pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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terça-feira, 12 de julho de 2016

Editorial: Lula no Recife: Se o Brasil não melhorar, eu volto em 2018.


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Parece não haver dúvidas de que Lula é um homem que não foge às adversidades que a vida lhes impõe. Sobreviveu há algumas delas, ainda quando criança, nascido em uma família pobre, aqui  do agreste pernambucano. Depois, vieram as agruras da cidade grande, a militância sindical, a prisão ainda nos estertores do regime militar e, agora, a sanha miserável dos executores do golpe parlamentar em destruir sua imagem pública, pois trata-se de um ator político que ainda é capaz de mobilizar multidões. Ah, já ia esquecendo, sobreviveu a um câncer também. Lula sobrevive a tudo. A todos. Adversidades, como disse, ele sabe enfrentá-las. 

No epicentro das parafernálias midiáticas e jurídicas com o propósito de conduzi-lo coercitivamente para depor - para protegê-lo, de acordo com aquele juiz do Paraná - ele teria declarado ao amigo Rui Falcão, presidente nacional do PT, que a sua prisão - se era isso que eles desejavam - não seria problema. Ele já havia sido preso antes. Em sua visita ao Estado de Pernambuco, o mesmo Lula de sempre, ou seja, repleto de otimismo e aquelas "tiradas" que o caracterizam como um dos fenômenos de comunicação com o público. Política é como uma cachaça boa. Quando se toma o primeiro gole, não se quer parar mais. 

Questionado sobre uma eventual candidatura nas eleições presidenciais de 2018, ele sapecou que, se o Brasil não melhorar, ele poderá voltar em 2018. Apenas se o Brasil não melhorar, frisou, como quem torcesse que o governo interino encontra o rumo certo na condução do país. Será?Há quem informe que Lula tenta descolar-se da imagem de mentor político da presidente afastada, Dilma Rousseff. Outro dia chegou mesmo a elogiar algumas medidas econômicas adotadas pelo governo interino. Talvez porque tenha chegado à conclusão de que a situação de Dilma Rousseff está irremediavelmente perdida e que preciso construir alternativas no campo da centro-esquerda. 

No Brasil, um golpe parlamentar precisa cumprir várias etapas, atender a certos ritos, mas a engrenagem mói. É preciso agora ver o que fazer, depois que acordamos desse sono político que produziu o monstro de um retrocesso político e nos mergulhou num profundo impasse institucional. Uma reversão desse processo no Senado Federal, sinceramente, é muito pouco provável que ocorra. Talvez Lula tenha jogado a toalha e trabalhe com a perspectiva das eleições presidenciais de 2018, ciente de que Dilma não volte mais ao Palácio do Planalto. Creio que até ela mesmo já teria dito que ele voltaria em 2018.  

A estratégia do golpe parlamentar passou a ser usada quando se percebeu que os militares, como ocorria em décadas passadas, já não mantinham a mesma disposição de antes para as quarteladas. Eles ficam por ali, de tocaia, dando o sinal verde para a eventualidade de alguma coisa fugir ao controle da engrenagem institucional, mas se recusam a assumir o ônus diretamente. Os Governos democráticos de Honduras e Paraguai caíram assim, através de um golpe parlamentar em vias de materializar-se no país. O Brasil também pode entrar nessa galeria, criando uma situação de muita instabilidade política para os regimes democráticos do continente, dada a sua dimensão. Além do Pré-sal, eis aqui uma estratégia de geopolítica que deveria estar nos planos dos golpistas, que colocaram um homem de sua confiança no Itamarati para mudar os rumos da nossa política externa. 

E pensar que, até então, assistíamos ao que ocorria em Honduras e no Paraguai de camarote, como se isso nunca fosse chegar por aqui. Quantos de nós não acreditamos que, de fato, Manuel Zelaya estava ficando "doido", com aquelas suas supostas "manias de perseguição" por agentes americanos? Pois bem. Para lembramos daquele adágio popular, Honduras e Paraguai eram os nossos vizinhos do lado. Não fizemos nada quando eles foram acusados disso e daquilo até que chegou a nossa vez e já não havia a quem reclamar. Afinal, o Brasil estava muito além de uma simples republiqueta de bananas. Zelaya foi retirado de sua casa, pelos militares, e levado à força para a Costa Rica, onde cumpriu um exílio forçado. Creio que, em menos de 10 dias, Lugo foi apeado do poder do Paraguai, num procedimento que, a julgar pelo que vem ocorrendo no Brasil, está se tornando rotina: utiliza-se de artimanhas para, através de um instrumento previsível e legal - o impeachment, por exemplo - afastarem presidentes eleitos, legitimados pelas urnas, sem nem mesmo um crime de responsabilidade.   

Com algumas reservas - a corrupção que envolveu alguns de seus membros é uma delas - sou um eterno entusiasta do legado social deixado pelos governos da coalizão petista. A tendência é que este governo interino ( ou usurpador?) promova uma verdadeira erosão nessas conquistas, assim como tolha as liberdades coletivas e garantias e direitos constitucionais do cidadão. Mas devo admitir que, diante de circunstâncias tão adversas, a retomada de um governo de corte popular no Brasil não será uma tarefa muito simples. Há muitos obstáculos que precisam ser superados. Desde os institucionais até mesmo os operacionais, uma vez que as fontes de financiamento de campanha tendem a minguarem. Mas, como diz Lula, para quem sobreviveu até aos 05 anos, naquelas condições precárias de Caetés, nada é impossível.  

P.S.: Do Realpolitik. O radialista Geraldo Freire, que aparece na foto acima, ao lado de Lula, contou que foi hostilizado, ao gritos de golpista, em razão dessa entrevista realizada com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na cidade  de Petrolina. Foi salvo pelo Deputado Federal Sílvio Costa Filho, que o defendeu da ira de uma galega muito braba, que partiu para cima dele. Não entro no mérito da concessão da entrevista, mas as posições do radialista são bem conhecidas, afinadas com as forças conservadoras que engendraram o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República. Lula é um cara pragmático e conciliador. Essa conciliação de classe permitiu que o PT chegasse ao poder, mas deu no que deu. Não é por aí, Lula. 

Crédito da Foto: Rádio Jornal


Charge!Aroeira via Facebook

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Le Monde Diplomatique: Arte para todos, dinheiro para alguns


Simbolizada nos anos 1960 e 1970 por um espírito de revolta, da minissaia ao movimento punk, Londres define novamente certa vanguarda. A cidade não apenas colocou na moda a arte contemporânea, assim como essa arte, que parecia reservada à elite, é agora apresentada como um agente de transformação social
por Evelyne Pieller e Marie-Noël



A arte é o Santo Graal”, afirma Sadie Coles com o sorriso emocionado de quem fez uma confidência. Ela tem a elegância discretamente rock’n’roll e a tranquilidade graciosa daqueles que estabelecem a relação entre os artistas e os colecionadores. Em 2014, ela se encontrava, segundo o jornal The Guardian, no ranking das “personalidades mais poderosas do mundo da arte”. Negociante de arte (art dealer), ela reina em duas grandes galerias delicadamente minimalistas. Coles nos recebe na galeria da Kingly Street, aberta em 1997, no coração da antiga Swinging London. Tudo é branco, vasto, claro, com pedestais, mas vazio, e luxuosamente iluminado por uma cúpula de vidro antiga. O valor de negócios mundial do mercado de arte contemporânea, no qual Londres ocupa o segundo lugar, aumentou mais de dez vezes em quinze anos. No entanto, em nenhum momento iremos falar de dinheiro durante nossa conversa bebendo um expresso – sem dúvida mais internacional do que o chá –, e sim de valores muito mais morais, mesmo que vagos.
Antes de se tornar independente, Coles foi business manager do célebre Jeff Koons, autor de esculturas de inox e brinquedos infláveis. Hoje, além de suas atividades londrinas, ela aconselha o Deutsche Bank em suas coleções de international young art. Para ela, “a arte é o que dá sentido à vida”. Sua galeria então não é apenas um investimento a longo prazo em tempo e em dinheiro: é também o meio de concretizar a relação que ela mantém com os artistas, fundada na “duração, na fidelidade, no coração”. No momento de nossa visita, ela estava propondo uma exposição de Rudolf Stingel. Enormes fotos de animais: raposas, javalis, ursos, às vezes num fundo de neve. Observamos: “É louco como isso se parece com fotos de calendários dos correios”. Precisamente, são. Ou, mais exatamente, são fotografias de um calendário alemão projetadas sobre uma tela e sobre as quais o artista, italiano de língua alemã (e naturalizado norte-americano), acrescenta pinceladas. Estas, mesmo que difíceis de notar, testemunham, segundo o release de imprensa, a “lenta construção da imagem”, que vai assim oscilar “entre emoção e banalidade” para se tornar “uma metáfora da própria memória”.
“Santo Graal”... em todos os sentidos do termo, pois Stingel é uma estrela: ele expôs no Palácio Grassi de Veneza – propriedade do bilionário francês François Pinault –, na Galeria Gagosian de Londres, em diversos museus, e hoje está classificado em 11º lugar pelo ArtPrice, o líder dos bancos de dados sobre a cotação e os índices da arte. Uma de suas últimas telas foi vendida por US$ 2 milhões. Ele tem um atrativo: revende muito bem. Não é preciso dizer, e efetivamente não será dito, que o galerista fica com 50% do preço de venda de uma obra. É inclusive provável que, para os artistas mais rentáveis, a porcentagem seja calculada de outra forma.

