animou apoiadores da presidenta Dilma, que voltam a sonhar com a vitória no primeiro turno. Dilma ficou com 36% das intenções de voto, recuperando pontos em comparação aos últimos levantamentos.
Aécio está com 20%, Eduardo Campos com 8% e Pastor Everaldo com 3%. No entanto, a leitura dos dados da pesquisa com 5.377 eleitores nos dias 15 e 16 de julho não apontam para facilidades para a petista.
O primeiro sinal é o resultado do levantamento sobre o segundo turno. Dilma tem 44% das intenções de voto, contra 30% de Aécio. É um empate técnico, considerando que a margem de erro é de 2%.
O segundo elemento é a rejeição. Mais de 1/3 do público da pesquisa (35%) não admite votar na presidenta, enquanto apenas 17% rejeitam Aécio e, 12%, Eduardo Campos. Ou seja, no decorrer da campanha, ambos vão subir.
O terceiro fator é o nível de conhecimento dos candidatos. Ainda não está disponível o relatório completo da pesquisa, mas a anterior aponta que Dilma é conhecida por 99%.
Aécio é conhecido por 81%, enquanto 64% conhecem Campos, de acordo com pesquisa do Datafolha divulgada no dia 3 de julho.
Esses números indicam que existe uma margem maior para Aécio e Campos crescerem, já que parte do eleitorado não os conhece.
Em relação a Dilma, o desafio será transformar a avaliação regular do governo, em torno de 40%, em votos pela continuidade. A avaliação de bom/ótimo e ruim/péssimo da gestão Dilma está em torno de 30%, que correspondem à intenção de voto e à rejeição de petista. O que está em aberto para as eleições é o voto daqueles que avaliam esse governo como “na média”.
O quarto indicador de precaução é o contingente de indecisos, que está em 14%, que pode pender para qualquer lado, assim como a intenção de voto branco ou nulo, que pode mudar durante a campanha.
O empate entre Dilma e a soma dos rivais na eleição resgatou a esperança de vitória no primeiro turno, no entanto, esses fatores indicam que a disputa está em aberto.
A campanha será duríssima e dificilmente será resolvida em apenas um turno. Basta rememorar que em 2002, 2006 e 2010 a disputa foi resolvida no segundo turno, o que demonstra que o Brasil é um país dividido.

(Publicado originalmente no site O Escrevinhador)

"Prisões 'antecipadas', o ataque mais sério à democracia em 20 anos"

publicado em 17 de julho de 2014 às 20:26

debate criminalização 1
O Neofascismo 
por Ricardo Antunes, Jorge Souto Maior,Maria Lucia Cacciola,Lincoln Secco e Luiz Renato Martins, via er-mail
As prisões “antecipadas” de pessoas que supostamente fariam parte de um protesto (aliás, legítimo) na final da copa do mundo são o ataque mais sério e preocupante à democracia nos últimos 20 anos.
O fascismo já foi uma forma de cesarismo regressivo de base policial. Mas ele pode assumir muitas formas e até mesmo prescindir de uma liderança carismática e do partido único. No caso brasileiro, vivemos numa democracia racionada, o que implica aceitar um teor de fascismo, de entulho ditatorial e de práticas policialescas que só se integram ao sistema legal mediante o malabarismo retórico das “autoridades”.
A violação da língua e a mentira sem o rubor nas  faces são a primeira manifestação fascista. A ela segue-se o “humor negro” que rejeita os miseráveis e os oprimidos. É indigno ler nas redes sociais os comentários contra manifestantes: “Quem mandou ir à manifestação?”. “Mas ele não carregava uma bomba?”. “O sujeito estava até vestido de mulher”. A expressão “humor negro” não deve nos confundir. Ela é o que diz: humor contra os negros.
Uma das pessoas presas recentemente é a professora Camila Jourdan.  Foi presa pela polícia sem nenhum fato que a apontasse como membro de associação criminosa. Sua prisão é apenas um acinte às leis, à Democracia ou apenas à ideia de civilidade. É óbvio que alguns mais atentos dirão que milhares de pessoas são presas injustamente e que são pobres etc. Nada disso nos deve confundir. Os fascistas também usam argumentos de esquerda. Camila foi presa porque representa mais do que ela mesma. Ela luta por todos nós.
Que não se queira concordar com o teor dos protestos que animam os novos movimentos sociais desde junho de 2013 até se pode compreender. Mas que se aceite que haja prisões políticas é plenamente inadmissível.
Comentários sobre “provas”, legalidade e ofensas anônimas em sítios progressistas ou não, apenas revelam o quanto a Ditadura Militar destruiu a cultura política e distorceu as mentes de muitas pessoas de esquerda ou de direita. Mas elas também serão vítimas do Estado Policial e se mantida a conivência no futuro não haverá ninguém para defendê-las.
Diante do fascismo, travestido ou não, inexiste transigência. Os que apoiam a prisão de Fábio, Celso, Camila, Sininho e muitos mais só merecem o repúdio.
Ricardo Antunes, Professor Titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp 
Jorge Souto Maior, Professor Livre Docente da Faculdade de Direito da USP
Maria Lucia Cacciola, Professora da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP
Lincoln Secco, Professor Livre Docente da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da  USP
Luiz Renato Martins, Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP

(Publicado originalmente no site Viomundo)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Quem dera que amássemos tanto a educação quanto o futebol.


As manifestações populares de Junho/Julho de 2013 pareciam indicar que o país havia acordado para a necessidade de construir uma nova agenda pública. Logo, os governantes de todos os matizes ideológicos saírem a campo para anunciar que iriam atender as legítimas reivindicações da população. As mobilizações arrefeceram e, de concreto, nada foi feito deste então que pudesse mudar substantivamente o quadro dos indicadores sociais na área de saúde, mobilidade, educação, salvo alguns avanços, como a aprovação do PNE, que garante a ampliação de verbas para o setor de educação. Muito bem formulada uma questão levantada pelo professor Michel Zaidan, em artigo publicado no blog, dias antes do início da Copa do Mundo de Futebol de 2014: Quais as bandeiras que estaríamos levantando? Em nenhum outro momento no país, os brasileiros haviam promovido uma mobilização tão intensa, cuja agenda indicava uma preocupação com as políticas públicas de educação. Mais uma vez, perdemos a Copa e, lamentavelmente, nos desmobilizamos em torno de agenda tão importante para país. Muito mais importante que o futebol. As cenas divulgadas pelas redes sociais no dia de hoje, que mostram alunos da rede pública do município de São José do Egito, no sertão pernambucano, sendo transportados numa carroça puxada por um jumento dão a dimensão do problema.

Prefeito interino de Petrolina exonera todos os secretários de Lóssio

 


Vá entender essa nossa política tupiniquim. Com problemas de saúde, o prefeito de Petrolina, Júlio Lóssio pediu licença do cargo para submeter-se a tratamento. Candidato a Deputado Estadual nas próximas eleições, o vice, Guilherme Coelho, declarou-se impedido de assumir o cargo. Na linha sucessória, o presidente da Câmara de Vereadores, Osório Siqueira, antes apresentado como sem partido, mas hoje vinculado ao PSB. Seu primeiro ato foi exonerar um dos filhos de Lóssio, que ocupava uma pasta naquela prefeitura. Em solidariedade, todos os demais secretários entregaram o cargo, de imediato, aceita pelo interino. O cara vai passar apenas 60 dias no cargo, afirma que seguirá as diretrizes da gestão anterior e toma uma medida dessas, até certo ponto desrespeitosa com a gestão do peemedebista que se encontra doente.

Políticos querem ressuscitar a figura de Miguel Arraes. Não cola. O velho era único.