As transações talvez não sejam unicamente uma questão sentimental. Mas Coles, que também propõe vendas na internet – ou seja, de fotografias –, que ela chama de “espaço aberto”, prefere ressaltar que sua galeria funciona como um “local de iniciação para os novos colecionadores” e que ela ajuda seus clientes a constituir conjuntos coerentes. Ela se emprega também em convencê-los a se tornarem doadores em benefício de museus, que ela considera “essenciais”. Pura beleza da arte: ela permite que o comércio se evapore em um caminho espiritual, uma ação virtuosa, sem contar o apoio oblíquo, mas eficaz, à ação pública.
Não podemos ficar completamente convencidos e rir (por dentro) às gargalhadas diante desses truques de mágica que maquiam a especulação de embelezamento da alma... Não é pouca coisa o fato de que Londres estampa a maior porcentagem de habitantes que frequentam museus (a cidade possui 173, e 875 galerias): 50% contra 35% na França. Ela também conta com o maior número de estudantes inscritos em escolas de arte: a University of the Arts London, que reúne seis estabelecimentos, forma o principal polo europeu de ensino artístico. Evidentemente, a arte, em particular a contemporânea, parece ser “democratizada” aqui. Resta tentar compreender como e por quê.

Engajamento como valor agregado
Andrea Schlieker é director da White Cube Bermondsey, uma das galerias (duas em Londres, uma em Hong Kong) do importante negociante de arte Jay Joplin, 120 funcionários, o único real peso-pesado britânico no Reino Unido. Aqui também tudo é branco, vazio,1 iluminado por cúpulas de vidro. Mas... sem pedestais e impressionantemente vasto: 55.440 metros quadrados, a maior galeria da Europa quando de sua abertura em 2011. Schlieker, que toma o cuidado de avisar logo no início que não cuida das vendas, evoca a “gigantesca mutação” que aconteceu nestes últimos anos: “Há trinta anos, a arte contemporânea atingia pouquíssimas pessoas; hoje ela invadiu a vida de um grande número de pessoas”. Isso se deveria ao fato de que a arte teria se tornado um “agente de mudança social”.
Essa suntuosa galeria, que conta entre seus artistas com Tracey Emin, Sarah Lucas, Damien Hirst, Chris Ofili, Anselm Kiefer..., efetua, segundo sua diretora, um trabalho parecido com o de um museu, apresentando igualmente os jovens artistas “emergentes” e os valores seguros, até mesmo as vanguardas clássicas. Mas ela também tem relação, o que é mais inesperado, com um centro cultural: performances musicais gratuitas todos os domingos, encontros com os artistas, programa educativo aberto aos moradores do bairro – para os quais também são organizadas visitas das exposições comentadas pelos curadores –, conferências no auditório de sessenta lugares etc.
A vontade de democratizar o acesso à arte não se reduz ao education program (dez funcionários): ela é apoiada por uma programação que procura misturar as disciplinas. Assim, o guitarrista Thurston Moore, cujo grupo de rock Sonic Youth conheceu um vivo e tenaz sucesso, tocou com o artista plástico Christian Marclay e com a London Sinfonietta, uma orquestra de câmara especializada na “música clássica contemporânea”, em performances públicas que flertavam com a improvisação. “A arte vai até as pessoas”, resume Schlieker, que insiste com convicção sobre a importância de apoiar obras socialmente engajadas, “como a ‘escultura social’ de Joseph Beuys” ou os projetos do norte-americano Theaster Gates, que “incitam a criação de comunidades culturais ao agir como catalisadores de um engajamento social que leva a uma mudança política e espacial” – para citar sua apresentação pela White Cube Bermondsey.
Gates pratica a arte como tantas outras ações de engajamento social. Quando renova uma casa abandonada em um bairro pobre de Chicago, sua cidade, para transformá-la em biblioteca, ele financia as obras por meio da venda de suas esculturas, cujo material provém do próprio local, o que ele chama de “arte imobiliária”. “Contra o abismo cada vez maior entre ricos e pobres, as performances com missão social como as de Theaster Gates, frequentemente fora da ‘caixa branca’ [White Cube], oferecem reparação para o corpo, o espírito e a alma”, continua Schlieker – o que certamente é aprovado, mesmo que de maneira inesperada, por Pinault, que o acolheu no Palácio Grassi. E ela precisa: “Todas essas iniciativas valorizam muito a galeria”.
Com um pouco de fôlego, podemos ir a pé da Bermondsey até a Tate Modern, que abriga uma coleção nacional de arte moderna e contemporânea britânica e internacional. Às margens do Tâmisa, a vista é surpreendente. Os Docklands, nascidos de uma empreitada de “regeneração” urbana lançada no início dos anos 1980 pelo governo de Margaret Thatcher, transformaram aquele que foi o primeiro porto de comércio mundial do século XIX em terceiro maior centro de negócios da capital. No lugar das docas e dos hangares, agora se encontram arranha-céus, escritórios e residências de luxo.
É esplêndido, é desconcertante. Um sonho de Manhattan, misturado com ficção científica distópica.2 Evidentemente, dos dois lados do Tâmisa os preços do mercado imobiliário explodiram, e o East End, onde se propõe de maneira bem-humorada um tour de Jack, o Estripador,3 claramente bom para o turismo, não é mais apenas o bairro da miséria. Lojas de orgânicos e galerias prosperam, e nota-se a olho nu onde termina o avanço da elitização: quando os lixos não parecem ser recolhidos regularmente, quando os prédios não são reformados, quando a população é em sua maioria de origem imigrante. A passarela de pedestres do Millenium Bridge, realizada em 2000 para a abertura da Tate Modern, aparece como um símbolo do futuro que os políticos desejavam para Londres, já que ela religa a Catedral de Saint-Paul e a City a essa joia da vanguarda, enquanto sobre o Tâmisa patrulha a brigada fluvial e passam zumbindo barcos motorizados bem apresentados.
A Tate Modern foi edificada sobre uma central elétrica abandonada. Sua maior atração é sem dúvida o Turbine Hall, a antiga sala das máquinas, que abriga instalações de sucesso financiadas pela empresa sul-coreana Hyundai Motor Company. De outubro de 2015 a abril de 2016, Abraham Cruzvillegas propunha ali a Empty Lot: dezenas e dezenas de caixas de madeira triangulares cheias de terra pega em Londres dispostas sobre cilindros. Nelas cresceram ao longo dos meses grama, flores ou nada, segundo a qualidade da terra recolhida. Segundo o site da Tate Modern, isso “suscita um questionamento sobre a cidade e a natureza, e uma mais ampla reflexão sobre a sorte, a mudança e a esperança”. Quem poderia acreditar... Como em todos os museus públicos, o acesso à coleção é gratuito, e as exposições temporárias – seis por ano – são pagas (entre 20 e 32 euros). O título de uma pequena exposição, Witty, Sexy, Gimmicky: Pop 1857-67, parece amplamente correspondente ao projeto que anima a Tate Modern. Brilhante, sexy, astucioso: pop!
Diretor da Tate Modern de 2011 a janeiro deste ano, Chris Dercon é belga e charmoso. Aparência simples, cuidadosamente trabalhada. O chique moderno, pouco a ver com a imagem tradicional do conservador de museu. Ele conhece todo mundo, principalmente as celebridades, e todo mundo o conhece, o que facilitou a instalação dos comitês ou das fundações (Tate Asia Pacific Acquisitions Committee, Tate Americas Foundation...). Existem quatro Tates: a Tate Britain, que essencialmente abriga as coleções de arte britânica clássica; a Tate Modern; e dois museus descentralizados, um em Liverpool, nas docas, e outro em St. Ives, na Cornualha, que têm a mesma função da Tate Modern. Dercon avalia em cerca de oitocentos o número de funcionários dessas quatro Tates. A Tate Modern conta com 25 conservadores e uma equipe educacional cujo número exato de efetivos ele desconhece – os outros setores são terceirizados.

Uma batalha de ketchup
Se a Tate Modern é um sucesso (5,3 milhões de visitantes em 2014, quarto maior museu do mundo em número de frequentadores), principalmente entre os jovens, é porque ela funciona “como uma ágora”, ressalta Dercon. Mas também, acrescenta ele, porque “favorece os encontros”: “12% dos visitantes vêm para admirar, 12% para aprender e 50% para realizar encontros”. Ele ainda apresenta outra razão para esse sucesso: “Desde Marcel Duchamp, o espaço cultural das artes plásticas se abriu, o público não é mais especializado, e o museu é agora capaz de acolher outras disciplinas. Precisamos de outras configurações espaciais. É o que buscam também a dança e o teatro. Por exemplo, o coreógrafo Boris Charmatz veio com noventa bailarinos convidados. O público o viu trabalhar, e o Turbine Hall se transformou por uma noite em dance floor (pista de dança)”.
Melhor ainda: ele considera que o museu, em plena revitalização, ajuda os gêneros em via de extinção: “A pop music está desaparecendo; o museu lhe dá uma história. É o que fez o MoMa [Museum of Modern Art, em Nova York], que combina design, artes e música”. Ele programa então performances e shows (Kraftwerk, grupo alemão de música eletrônica fundado em 1970, que voltou a ser tendência, por exemplo). Essa mistura de fronteiras corresponde à sua definição do trabalho de um curador: “Colocar dois objetos juntos”. A Tate Modern reorganiza regularmente as coleções, oferecendo percursos temáticos, e não mais cronológicos, associando os artistas contemporâneos “tornados” vanguardas clássicas (Poesia e sonho, sobre os surrealistas, comportava uma “câmara de artista” consagrada a Joseph Beuys). Apoiado no management horizontal pregado por Dercon, que se proíbe de impor uma escolha artística, esse procedimento pretende misturar os públicos, seduzir, surpreender, para além dos saberes acadêmicos.
O museu se torna centro de iniciação à arte, incluindo pelas vias do desenvolvimento criativo pessoal: “programa educativo”, despertador, como Live Art for Adults and Kids – que propõe fazer roupas usando alimentos, disputar uma batalha de ketchup etc.; e exposições diversas desejadas especialmente pelo Department for Culture, Media and Sport, mais ou menos o equivalente do Ministério da Cultura, em direção dos menos favorecidos e das minorias. Tantos elementos que lembram certas características da galeria privada White Cube: nos dois casos, trata-se de democratizar o acesso às vanguardas, por muito tempo as mais fechadas ao grande público. Virtuosas, porque contribuem para o desenvolvimento – se não do saber e da confrontação à obra, pelo menos de uma relação descomplexada em relação à arte, que, também neste caso, não está mais embaraçada por hierarquias –, tais iniciativas criam uma “grande valorização”, o que, no caso do museu, acrescenta uma importância determinante para encontrar fundos.
Isso porque as subvenções, em queda constante, representam apenas de 30% a 40% do orçamento necessário. A bilheteria e as atividades derivadas (lojas, cafés, restaurantes) só preenchem uma parte do que falta. O chamado às doações – “Keep Tate Modern Free” (“Mantenham a Tate Modern gratuita”) – é obsessivo, mas se apresenta de forma variada: ticket incluindo uma porcentagem de doação, notas que podem ser depositadas em caixas nos halls e no vestiário, cotas de membros (a partir de 70 libras), mecenato ou patrocínio. Os museus não podem mais comprar no mercado da arte, pois os preços não param de aumentar nas vendas em leilões: em 2015, Nurse, de Roy Lichtenstein (1964), e Nº 10, de Mark Rothko (1961), foram vendidos respectivamente por US$ 95,4 milhões e US$ 81,9 milhões. Isso tem como consequência suplementar ameaçar até mesmo sua capacidade de realizar exposições, já que os valores dos seguros andam junto com as flutuações do mercado.4 Mas os conselhos de administração e os dirigentes políticos exigem diversas entradas que só podem ser fornecidas, a curto prazo, pelo recurso a grandes nomes. Dercon, que declara dar provas de um “obscuro otimismo”, não hesita em dizer às “Olgas”, como ele apelida as esposas dos oligarcas russos, numerosos em Londres: “Senhora, a senhora tem muito dinheiro”. Ele faz o mesmo com os ubers, todos os start-uppers que enriqueceram. E também não tem melindres junto ao mecenato de empresa, o que dá seus frutos.
Não apenas a Hyundai financiou a compra de nove obras do sul-coreano Nam June Paik, como também, e principalmente, se comprometeu por onze anos com um valor de 5 milhões de libras. Isso pode fazer sonhar, mas a empresa teve a gentileza de explicar sua generosidade: “Na Hyundai, temos consciência de que as pessoas têm uma conexão emocional com o automóvel, e é o mesmo sentimento que conecta as pessoas com a arte de qualidade”.5 Em outros termos, a Hyundai sofre com um déficit de imagem e pretende remediá-lo associando-se à “marca imaterial” que é o museu. Sem dúvida porque sabe combinar popularidade e aura de elitista, apresentar a arte como festiva, convivial, capaz de reunir pessoas, em um maravilhoso movimento de apagamento daquilo que divide ou discrimina. Assim, “a comunicação entre os artistas, as pessoas e as empresas ativa possibilidades e sugere novas visões”.6 Uma operação win-win (todos saem ganhando), para que surja o melhor dos mundos, por fim harmônico e excitante.