 

Arraes, infelizmente, não deixou herdeiros na política. Certamente não era nenhuma unanimidade - conheço alguns colegas que apontam alguns equívocos em sua postura, mas, mesmo esses, não deixam de reconhecer suas qualidades como homem público que honrou com dignidade a função, desenvolveu políticas de inclusão social importantes para parcelas significativas da sociedade pernambucana, defendeu com brio os valores da democracia, além de ser um nacionalista convicto. Volto a repetir, não deixou herdeiros na política, nem mesmo entre a sua nucleação familiar. Confesso meu grande respeito pelo Dr. Miguel Arraes, figura que aprendi a admirar ainda criança, como aquele político que olhava pelos mais humildes. Essa admiração não mudou uma vírgula ao longo dos anos. Em 2006, o "Galeguinho" apresentou-se às urnas como o seu herdeiro, realizando uma campanha modesta, visitando, depois de eleito, a Ilha de Deus, uma zona de exclusão social do Recife. Naquele momento, emblematicamente, passava a ideia de que a "sensibilidade social" seria um dos motes do seu Governo. Logo, levado pelas contingências e ambições pessoais, seguiria outros rumos. Não preciso me alongar muito sobre o assunto. É suficiente observar os indicadores de IDH do Estado, que caíram durante o seu Governo. Agora aparece um "engomadinho", cevado no Campo das Princesas, candidato ao Governo, apresentando-se às urnas como seu "neto", adotando um discurso nos moldes da luta de classes, invocando a figura do bom e mal patrão ou, mais precisamente, entre capital e trabalho. Isso não tem mais cabimento por uma razão simples: Nessas eleições, a rigor, em Pernambuco, por inúmeras razões, esse discurso não cola. Colava numa época em que o Dr. Arraes representava, de fato, o trabalhador rural - com eles identificados até a medula - e o outro lado era representado por usineiros à semelhança de um Múcio Monteiro, hoje um aliado de primeira linha do staff político hegemônico do Palácio do Campo das Princesas. É por essa e outras razões que percebe  a ausência de um discurso político convincente do candidato.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

A violência na Paraíba começa a atingir os políticos. Será que agora muda?


Há alguns fatos surpreendentes sobre a violência no Estado da Paraíba.É como se, surpreendentemente, um Estado - aparentemente calmo - fosse sacudido por uma onde de violência inimaginável, colocando a sua capital - João Pessoa - como uma das cidades mais violentas do Brasil, sobretudo sua periferia, aqui representada pelos bairros de Valentina, Mangabeira, entre outros. Em apenas um anos, os índices de homicídio aumentaram em 286%. Evidentemente que, salvo em casos excepcionais, a violência não explode do dia para a noite. Havia algo de podre naquela aparente tranquilidade. Bairros como Varadouro, na cidade velha, transformaram-se em verdadeiras cracolândia. A Feira de Oitizeiros, realizada aos domingos, continua comercializando armas, como quem comercializa bananas. Algumas pousadas do centro, em razão da decadência, transformaram-se verdadeiros puteiros, desses que o caboclo só conta com um caneco d'água para lavar o pinto depois de usado. Não se pode elencar essas questões como sendo as causas das eclosão da violência naquela Estado., embora, de algum modo, elas possam ser associadas. A situação é bem mais complexa, como a ausência de de políticas públicas permanentes, no sentido de enfrentar os elementos desencadeadores da violência, como os baixos indicadores sociais, entre outros tantos fatores. Mas, discutir as causas da violência no Estado da Paraíba não é nossa proposta, dada a complexidade do assunto. O que nos vem à mente quando se fala no assunto é, na realidade, as suas consequências, como o assalto recente do qual foi vítima o ex-prefeito da capital, Luciano Agra. Agra e família foram assaltados em Santa Rita, ao tomarem uma estrada vicinal, dadas as condições precárias das vias tradicionais. Estava com a filha, o genro e a secretária de meio ambiente da capital. Pouco tempo depois do assalto, teriam sido abordados pelos mesmos bandidos que, ao identificarem as vítimas, os deixaram em paz. Segundo informações obtidas pelo blog, os assaltantes eram jovens, de, no máximo, 18 anos de idade. Informações obtidas com nossos contatos no Estado, dão conta que, hoje, Santa Rita é abrigo dos mais perigosos assaltantes do Estado. Lamentavelmente, um local que deve ser evitado. Infelizmente, é a nossa realidade. A Zona da Mata de Alagoas está entregue à bandidagem e aos grupos de extermínio. É uma aventura conhecer a terra dos quilombos. Cidades como Palmeiras dos Índios, Viçosa, Quebrangulo, União dos Palmares apresentam um alto índice de violência, atingindo, sobretudo, a população de adolescentes negros. Frequento João Pessoa já faz algum tempo. Felizmente, nunca fui vítima desse tipo de abordagem. Não deixarei de frequentá-la, apreciar seus encantos, tomar um chopp na orla de Tambaú, frequentar seu mercado de frutas, sua peixaria, comer aquela tapioca em algum quiosque próximo ao Hotel, almoçar no Mangai, tomar um sorvete de cachaça na Ponta dos Seixas. Até mesmo a região do Brejo Paraibano já não é tão tranquilo, exigindo-se alguns cuidados. Não se pode apreciar aquela culinária regada a carneiro gordo, cuscuz e um café bem forte, em qualquer boteco.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Michel Zaidan: A hora soturna dos ruminantes