A esfera da distinção
O novo (muito, muito) rico, que surgiu em massa no início dos anos 1990, também é objeto de todos os desejos. Ele investe no mercado imobiliário ou em diamantes, mas é para afirmar seu lugar na esfera da distinção que ele se torna colecionador e frequentemente patron (mecenas) de museus, o que lhe dá acesso aos conselhos de administração. Ele acaba, cada vez mais, abrindo seu próprio museu – Bernard Arnault em Paris, com a Fundação Louis Vuitton, Pinault em Veneza, Dasha Zhukova (uma “Olga”, a companheira de Roman Abramovitch) com o Garage Center for Contemporary Culture em Moscou etc. Sua generosidade não é totalmente desinteressada: se ele financia o museu, lugar reputado por excelência pela especialidade, pela independência intelectual e pelo saber desinteressado, é porque dá a um artista um valor que se repercute imediatamente no mercado. O fato de os oito comitês de aquisição da Tate Modern serem compostos não apenas por prescritores (especialistas em recomendar a compra de obras de arte), mas também por mecenas, deve revelar alguma coisa.
O caso então é quase simples no quesito negócios, mas um pouco menos simples para o museu. “O grupo de artistas que os patrocinadores ou os mecenas privados estão prontos a financiar é muito pequeno. Em 1999, até mesmo Jackson Pollock não era um nome possível na Royal Academy of Arts”, observa Jeremy Lewison, diretor das coleções para a abertura da Tate Modern que deixou o museu em 2002 para se tornar conselheiro independente. Agora membro da Royal Academy of Arts, uma instituição privada dirigida por artistas e arquitetos, ele não compartilha da euforia geral, da qual participa até mesmo o Department for Culture, Media and Sport, que gosta de saudar o espírito empreendedor dos museus. Para Lewison, “todo mundo faz a mesma coisa, explora os mesmos nomes em todos os cantos do mundo. Os museus estão condenados aos blockbusters”. Koons, Ai Weiwei, Bill Viola: artistas que se tornaram celebridades, enquanto, “no que se refere aos séculos XIX e XX, os valores seguros são Paul Cézanne, os impressionistas, Vincent van Gogh, Paul Gauguin, Edvard Munch, Henri Matisse, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Andy Warhol e, mais recentemente, Francis Bacon, Mark Rothko, Alberto Giacometti”. Mas quem decide o valor de um artista? O mercado. Para penetrar nele, o iniciante precisa de um talento estratégico, uma boa rede e principalmente um negociante de artes. Este último vai garantir a ele uma presença na mídia e nas custosas feiras internacionais,7 que “suscitam as obras especificamente concebidas para elas”, segundo Lewison.
Os compradores, sempre os mesmos, intervêm como doadores na concepção das exposições. De modo geral, as fronteiras entre a indústria e a instituição são porosas: Ai Weiwei, depois de uma exposição muito corrida na Royal Academy of Arts, fez um evento no início de 2016 na grande loja parisiense Le Bon Marché Rive Gauche, propriedade de Arnault; as Serpentine Galleries, instituições públicas londrinas, são apoiadas pela Fondation Luma, de Maja Hoffmann, herdeira dos laboratórios farmacêuticos Hoffmann-La Roche – e Hans-Ulrich Obrist, codiretor das Serpentine, é um de seus conselheiros. Dercon reconhece com cansaço que “a arte se tornou uma moeda que se troca em particular nas vendas a leilão” – principalmente as da Sotheby’s e da Christie’s (propriedade desde 1998 de Pinault), cujas performances são tão caprichosas quanto as da Bolsa. E apenas “3% dos artistas tiram proveito disso”. Mas, por suas obras “frequentemente provocantes, até mesmo chocantes”, esses 3% que podemos ver em qualquer lugar impediriam o mundo “de cair num conformismo burguês” e o incitariam “a se questionar”, segundo os preceitos com um humor sério de Pinault.8

“Vibrante, efêmera, dinâmica”
Contra o “conformismo burguês”, os “elementos de linguagem” que se repetem nos cartazes explicativos das salas da Tate, assim como nas paredes de diversas galerias de arte contemporânea, propõem valores extraordinários. A obra, sempre “vibrante, efêmera, dinâmica”, é “fluxo, magnetismo” e principalmente “resistência”, palavra fetiche. Em suma, o conjunto é “inspirador”. Feito de puros “bibelôs de inanidade sonora”, como dizia outrora um poeta, esse código global para uma arte global, que podemos encontrar em Nova York, Berlim ou Paris, nos faz perceber a obsessão pela novidade, pela sensação, pelo fun, e o desprezo pela reflexão em proveito da “sensação”. O museu, ao desenvolver o edu-tainment, como diz Lewison, entre missão educativa e entertainment (entretenimento), celebra uma modernidade identificada com o fun, com a conexão, com a ilusão do acesso livre, que se tornou igual e rápido para todos, sobre o fundo da hibridação das artes e da postura antissistema. É a manifestação desse poder de influência que é validado pela imprensa, pelos patrocinadores e pelo público, unidos pelos mesmos gostos; e, sem essa validação, rapidamente se é fora de moda e marginalizado. Como diz Dercon, “vivemos em um pequeno círculo”. Ele acrescenta serenamente: “De qualquer forma, o sistema vai implodir”.
Não se sabe se devemos compartilhar desse ponto de vista (otimista), mas é verdade que alguns sinais aparecem. Em particular, a tendência dos colecionadores e dos museus de retornar para as vanguardas dos anos 1950: Karel Appel, Hans Hartung, Jean Dubuffet voltam à moda, e sua cota sobe. Necessidade, para os “novos herdeiros” cobertos de dólares e que tomam pouco a pouco consciência de sua ignorância, de descobrir os velhos valores, segundo Dercon; medo de que a bolha não estoure, talvez também. Gerhard Richter, o artista europeu mais cotado, declarou em março de 2015 à revista semanal alemã Die Zeit, depois da venda de sua pintura Abstraktes Bild (1986) pelo preço recorde de US$ 46,3 milhões: “Esse valor tem algo de chocante”.9
Hoje, Lewison acrescentou às suas atividades de conselheiro e historiador da arte uma participação no conselho de administração de um teatro londrino, e fala disso com uma paixão comedida, mas evidente. Em janeiro, Dercon deixou a Tate Modern para tomar a direção do Volksbühne, teatro berlinense muito importante administrado desde 1992 pelo diretor Frank Castorf. Ele parece nem ter hesitado “entre os rituais de levantar fundos e os rituais do teatro”. Tendo vindo a Londres na esperança ilusória de encontrar aqui uma energia única na Europa, uma jovem artista francesa encontrada na Serpentine Sackler Gallery, onde ela é vigia, não hesita: está cansada de dividir um apartamento com quatro pessoas na periferia, sem espaço para um ateliê, tendo a obrigação de trabalhar em tempo integral para pagar o aluguel e o transporte. Está voltando para a França.
Em junho de 2016, a Tate Modern vai abrir sua “extensão”: uma pirâmide retorcida de dez andares que a amplia em 60%. E busca 30 milhões de libras. No mesmo momento, a White Cube vai propor um de seus “artistas internacionalmente aclamados” em uma galeria temporária instalada em Glyndebourne. A cada verão, acontece ali um festival de ópera famoso pelo charme único de seus piqueniques, dos quais se participa usando vestido de festa e smoking. O preço da entrada gira em torno de 400 libras. É possível que se trate de arte contemporânea como agente de mudança social. É tão inspirador...

Evelyne Pieller e Marie-Noël
*Evelyne Pieller é jornalista; e Marie-Noël Rio é escritora.


Ilustração: Yves Consentino/cc

1 Para entender essa obsessão pelo branco e pelo vazio, cf. Brian O’Doherty, White Cube. L’espace de la galerie et son idéologie [White Cube. O espaço da galeria e sua ideologia], Presses du Réel, Paris, 2008.
2 Uma utopia negativa.
3 “Jack, o Estripador” é o apelido dado a um assassino de prostitutas do East End em 1888 que nunca foi identificado.
4 No Reino Unido, o Estado dá sua garantia por meio da National Indemnity. Não é o caso em todos os países.
5 “Hyundai pour 11 ans avec la Tate Modern” [Hyundai por 11 anos com a Tate Modern], The Art Marketing Company, 23 jan. 2014. Disponível em: www.artmarketingcompany.com.
6 “Art Insight #13: Chris Dercon”. Disponível em: http://brand.hyundai.com.
7 Ler Anne Vigna, “Au Brésil, des collectionneurs d’art très courtisés” [No Brasil, colecionadores de arte muito cortejados], Le Monde Diplomatique, nov. 2015.
8 Citado em Roland Moreno, Victoire du bordel ambiant [Vitória da bagunça ambiente], L’Archipel, Montréal, 2011.
9 ArtNet News, 23 dez. 2015. Disponível em: https://news.artnet.com.
03 de Maio de 2016
Palavras chave: arteLondresInglaterraReino Unidomodernodemocratizaçãogaleriaelite

domingo, 10 de julho de 2016

Editorial: Fora Temer! Lacerda Nunca Mais!




No dia de hoje, logo cedinho, li um artigo muito pessimista sobre o futuro do Partido dos Trabalhadores, depois das inúmeras investidas dos grupos conservadores do país que, aliados a interesses estrangeiros, montaram aquelas urdiduras conhecidas para afastá-lo do poder. Não são poucos os analistas que percebem as enormes dificuldades de o partido sair dessa "refrega", em meio a esse turbilhão de problemas de toda a natureza. Prometo que volto a discutir este assunto aqui com vocês, sobretudo porque o autor do artigo apresentava argumentos bastante convincentes. Mas, felizmente, o nosso domingo não estava perdido.

Fomos para às Alterosas, mais precisamente para a capital, Belo Horizonte. Ali encontramos motivos para salvar este domingo de junho, que amanheceu chuvoso aqui em Olinda, mas o sol já resplandeceu, intimando-nos a uma cervejinha ou uma água de coco aqui na orla. Depois, pensamos no assunto. Por enquanto, vamos tratar deste editorial. Está ocorrendo naquela cidade, precisamente na Praça da Estação, um show denominado Virada Cultural, patrocinado pela Prefeitura da Cidade, administrada pelo prefeito Márcio Lacerda, do PSB. Os artistas contratados foram contingenciados a assinar um contrato, prestando muita atenção numa tal de cláusula 08.

Esta cláusula vetava terminantemente que os artistas fizeram qualquer tipo de manifestação política durante suas apresentações, numa espécie de censura prévia, algo que deve se tornar corriqueiro daqui para frente, no estágio de instabilidade institucional e erosão do Estado Democrático de Direito em que nos encontramos. O primeiro a se apresentar foi um cantor que se chama Renegado. Aqui para nós. Um caro com este nome não sugere que seja bem adaptado às regras de qualquer status quo. Foi justamente o que aconteceu. Renegado já subiu ao palco com uma camisa onde se lia, na frente, FORA TEMER e, atrás, a inscrição LACERDA NUNCA MAIS. 

As fotos publicadas pela Mídia Ninja, através da página dos Jornalistas Livres, do Facebook, são de uma demonstração cívica que deixariam qualquer legalista otimista com a reversão deste quadro de insegurança institucional do país. O protesto, a princípio pensado pelos artistas, ganhou uma ressonância junto à platéia presente, que exibiu diversas faixas com os mesmos dizeres, ou seja, FORA TEMER, LACERDA NUNCA MAIS. Já disse isso aqui outras vezes e volto a repetir. O mais importante, neste momento, é uma mobilização e organização social no sentido de conter essa onda conservadora que investe contras as liberdades coletivas, assim como os direitos e garantias individuais e constitucionais. Como disse o filósofo Gabriel Cohen, dormimos o sono político que produziu este monstro. Agora e ficar acordado, perder horas de sono numa cruzada cívica contra esta engrenagem golpista. 

Manifestações de repúdio como esta que ocorreu em Belo Horizonte se juntam a outras tantas que se sucedem em todo o país. O governo interino do senhor Michel Temer é uma governo sem a menor legitimidade. Apenas 13% da população - leia-se golpistas e coxinhas - o apoiam. Nem mesmo aquele contingente populacional que se deixou levar pelo apelo mentiroso do "combate à corrupção" hoje se deixa mais enganar pelo pau de galinheiro dos conspiradores.

P.S.: Do Realpolitik: Depois dessas mobilizações de Belo Horizonte, convém ao prefeito socialista aqui da província colocar as barbas de molho.
  


sábado, 9 de julho de 2016

Serra e o servilismo na política externa

Com o tucano, ressurge a visão conservadora, travestida de moderna e pragmática, de um Brasil inevitavelmente dependente

por Roberto Amaral — publicado 08/07/2016 11h02, última modificação 08/07/2016 15h14
Wilson Dias / Agência Brasil
José Serra e Michel Temer
José Serra e Michel Temer em junho: no novo governo, a mudança no Itamaraty é a mais evidente

No discurso de transmissão do cargo de ministro das Relações Exteriores ao professor e empresário Celso Lafer (2001), aquele chanceler que se notabilizaria  por tirar os sapatos e as meias para ingressar nos EUA, o ministro Luiz Felipe Lampreia, resumindo a política externa do governo FHC (a dependência encantada), proclamou:

 "O Brasil não pode querer ser mais do que é".
Não se tratava, essa, de uma frase qualquer perdida no cipoal de um discurso protocolar, mas de síntese lapidar de como a classe dominante brasileira, alienada e colonizada – culturalmente, politicamente, ideologicamente – se vê a si mesma e como a partir dessa visão abastardada (o sempre presente ‘complexo de vira-latas’ diagnosticado por Nelson Rodrigues), vê o país e nosso papel no mundo. Ou, antes, nosso não-papel.
Lampreia falava como intelectual orgânico da classe dominante nativa, como falaria e agiria seu sucessor Celso Lafer e como fala agora José Serra.
Com aquela síntese o embaixador, recentemente falecido, exortava-nos à renúncia não só a qualquer política externa tentativamente independente – tradição que o Itamaraty vinha construindo desde Afonso Arinos-San Tiago Dantas --, mas mesmo de renunciar simplesmente a ter política própria, aspirar a algo no concerto das nações. Sem saber, Lampreia antecipava o que seria a não-política externa de seu correligionário José Serra.
O ministro Lampreia, todavia, não estava só, nem foi original em seu discurso dependentista, que vê a dependência não como tragédia a ser removida, mas como fatalismo transformado em momento de regozijo. Antes dele, Vicente Rao, servindo ao governo títere de Café Filho (agosto de 1954/novembro de 1955), declarara, sob os aplausos da grande imprensa brasileira: 
“O Brasil está fadado a ser, por tempo indefinido, um satélite dos Estados Unidos.
O conflito dependência/independência vem de longe. Evidentemente, não podemos aspirar à autonomia, mesmo condicionada pelo entrecho internacional, ou à independência, à soberania e ao desenvolvimento, ou seja, a um projeto nacional, se aceitamos uma visão de Brasil e de seu lugar no mundo, segundo a qual nosso país “não pode querer ser mais do que é”, pois “o importante é adaptar-se ao mainstream” e “ser convidado para sentar-se à mesa” de discussão, pois, quem sabe, nos servirão as sobras.
Essa visão estreita, conformista, subdesenvolvida é típica do intelectual orgânico do conservadorismo, travestido de modernidade e pragmatismo, portador daquele realismo de interesses que tende a inculcar no povo a ideia de que compor e adaptar-se é mais inteligente (prático, útil, rentável) do que lutar. É assim que as elites colonizadas passam às nossas populações – como científica, objetiva, prática e pragmática, isenta, benéfica e única – a ideologia do dominante.
A política externa brasileira, desde a redemocratização de 1946 até aqui, vem oscilando entre servilismo abjeto e tratativas de independência, estas principalmente a partir dos governos Jânio (1961) e Jango (1961-1964) cujo mais largo período de vigência foi vivido nos 12 anos de governo petista (2003-2015).
Esse período de política benfazeja foi interrompido pelo governo interino e a nomeação de José Serra para o Itamaraty, cuja política, por suas mãos, volta aos padrões dos tempos Collor-FHC, exemplarmente definidos por Chico Buarque de Holanda: “o Brasil que fala grosso com a Bolívia e fino com os EUA”.   
Remontam aos anos 1950 os primeiros movimentos visando à constituição do que nos anos 1960 ficaria grafado como ‘Política Externa Independente’. Se muito de sua formulação doutrinária pode ser atribuído ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros-ISEB (1955/1964), Hélio Jaguaribe e outros, a implantação é obra da meteórica presidência Jânio Quadros (1961), levada a cabo pelo seu ministro (MRE) Afonso Arinos, que, com San Tiago Dantas, dar-lhe-ia continuidade no governo João Goulart.
Não se trata, pois, a tratativa de uma política externa independente, de uma ‘invenção ideológica do lulismo’, mas de projeto longamente maturado pela sociedade brasileira.
Essa política, de priorização dos interesses nacionais, é abandonada após o golpe militar de 1964, quando impera a doutrina segundo a qual “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil’, nesses termos formulada pelo embaixador do Brasil em Washington, general Juraci Magalhães (1966-1967).
Tal política, por sua vez, começa a ser revertida, já sob a ditadura militar, logo ao tempo de Magalhães Pinto, ministro das Relações Exteriores. A autonomia cresce nas administrações Geisel (ministro Azeredo da Silveira) e Figueiredo (Saraiva Guerreiro). Geisel (1974-1979) chega a romper o acordo militar Brasil-EUA ao reagir às ameaças da Casa Branca, insatisfeita com o acordo nuclear firmado pelo Brasil com a Alemanha (1975), que previa transferência de tecnologia sensível ao Brasil.
Naquele ano, foi criado o ainda hoje claudicante Programa Nuclear Brasileiro, que previa a instalação de uma usina de enriquecimento de urânio, e várias centrais termonucleares, contra o que militavam e ainda militam os EUA.
A política externa Geisel-Azeredo da Silveira, que não agradou aos grandes meios de comunicação brasileiros, como igualmente e pelos mesmos motivos não agradaria a gestão Amorim, ficou conhecida pelo rótulo de 'pragmatismo responsável' e implicou, dentre outras inciativas, o reconhecimento diplomático brasileiro da República Popular da China e da independência dos países africanos lusófonos, em guerra de libertação nacional.
Esse Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola e o governo de Agostinho Neto, para o que muito concorreu a atuação do embaixador brasileiro Ovídio Mello.
Tal tradição que se vinha construindo, de uma política externa que priorizava os interesses nacionais e, por consequência, exigia de nosso país o exercício de um papel ativo, é, porém, congelada nos governos da ‘Nova República’, nomeadamente nas administrações Collor e FHC, para ser retomada pelo governo Lula, conduzida pela tríade Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores), Samuel Pinheiro Guimarães (secretário-geral do MRE) e Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência da República). 
Seu diferencial é representado por maiores iniciativas no plano internacional, onde o Brasil procura o espaço de ator.
Assim, o projeto de política externa independente simplesmente retomava seu leito natural. Mas após de 12 anos de política altiva e ativa nos termos em que a definiu o chanceler Amorim, contemplada de sucesso e consagrada pelo reconhecimento internacional, retornamos, com o governo interino e ilegítimo de Michel Temer, à alienação da dependência encantada.
Retornamos aos anos Collor-FHC e para esse papel deplorável ninguém mais capacitado do que o senador José Serra. E ele, com sua truculência, já disse a que veio: assumindo ‘nossa irrelevância’ (aquela que o colonizador inculca no colonizado), mais uma vez nos pomos a serviço da política dos EUA.
Seu discurso de posse – recheado de ideologismos em nome da negação da ideologia – é tão deplorável que lembra os textos do lamentável embaixador Rubens Barbosa e as lamúrias de Sérgio Amaral, eternamente inconformado com sua remoção da Embaixada do Brasil em Paris.
O novo chanceler parece incansável na faina de dividir e destruir o Mercosul (que absorve 80% de nossos produtos manufaturados) abrindo caminho para uma Alca de fato, quando, realizando os sonhos de Vicente Rao, teremos renunciado a toda e qualquer possibilidade de construir uma grande nação, um grande país, razoavelmente rico, minimamente justo e independente.
O sonho da Unasul será substituído por uma recuperada OEA, submissa como sempre aos interesses da geopolítica dos EUA, pois, para tal mister foi criada em 1948, em plena Guerra Fria, e a seu serviço.
Ao mesmo tempo em que lança farpas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua – lembrando os piores editoriais do Estadão –, o novo chanceler chega ao cúmulo da inconveniência de deslocar-se a Montevidéu, levando FHC a tiracolo, para tentar impedir que o Uruguai passe a presidência pro tempore do Mercosul à Venezuela, tendo de ouvir de Tabaré Vasquez que as normas são acordadas para serem cumpridas.
Para essa nova fase de dependência encantada são incompatíveis iniciativas como a de nossa presença nos BRICS, como é inconcebível tentarmos exercer, sem o comando ou ao menos o placet da Casa Branca, qualquer posição destacada, ou de liderança regional, muito menos nossa aproximação com o hemisfério Sul.
Sintomático dos novos tempos é o silêncio do governo brasileiro ante a iminência de instalação de bases militares dos EUA na Argentina, uma das quais na nossa sensível tríplice fronteira.
É apenas o começo
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Le Monde Diplomatique: "Parlamentarismo deslocado" e a "ponte da amizade".