                              Em sua obra "Saturno nos Trópicos", o escritor judeu-comunista trata do temperamento (e do estilo) melancólico no Brasil. 0 temperamento saturnino é aquele que rumina os cacos da catástrofe, os rastros da destruição, para ressignificá-los e dá um novo sentido a eles. O tempestade futebolística que se abateu sobre nós, com vários embates e duas derrotas consecutivas, foi muito proveitosa para a FIFA e a CBF que vai receber 44 milhões de prêmio da primeira. A humilhante campanha da Seleção Brasileira na Copa do mundo podia ser objeto de uma ampla reestruturação da organização e gestão do desporto profissional no Brasil. Reforma que deveria caminhar a par da reforma do sistema (e da cultura)  política entre nós. 0 nosso país é um lugar onde a roubalheira organizada compensa, mesmo que milhares de pessoas sofram, passem fome ou chorem. 0 sistema legal funciona como uma fachada, que pune os miseráveis e protege os mais ricos, fortes e poderosos.
                              Passado  o vendaval,  é preciso voltar à realidade e prestar atenção ao que vem se passando à nossa volta: a invasão por terra do Estado de Israel aos territórios ocupados onde vivem os palestinos da faixa de Gaza, em condições sub humanas. Quanto vale a vida de três adolescentes judeus? A vida de 200 palestinos (incluindo crianças, velhos e mulheres) e várias centenas de feridos? Por que ninguém se importa com a vida dessas vítimas indefesas nos territórios já ocupados pelo Estado judeu? - Aplica-se a elas a frase da filósofa judia Hanna Arendt: são pessoas que já não têm lugar no mundo, são supérfluos e descartáveis. Quem ainda se  comove ou se preocupa com a imagem das crianças queimadas, feridas, destroçadas pelo armamento pesado das tropas israelenses? - Acham que a partida final da Copa do Mundo é mais importante do que a sorte dessas vítimas indefesas e inocentes? - O que não se sabe é a censura (ou auto-censura) dos telejornais, agencias de notícias e das próprias redes sociais das denúncias contra os gastos da Copa, as manifestações de rua e o massacre do povo palestino.
                              Se essa é a hora dos ruminantes, como diz o romance de J.J. Veiga, então vamos ruminar criticamente os falsos alicerces da nossa cotidianeidade e incorporar a dor (e a condenação moral) dos que sofrem, seja no Brasil - pelo mau uso dos recursos públicos, pela corrupção do sistema político-esportivo e a repressão ao seu direito de protestar - e fora do nosso país. As crianças, as mulheres e os idosos mortos e feridos pelas tropas de Israel são os nossos mortos também.
PS. Merece  registro as medidas de exceção que estão sendo tomadas pelo estado brasileiro contra os manifestantes e críticos dos gastos da Copa. Há uma estranha jurisprudência adotada pela polícia contra crimes "presumíveis", advinhados pelas autoridades policiais. E onde fica o direito constitucional à presunção de inocência?

(Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

É assim que se faz política na cidade das chaminés

 


É do negócio, meu filho. Normalmente essa é a resposta dos capitalistas em transações que envolvem dinheiro. A frieza do capital não conhece emoções. Outro dia fiz um longo comentário aqui sobre as práticas políticas na minha cidade, Paulista, onde nasci, cresci junto aos rios e matas ainda virgens, de uma infância inesquecível. Nunca transferi meu título de eleitor da cidade. Em todas as eleições, cumpro aquele ritual conhecido, acordo, tomo aquele banho, troco de roupa, pego o título e dirijo-me à cidade para votar. Voto sempre numa zona que fica localizada no antigo politécnico, próximo ao terminal de integração, onde aproveito para matar as saudades das frondosas paineiras preservadas. Em todos esses anos, salvo em relação aos candidatos majoritários que disputavam a Presidência da República ou o Governo do Estado, nunca dei um voto com muita convicção. Na contingência de não anular o voto, indicava aquele que pudesse ser menos ruim para gerir os destinos do município. Nas últimas eleições, disposto a participar ativamente do debate sucessório, abrimos um grupo de discussão no Facebook com esse propósito. Cobramos insistentemente pelos programas de Governo dos candidatos, abrindo links para propostas de educação, saúde, moradia, mobilidade, intervenções urbanas, meio-ambiente etc. Não tornou-se possível darmos continuidade ao debate porque não havia o que debater, ou seja, os postulantes, de todos os quadrantes ideológicos, ignoraram o espaço, aberto num dos mais eficientes e atuais meios de diálogo com o eleitorado, as mídias sociais.São por esses e outros motivos que as coisas nunca mudam. No caso do selecionado brasileiro, por exemplo, há quem esteja sugerindo uma ruptura completa, uma tragédia, do tipo uma não classificação para a Copa de 2018, algo suficiente para varrer de uma vez todos os enclaves de interesses escusos que orientam as decisões sobre a seleção brasileira. No caso de uma cidade com práticas políticas como a nossa, já não sei mais o que propor. Outro dia se especulou uma decisão das autoridades do judiciário eleitoral indicando a cassação do atual prefeito. Pela primeira vez, saí em sua defesa. Trata-se apenas de uma peça da engrenagem enferrujada, corrupta, obsoleta, patrimonialista, clientelista, entranhada na máquina pública do município desde de sempre. Antes que nos condenem, quero afirmar que esse não é um problema exclusivo da minha cidade. Não custa lutar, entretanto, para que ela se torne, de fato, uma cidade, um espaço público, de corte republicano, cuja gestão esteja a serviço do atendimento das demandas do cidadão e não de grupos de interesses. Os últimos episódios são hilariantes. a) Uma firma contratada pela Prefeitura da Cidade para prestar serviços de limpeza pública entregou uma frota de caminhões, apresentados como se fosse uma aquisição da própria edilidade municipal. Houve uma licitação de prestação de serviços públicos. Os caminhões não são da frota da Prefeitura; b) Há muito tempo se reclamava sobre a ausência de fardamentos do alunado da rede municipal de ensino. Um problema que 10 anos de gestão neo-socialista - mesmo com a sua decantada eficiência - não conseguiu equacionar. Estamos entrando no segundo semestre do ano e só agora o problema teria sido resolvido, com algumas entregas simbólicas, realizadas em escolas escolhidas sob medida. Mas o enredo ainda pode ficar pior. O prefeito fez questão de fazer a entrega ladeado de um ex-secretário, hoje vereador, e possível candidato a Deputado Estadual. Mesmo considerando-se a passagem do dito vereador pela Secretaria Municipal de Educação, vejo nisso alguns problemas. Uso da máquina em favor de candidato do seu grupo político; É assim que se faz política na cidade das chaminés. Infelizmente.