PARAGUAI E BRASIL
“Parlamentarismo deslocado” e a “ponte da amizade”
O golpe contra o governo Lugo colocou o Paraguai na contramão do progressismo da região; o golpe contra Dilma colocaria o progressismo na contramão
por Henrique Ferreira


Com o golpe de 2009 contra Manuel Zelaya, presidente de Honduras deposto pelo Congresso, abriu-se no continente latino-americano o precedente de interrupção de um governo por meio de artimanhas e prerrogativas do Parlamento.

Em 2012, o Congresso paraguaio aperfeiçoou o uso de um julgamento político para interromper um governo; valendo-se da comoção que produziu o massacre de Curuguaty, armaram o julgamento de Lugo, que se transformou em golpe parlamentar.
O impeachment no Brasil tem etapas que permitem desenvolver uma defesa com mais tempo – no Paraguai, os julgamentos políticos são trâmites rápidos: Lugo foi deposto em uma semana de processo. Porém, da mesma forma que no Paraguai, esse instrumento republicano, no caso da presidenta Rousseff, foi levado a cabo sem provas reais e acusações fundadas. A base governista rachou e o Congresso formou um governo por eleição indireta.
Deixamos de ser um país fragmentado, com pequenos núcleos agrícolas autossuficientes e desconectados desde a década de 1960, após a construção da represa hidrelétrica de Itaipu, que alistou forças de trabalho locais e despovoou o campo. Com a estrada então inaugurada, que uniu a capital à fronteira do Brasil, muitos brasileiros de zonas rurais que antes não podiam pagar os altos preços pela terra em seu país tiveram acesso a ela no Paraguai. A consequência pode ser percebida no norte e no noroeste do país, onde há muitos “brasiguaios” assentados e arraigados culturalmente.
Quase 90% das terras cultiváveis se destinam à produção em grande escala e monocultura; 2,6% dos proprietários concentram 85% das terras;1 brasileiros teriam 4.792.528 hectares; estrangeiros, 7.708.200 hectares, área equivalente a quatro departamentos2 juntos na região de fronteira com o Brasil.3 A área total nacional é de 40.675.200 hectares, dos quais 12% estão nas mãos de brasileiros.
Desde 2005 existe a Lei de Segurança Fronteiriça – que proíbe a compra de terras de fronteira por estrangeiros –, mas os proprietários de terra brasileiros não permitiram que ela fosse aplicada. Um dos maiores opositores brasileiros à lei é Tranquilo Favero, e esse conflito foi mencionado no documento de acusação durante o julgamento político de Lugo em 2012.
Em 1989, com o golpe de Estado perpetrado pelas Forças Armadas, o então ditador Alfredo Stroessner se exilou no Brasil.
Durante a instável transição democrática do Paraguai, governos colorados se alternaram e colocaram em xeque suas próprias disputas internas. O Itamaraty teve um protagonismo importante nesses acontecimentos. O embaixador brasileiro no Paraguai, Marcio de Oliveira Dias, designado por Fernando Henrique Cardoso, conta como organizou um encontro entre os presidentes brasileiro e paraguaio, para que este último tivesse apoio para destituir o conhecido general golpista Cesar Oviedo.4
Em 1999, Raul Cubas Grau renunciou à presidência do Paraguai e, antes que se iniciasse um julgamento político contra ele, o Brasil lhe concedeu asilo político. Logo depois do golpe político-parlamentar que tirou Lugo do poder, o Brasil liderou o Mercosul para que fossem impostas sanções ao Paraguai. Com a chegada à presidência de Horacio Cartes, em 2013, pelo Partido Colorado, a dura posição inicial contra a Venezuela foi suavizada por uma série de telefonemas do Itamaraty, e o então chanceler brasileiro Antonio Patriota sentenciou em uma entrevista que a posição de Cartes era a de um presidente recém-eleito e que “é importante seguir o que dirá Horácio Cartes no pleno exercício do poder”.5

Onda precarizadora e “desdemocratizadora”
O mundo do trabalho no Paraguai é estrutural e historicamente precarizado: 33% dos jovens trabalham em situação de subemprego; 60% dos jovens não possuem contrato; cinco de cada dez trabalhadores de 30 a 39 anos recebem um salário mínimo; a renda média é de US$ 370, sendo o salário-base US$ 307. No fim do ano passado, o portal do governo (www.ip.gov.py) publicou um relatório do Centro Empresarial Brasil-Paraguai (Braspar) segundo o qual as empresas brasileiras economizariam 54% em custos de produção em alguns setores.6 A Gerência de Serviços de Internacionalização da Confederação Internacional das Indústrias afirma que 80% das maquilas no Paraguai são de capital brasileiro, e as exportações desse tipo de empresa cresceram 52% entre 2013 e 2014.7
Neste contexto, vemos que um dos principais apoiadores do impeachment no Brasil, a Fiesp, tem em sua agenda desmontar a CLT e terceirizar o trabalho nas empresas brasileiras, ou seja, sua política faria o Brasil retroceder ao nível paraguaio de proteção zero ao trabalhador e desmantelaria fábricas no Brasil para deslocá-las para o Paraguai, com a promessa de economia nos custos de produção.
O peso do Brasil para o Paraguai e região é de equilíbrio e, para nossa realidade, teve protagonismo com tentativas de golpe e golpes consumados.
O caso brasileiro vem demonstrar que os grupos que detêm o poder econômico e político não têm escrúpulos em colocar em prática em nossas democracias um “Parlamento deslocado”. O golpe no Brasil terá influência sobre todos os presidentes eleitos por voto popular: serão prisioneiros da dinâmica parlamentar e seus financiadores. 


Editorial: PT apoia Rodrigo Maia(DEM) para evitar um mal maior





Faz algum tempo, sem parar, publicamos um editorial por dia aqui pelo blog. É sempre uma decisão difícil escolher um tema a cada dia, mesmo diante de tantas possibilidades. Por vezes, já num processo bastante adiantada, desistimos de publicar algum texto, contingenciado pelos fatores mais diversos. Acabamos de "desistir" de mais um texto sobre o Ministério da Educação que, no ritmo em que se encontra, deve ser "privatizado" até o final dessa interinidade, que esperamos que seja breve. Mais um dono de faculdade privada foi nomeado para compor o CNE - Conselho Nacional de Educação - reproduzindo uma tendência naquele órgão.


Ainda em razão do governo interino e ilegítimo, não poderia deixar de compartilhar com vocês uma reflexão do professor titular da Universidade do Rio Grande do Norte, Durval Muniz, sobre as perspectivas sombrias que nos aguardam neste interinidade: Um país sem educação, sem petróleo, sem bolsa de estudos, sem SUS, com 80 horas semanais de trabalho, com aposentadoria aos 75 anos, um país capacho das vontades americanas, um país governado por uma quadrilha corrupta, reacionária e hipócrita, servindo de bandeja a um empresariado e a uma elites que ainda sentem saudades da escravidão.Claro que algo precisa ser feito para que essas previsões do professor Durval Muniz não se materializam. 

Uma outra questão que suscita nossos comentários no dia de hoje é o possível apoio do PT à candidatura do Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, Rodrigo Maia (DEM) para a Presidência da Câmara dos Deputados. As negociações contariam com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Do ponto de vista ideológico e programático, há quem veja nisso uma grande contradição, uma vez que o Deputado e o seu partido, o DEM, além de adversário histórico do petismo, formaram um dos núcleos mais entusiasmado pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. É isso mesmo, sob este aspecto, não há aqui qualquer reparo. Há, aqui, uma contradição clara.

O que está em jogo, porém, é uma análise sobre a correlação de forças. E, nesta correlação de forças impostas pela realpolitik, com toda a desgraça, melhor seria um Rodrigo Maia(DEM), do que permitir que o senhor Eduardo Cunha(PMDB) continue ditando os rumos daquela Casa, como uma espécie de eminência parda, mesmo afastado, que é o que parece que ele pretende. O Centrão, que orbita em torno de uma candidatura que conta com o aval dele, deve somar algo em torno de 270 parlamentares, que foram decisivos no processo de impeachment que afastou temporariamente a presidente Dilma Rousseff da Presidência da República. 

Numa conjuntura como esta, mesmo que a posição de Lula possa ser questionada sob alguns aspectos, por outro lado, não restam alternativas às forças políticas que ainda resistem às urdiduras de caráter golpistas, às quais o senhor Eduardo Cunha(PMDB) sempre esteve ligado. Sua renúncia da presidência daquela Casa, num ato recente, não passou de um dramalhão muito bem ensaiado pelos atores políticos que ainda tentam protegê-lo, conforme afirmamos ontem aqui pelo blog. 


A charge que ilustra este editorial é do chargista e músico Renato Aroeira. 



Drops político para reflexão: O que nos reserva o governo golpista?

O Brasil que nos será presenteado pelo governo golpista e pela turma do verde e amarelo, o da nossa bandeira nunca será vermelha, e outros chavões imbecilizados, os coxinhas e amantes do pato da FIESP. Um país sem educação, sem petróleo, sem bolsa de estudos, sem SUS, com 80 horas semanais de trabalho, com aposentadoria aos 75 anos, um país capacho das vontades americanas, um país governado por uma quadrilha corrupta, reacionária e hipócrita, servindo de bandeja a um empresariado e a uma elites que ainda sentem saudades da escravidão.

Prof. Durval Muniz em sua timiline da rede Facebook

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Charge! Quinho via Facebook

Charge!Leo Villanova via Facebook

Editorial: A "dramática" renúncia do senhor Eduardo Cunha.



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E o Eduardo Cunha chorou. O fato ocorreu no dia de ontem, após a sua renúncia ao cargo de Presidente da Câmara dos Deputados. De acordo com os sempre bem-humorados internautas, foi um ato típico dos dramalhões mexicanos, essas novelas retransmitidas por aqui, através da TV do Sílvio Santos. Uma palavra que, segundo ele mesmo, não fazia parte do seu dicionário, passou a fazer depois das contingências impostas por uma conjuntura política extremamente desfavorável. Era a renúncia ou a cassação. Com a renúncia, a raposa ainda pode aguardar pelos próximos lances do jogo, previamente acordado com os operadores do golpe institucional que se instaurou no país, do qual ele foi um dos artífices. 

O clamor popular contra o Deputado Eduardo Cunha é enorme. Já dissemos isso aqui e voltamos a repetir, o que fazer com Cunha é algo que preocupa bastante os conspiradores. Ontem, o que mais se via pelas redes sociais eram pessoas afirmando-se insatisfeitas com a "renúncia" e exigindo a sua "prisão". É uma "equação política" difícil de resolver, até mesmo para os especialistas em ardis. O percurso a seguir já seria previsível: a preservação do mandato de Deputado Federal, talvez com uma punição de afastamento por alguns meses; e os processos que correm contra ele julgados pelo senhor Gilmar Mendes, uma vez que não se exige a participação do colegiado daquela corte, formando pelos 11 ministros, uma vez que ele já não é o presidente do poder legislativo. 

Felizmente, algumas dessas urdiduras costuradas nas coxias dos golpistas não saem conforme o figurino. As vezes é preciso, como diria o saudoso Mané Garrincha, combinar com o adversário, que, pontualmente, vem esboçando uma resistência cívica ao golpe contra a presidente afastada Dilma Rousseff. O senhor ministro da Justiça, por exemplo, depois da repercussão negativa à nomeação do general Sebastião Robero Peternelli, para presidir a Funai, voltou atrás e revogou a nomeação que havia sido acertada com os apoiadores do PSC, numa típica cobrança do butim. O militar estava entre aqueles que apoiaram o golpe civil-militar de 1964. Ocorreu uma forte mobilização das comunidades indigenistas. Embora pontuais, essas pequenas vitória contra os golpistas, no final, podem representar um esboço de resistência importante.

Ontem, publicamos aqui pelo blog um artigo do professor da UFPE e cientista político Michel Zaidan Filho. O artigo, entre outras questões, enfatiza a celeridade do desmonte das políticas sociais redistributivas de renda deste governo interino, numa velocidade alarmante, para atender aos interesses dos que o apoiaram. Os golpistas agem com o mesmo entusiasmo de moscas varejeiras em carne podre. Como afirmamos logo no início deste governo interino, parece existir no ministério uma concorrência macabra entre eles, para ver quem apresenta melhores "resultados" ao chefe e sua trupe de apoiadores. 

Já nos parágrafos finais do seu texto, o professor Zaidan volta à província para discutir os desmandos governamentais que estão ocorrendo no Estado de Pernambuco. Estamos preparando um dossiê ou uma espécie de accountability da gestão socialista. Muito em breve a publicaremos por aqui, mas o professor Michel, em seu artigo, já nos oferece um precioso "aperitivo".   

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Editorial: Justiça suspende farra com passaportes diplomáticos para pastores evangélicos.





Outro dia, em razão da produção de um texto, pesquisamos aqui pela internet algum instrumento de tortura de escravos que se iniciasse com a letra "B". Quem nos instigou foram os comentários do sociólogo Sérgio Pinheiro(USP), acerca da bancada dos bancos, da Bíblia, da bala, dos bois, da bola que estiveram dando suporte às urdiduras golpistas que afastaram temporariamente a presidente Dilma Rousseff da Presidência da República. Logo depois descobriríamos, através de um longo texto, publicado no portal Carta Maior, sobre uma tal bancada de "escravocratas", ou seja, parlamentares que mantinham, em suas propriedades, trabalhadores em condições de trabalho sub-humanas e que lutavam pelo afrouxamento da legislação que trata do assunto no Legislativo Federal. Encontramos um instrumento bastante utilizado na idade média, a berlinda, ou seja, o "B" que faltava para identificá-los. Esses parlamentares também estiveram dando apoio ao golpe institucional. 

Feita essa digressão, reservo o editorial de hoje a uma espécie de "cobrança do butim" ou os benefícios auferidos por aqueles que estiveram diretamente envolvidos nesse conjunto de forças sociais e políticas que engendraram a derrubada temporária da presidente Dilma Rousseff. O cientista político Michel Zaidan, em artigo publicado aqui no blog, também comenta o assunto, enfatizando a voracidade com  que esses senhores estão desmontando as políticas sociais no país.Um dos grupos sociais mais relevantes entre esses aproveitadores de ocasião é representado pela bancada da Bíblia, um conjunto de pastores e parlamentares que deram apoio integral às urdiduras inconstitucionais ora em curso. 

A lista é extensa, mas, emblematicamente, citaria aqui o nome do pastor R.R.Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, que, logo após José Serra assumir o Ministério das Relações Exteriores, concedeu para ele um passaporte diplomático. Antes, já havia concedido um outro passaporte diplomático para o também pastor da Igreja Assembleia de Deus, Samuel Ferreira e sua esposa, Keila. Samuel Ferreira é investigado sob suspeita de lavar dinheiro de propina para Eduardo Cunha. 

O mais curioso disso tudo são as justificativas apresentadas pelo Itamarati - leia-se José Serra - para a concessão desses passaportes diplomáticos, onde se observa uma inconcebível confusão entre Estado e religião. Reproduzo aqui o despacho do juiz que analisou a ação: " Na ordem constitucional vigente, o Estado é laico, há separação plena entre Estado e Igreja, de forma que é efetivamente incompatível com a Constituição que líder religioso nesta condição e no interesse de sua instituição religiosa, seja representante dos interesses estatais brasileiros no exterior". 

A gestão de José Serra no Itamarati tem sido bastante criticada, muito embora essas críticas sejam inócuos se ele se propuser - como se propôs - a dar aquela guinada prevista no rumo das nossas políticas exteriores consoante a nova nucleação de poder formada pelos operadores do golpe institucional que contou, inclusive, com apoio de setores da "banca internacional". Mais um "b". Há queixas pontuais, como seus hábitos de vampiro, que atrapalham bastante o fluxo de trabalho naquela pasta, notadamente em função dos fusos horários. Ele também é criticado por ter apresentado absoluta falta de conhecimento sobre assuntos básicos das relações internacionais, pagando micos em encontros no exterior. Mas, como disse, isso pouco importa para o Jaburu, se ele fizer o serviço que se espera daquela pasta. E olha que ele vem se esforçando.

Uma outra consideração diz respeito aos projetos políticos de José Serra(PSDB). Será que ele ainda deseja ser presidente da República? Há quem jure que sim, que, no caso dele, trata-se de uma ideia fixa. E, como diria Machado e Assis, Deus te livre de uma ideia fixa, caro leitor. Alguns analistas sugerem que ele estaria preparando o mesmo caminho trilhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ou seja, depois do Itamarati, quem sabe um cargo na área econômica e, de volta, o olho no Palácio do Planalto, o que poderia ser sua última cartada, em razão da idade já avançada. Se está tudo muito turno neste universo político, ao menos esta decisão judicial pode inibir novas concessões descabidas desses passaportes diplomáticos. 

Charge! Aroeira via Facebook

Michel Zaidan Filho: A desgraça de muitos é a sorte de alguns




No compasso de espera do julgamento pela Senado Federal do afastamento (ilegal) da Presidente Dilma Rousseff, vai se processando o trabalho de desmonte das políticas públicas redistributivas no Brasil.

A voracidade e a cupidez da turma que comprou pastas ministeriais pelo seu voto contra a Presidente não têm paralelos na história da administração pública em nosso país. Parece que a (má)consciência da interinidade e ilegalidade estimula o arbítrio e a violência com que vem sendo feito o trabalho de desmonte de todas as conquistas do povo brasileiros, nesses últimos 15 anos.

Como a direita fisiológica e privatizante não conseguiu pelo voto chegar ao Poder, o atalho ilegal, inconstitucional, suspeitoso tornou-se o caminho mais fácil para a execução de uma agenda não publicizada, anteriormente, que pode ser definida como o "desmanche" do sentido de toda atuação do estado brasileiro em prol dos mais humildes e necessitados.

O chefe interino, que recebe às ordens do bandido afastado da Presidência da Câmara, vai se caracterizando como um governo de sobressaltos, do vai-e-vem, da dança de rato, ora para frente, ora para trás, ao sabor das pressões dos diversos grupos que apoiaram a manobra temerista.

A fisionomia dos golpistas vai surgindo no horizonte para não deixar ninguém se enganar com a concepção da obra: o interino da Saúde, depois de decretar a falência do SUS, fala em criar plano de saúde pagos para o povo, com todas as limitações que cercam esse tipo de produto, para alegria das empresas particulares de Saúde.

O avicultor da educação reforça o financiamento público às instituições privadas de ensino, através do Fies, enquanto deixa ao deus dará as instituições públicas de ensino (congelando concursos, mudando as regras da aposentadoria e congelando salários).

O menudo das cidades trabalha para a paralisação dos metrôs e para cortar o financiamento das habitações populares. O transformista da defesa abre o seu ministério para a contratação de parentes. E o pelego da força sindical conseguiu emplacar o filho no Instituto da Reforma Agrária.

Pelo visto, os "impeachmistas" se locupletaram com o golpe parlamentar. Deram-se bem. Até quando?

Em Pernambuco, as coisas se passam como no país de Alice: tudo está bom, tudo está bem. A polícia civil   dá provas de sua incontestada capacidade pericial de não periciar, a mando de seus superiores.

O ministério público dá sinal de vida, denunciando um potencial candidato às eleições municipais, adversário natural do prefeito da atuação oligarquia política.

E o governador é apresentado, pelo obeso e afônico secretário de saúde, como o estadista do ano, ao ter indicado um modelo de protocolo no diagnóstico e tratamento da microcefalia! É o caso de se perguntar se Deus enviou o mosquito da doença apenas para o governador se destacar como o mais perfeito paladino da saúde pública no Brasil.

Na verdade, tudo isso é um escárnio diante das inúmeras dificuldades da população nas UPAS, nos postos de saúde, nos hospitais estaduais, nas UTIs. Só governantes e gestores que transformam a miséria humana em matéria de propaganda enganosa (e cara), podem ser transformados em "heróis" às custas do sofrimento alheio.

E a Arena Pernambuco, qual é o protocolo de eficiência, funcionalidade e economia para esse monumento ao desperdício de dinheiro público? E o caixa dois que irrigou montanhas de dinheiro público para as campanhas eleitorais do PSB em Pernambuco? Qual é o protocolo? O modelo de moralidade pública que pode justificar o domínio dessa oligarquia política que tanto nos infelicita em nossa região?


Quem nos salvará, não do mosquito ou da microcefalia, mas da incúria governamental, da incapacidade administrativa, da demagogia vazia e cara dos filmetes exibidos nos meios de comunicação, a peso de ouro? - Precisamos urgentemente de um protocolo de cidadania, de republicanismo, de respeito ao erário público. A nossa miséria e o nosso sofrimento não podem continuar alimentando a doença moral, política, administrativa em que se tornou o Estado brasileiro.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE