pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quinta-feira, 11 de maio de 2017

Por que trabalharemos até morrer?

REFORMA DA PREVIDÊNCIA

POR QUE TRABALHAREMOS ATÉ MORRER?

Devido às características do mercado de trabalho brasileiro, a capacidade de contribuição dos trabalhadores é bastante limitada. Consideremos apenas o alto nível de informalidade, a rotatividade elevada e a baixa remuneração. Isso implica que, ao chegar aos 65 anos, parte das pessoas não terá atingido os 25 anos de contribuição exigidos e não poderá se aposentar
por: Lucas Salvador Andrietta
8 de maio de 2017
temer morte
Fica cada vez mais claro para todos que as reformas trabalhista e previdenciária propostas pelo governo Temer se apoiam em justificativas rasas, numa estratégia midiática agressiva e numa violência policial desmedida e antidemocrática.
A postura do governo é consequência de um fato evidente: não há nenhum apoio social às reformas. Nem ao governo. Num país que tenta entender e lidar com a recente polarização na superfície da esfera político-partidária, pesquisas de diversos vieses mostram importantes pontos de convergência. Coxinhas, mortadelas e outros quitutes do nosso variado espectro político-gastronômico ampliam cada dia mais arejeição a Temer. As pesquisas indicam ainda que o tema da Previdência, juntamente com a corrupção, tem sido determinante no aumento da rejeição ao governo.
É nítido, também, que o governo intensifica a sua estratégia midiática para propagar o slogan falso e ameaçador de que é preciso reformar a Previdência hoje para que ela não acabe no futuro. E faz isso abandonando abertamente qualquer tipo de pudor e recheando o noticiário de absurdos éticos, como encontros casuais no cabeleireiro com empresários da comunicação, intermediação de amigos comuns para decidir sobre questões de interesse público, jantares opulentos para conquistar apoio e outros expedientes. Lembremos ainda da crescente verba pública destinada à publicidade, as amigáveis entrevistas dadas por ministros em programas de TV e a cobertura pasteurizada e parcial das notícias relativas à reforma.
É claro, também, como toda e qualquer forma de resistência vem sendo sistematicamente repreendida pelas forças policiais de todo o país. Os episódios ocorridos durante a greve geral do dia 28 de abril são apenas amostras do papel que a polícia tem desempenhado – desde muito antes do golpeachment, é sempre necessário lembrar – na contenção da resistência às reformas impopulares.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a polícia iniciou a agressão aos manifestantes antes mesmo que o ato tivesse início. Em Goiânia, um policial quebrou um cassetete no rosto de um cidadão durante a manifestação. Dias antes, Rafael Braga foi condenado a onze anos de prisão por uma acusação forjada.
Esses episódios são lembretes pontuais de que a violência e o racismo da polícia e do judiciário não são casos isolados que podem ser resolvidos apenas administrativamente, pelo “afastamento dos envolvidos”, pela “abertura de inquérito”, pela “apuração dos fatos” ou por outras declarações de boa intenção por parte dessas instituições. Enquanto isso, um economista influente reduz a complexa reforma trabalhista a uma trivialidade qualquer, desdenha do “esperneio” da maioria da população, ao mesmo tempo que elogia a restrição do debate público ao uso de gás lacrimogêneo.
A postura do governo demonstra que não há espaço aberto para debater questões relativas aos direitos sociais que estão sendo retirados da população. Apesar das justificativas rasas apresentadas na propaganda, a reforma se apoia em argumentos meramente orçamentários. A questão parece reduzir-se à ideia de que a Previdência é um luxo que o Brasil não pode mais pagar. Isso se soma à ideia de que os cortes de gastos sociais serão suficientes para reverter a crise que o Brasil enfrenta.

O debate dentro da ordem
Independentemente das sofisticadas teorias econômicas que elaboram e divergem sobre a política econômica, o gasto público e o ciclo atual vivido pelo país, chama a atenção a má qualidade do material apresentado pelo governo para defender a reforma previdenciária. Veja-se, por exemplo, as projeções grosseiras feitas pelo governo para 2060, que foi analisada e contraposta por um estudo recente.
Os propositores da reforma apoiam-se no senso comum a respeito do tema. Na percepção geral e entre quem estuda o tema, há grande consenso de que a Previdência precisa ser reformada. As políticas públicas são formuladas em contextos históricos específicos e podem deixar de responder às transformações sociais posteriores.
Por essa razão, muitos países do mundo estão rediscutindo seus regimes previdenciários para dar respostas a questões como a desigualdade entre beneficiários, o envelhecimento populacional, o aumento da expectativa de vida e as mudanças no mercado de trabalho.
Mas reformar a Previdência não implica necessariamente reduzir direitos. Se houver o interesse em mantê-los, é preciso pensar em como garanti-los na prática: não apenas definindo suas regras de acesso, mas também sua estrutura de financiamento. A sociedade deve decidir quem é que paga a conta.
Mais do que isso, para nós, coloca-se o desafio de pensar num sistema adequado à realidade brasileira. Não apenas copiando parâmetros e tendências de outros países, mas considerando nossas desigualdades sociais e regionais, a realidade do nosso mercado de trabalho, nossa estrutura tributária, entre outros elementos. No contexto atual, isso passa por contrapor os argumentos do governo sobre esses temas, como tem sido oesforço de muitos especialistas.
O governo, ainda que ilegítimo, optou por cumprir os ritos formais da nossa democracia representativa no encaminhamento da reforma. Note-se, por exemplo, a realização de audiências públicas sobre o tema, em que importantes contrapontos e denúncias foram apresentados. Como era previsível, esta fase encerrou-secom alguns recuos do governo em pontos marginais da proposta, sem que o essencial fosse revertido.
Assim conclui-se formalmente a participação direta da sociedade nas mudanças, deixando claros os limites da ordem estabelecida. A partir de agora, o destino da reforma depende da articulação parlamentar – amplamente favorável ao governo – e da capacidade de enfrentamento e resistência nas ruas.

A velhice que nos espera
Entre as lacunas deixadas pelo material que o governo apresenta, a que mais chama a atenção é a ausência completa de alternativas aos direitos sociais que serão retirados. O texto demonstra a falta de preocupação com as consequências esperadas da reforma e uma profunda insensibilidade com a situação que grande parte da população deve enfrentar quando envelhecer.
As mudanças propostas dificultam o acesso à aposentadoria. Consideremos apenas as quatro principais: 1) a imposição da idade mínima de 65 anos; 2) o aumento da carência mínima de 15 para 25 anos; 3) as mudanças na aposentadoria rural; e 4) as mudanças no BPC.
A imposição da idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres extingue a Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Hoje, essa modalidade abrange um terço dos 30 milhões de aposentados brasileiros. Ela afeta principalmente aquelas pessoas que conseguem, ao longo da vida de trabalho, contribuir por 35 ou 30 anos e que hoje conseguem se aposentar em torno dos 55 anos. Além disso, as mudanças na regra de cálculo dos benefícios impõem um fator previdenciário que deve reduzir ainda mais o valor dos benefícios.
Atualmente, quase 70% dos beneficiários do INSS recebe apenas um salário mínimo. Para o governo, esses são os “privilegiados” do mercado de trabalho brasileiro e a reforma teria o grande mérito de promover a igualdade entre os trabalhadores, já que todos se aposentarão com a mesma idade mínima. Num país onde as pessoas entram no mercado de trabalho, em média, antes dos 17 anos, isso significa prolongar a vida de trabalho de todos. Em vez de melhorar as condições dos mais prejudicados pelo sistema, fazemos a opção de nivelar os direitos por baixo. Mas essa não é a mudança que terá o maior impacto sobre a população idosa.
O aumento da carência mínima afeta a maior parte dos trabalhadores brasileiros, que se enquadram na modalidade de Aposentadoria por Idade, cerca de dois terços dos aposentados hoje. Com as regras atuais, os trabalhadores que chegarem aos 65 anos podem solicitar a aposentadoria, desde que tenham contribuído com 180 mensalidades (15 anos) ao longo de toda a sua vida de trabalho. O governo propõe aumentar essa exigência para 300 mensalidades (25 anos).
Na prática, essa mudança deve impedir que um grande contingente de pessoas se aposente. Devido às características do mercado de trabalho brasileiro, a capacidade de contribuição dos trabalhadores é bastante limitada. Consideremos apenas o alto nível de informalidade, a rotatividade elevada e a baixa remuneração. Isso implica que, ao chegar aos 65 anos, parte das pessoas não terá atingido os 25 anos de contribuição exigidos e não poderá se aposentar.
As desigualdades, portanto, podem se manter ou se acentuar, pois aqueles que têm uma inserção mais precária no mercado de trabalho tenderão a prolongar sua vida de trabalho ou, eventualmente, não conseguirão se aposentar de forma alguma. Isso significa, na prática, dificultar o acesso ao direito de aposentar-se para uma população que começa a trabalhar muito cedo, trabalha por muito tempo, com muita intensidade e chegará à velhice totalmente desamparada. Se somarmos a isso os efeitos da reforma trabalhista, as condições de acesso à aposentadoria deverão ser ainda mais prejudicadas.
O desprezo pelos direitos sociais fica mais explícito quando se trata das mudanças propostas para aAposentadoria Rural. Esse direito foi inicialmente pensado para atender a um grupo grande de trabalhadores, que executa um trabalho socialmente necessário e árduo e que, por não ter um rendimento constante na sua atividade, tinha baixa capacidade de contribuir nos moldes dos trabalhadores urbanos assalariados. Por isso, sua contribuição é feita no momento da venda de sua produção e, ao atingir a velhice, aqueles trabalhadores que comprovarem ter trabalhado por quinze anos em atividade rural têm o direito de solicitar uma aposentadoria no valor de um salário mínimo. A proposta do Governo para essa modalidade é igualar as regras de acesso ao do trabalhador urbano, exigindo contribuições mensais por longos períodos de tempo, sem considerar a irregularidade da renda das famílias atingidas pela mudança. Na prática, a mudança inviabiliza a aposentadoria de um grande contingente de pessoas que atualmente trabalham nessas condições.
Por fim, aqueles que, hoje, não conseguem se aposentar, podem solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), popularmente conhecido como LOAS, que oferece um salário mínimo para maiores de 65 anos ou deficientes físicos cuja renda domiciliar per capita não ultrapassa um quarto do salário mínimo. O governo propôs – e recuou levemente – que a idade para acessar o BPC subisse para 70 anos e, além disso, que o valor dos benefícios deixasse de acompanhar a valorização do salário mínimo.

A seletividade e o “déficit”
O aspecto mais perverso das reformas previdenciárias talvez seja o fato de que, nos termos em que se coloca a questão, elas nunca resolverão os problemas para os quais supostamente são realizadas. Isso fica explícito no debate sobre o déficit da Previdência.
Desde que respeitemos a Constituição Federal, é evidente que as contribuições e tributos que arrecadamos para financiar a seguridade são mais do que suficientes para pagar os benefícios. Na prática, é o INSS quem transfere recursos para que o governo gaste com outras finalidades.
Mesmo considerando os gastos previdenciários totais, que incluem servidores públicos, fica claro que os maiores responsáveis pelo tal “rombo” na Previdência são precisamente as categorias que não serão afetadas por essas reformas. É preciso parar de referir-se aos aposentados do setor público como uma grande massa homogênea de privilegiados, uma vez que a maior parte deles é composta por pessoas com remunerações baixas e médias: professores, enfermeiros, assistentes sociais, policiais, escriturários em geral e outras ocupações. Esses serão afetados pelas reformas.
Por outro lado, um grupo pequeno de funcionários de alto escalão, do Poder Judiciário, das Forças Armadas, recebe benefícios suficientes para pagar dezenas de salários mínimos. Além disso, conseguirão provavelmente aposentar-se mais cedo que a maioria.

Vida que segue?
Portanto, não é possível aceitar os argumentos apresentados pelo governo sem nenhum questionamento sobre a seletividade das reformas, à falsa ideia de que não há alternativas de financiamento – por exemplo, o imposto sobre grandes fortunas –, e de que o Brasil deve acompanhar os “parâmetros internacionais”, desconsiderando a sua realidade.
Não faltam propostas e discussões sobre como a Previdência Social – e cada um dos direitos sociais por ela garantidos – poderia ou deveria ser. Poderíamos ainda pensar, de forma radical, em como explorar as muitas possibilidades de combinação entre o trabalho e o tempo livre, considerando os avanços que nos permitem produzir cada vez mais riqueza e viver vidas cada vez mais longas.
Porém, o que está colocado nesse momento é a retração dessas possibilidades, como se não houvesse alternativas a seguir. Como se a única alternativa para o nosso envelhecimento fosse trabalhar mais. Como se o prolongamento das nossas vidas não fosse algo a se comemorar, mas um fardo insustentável que temos que pagar. Que pelo menos possamos envelhecer resistindo de todas as formas possíveis.


*Lucas Salvador Andrietta é economista, mestre em Economia Social e de Trabalho pela Unicamp e doutorando pela mesma instituição.
(Publicado originalmente no site do Le Monde Diplomatique)

Charge! Benett via Folha de São Paulo

Benett

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Charge!Benett via Folha de São Paulo

Homenageada em exposição, Conceição Evaristo encara a escrita como ato político


Homenageada em exposição, Conceição Evaristo encara a escrita como ato político
A escritora mineira Conceição Evaristo, 70 (Foto: Richner Allan/Divulgação Itaú Cultural)

Autora mineira quer chamar atenção para a produção de mulheres negras e romper com o imaginário de que os lugares reservados a elas são sempre de ‘subalternidade’


Na infância, durante as aulas de redação na escola, Conceição Evaristo escrevia por prazer. Na adolescência, o fazia para tentar escapar do cotidiano duro e entender o mundo que a cercava. Hoje, aos 70 anos, escreve motivada, também, por algum grau de vingança.
“A minha história pessoal e a história da minha coletividade são marcadas por interdições. E a escrita me liberta, me coloca num espaço em que eu normalmente não estaria, que não é comum às mulheres negras”, diz à reportagem da CULT às vésperas da abertura de uma exposição em sua homenagem no Itaú Cultural, em São Paulo.
A escritora mineira, nascida e criada na favela do Pindura Saia, em Belo Horizonte, tem seis livros publicados, quatro deles custeados integral ou parcialmente pelo próprio bolso: Ponciá Vivêncio(2003), Becos de memória (2006), Poemas de recordação e outros movimentos (2008) eInsubmissas lágrimas de mulheres (2011).
Isso porque Evaristo encara seu ofício como um ato político do qual “não tem como se esquivar”. Entende a importância de colocar em circulação suas “escrevivências” em um país que ainda reluta para reconhecer a legitimidade literária de vozes excluídas dos centros econômicos e sociais – como Carolina Maria de Jesus, por exemplo.
Recentemente, durante um evento em homenagem à Carolina na Academia Carioca de Letras, o escritor e professor Ivan Cavalcanti Proença afirmou que o livro Quarto de despejo (1960) não pode ser considerado literatura, em si, mas um “documento sócio-econômico e cultural”.
“Existe esse racismo estrutural na sociedade brasileira em que certas categorias são vistas como competentes para tudo, e outras são competentes para algumas coisas”, afirma. “Na dança, você vai ver mulheres negras sambistas, mas dificilmente uma bailarina negra. Na música, até vai encontrar muitos cantores negros, mas dificilmente um maestro. Na literatura também é assim.”
Em seus romances, contos e poemas, Evaristo coloca a mulher negra no centro da cena – processo que, se um dia foi bastante natural, hoje aparece como uma opção consciente da autora. São personagens complexas e cheias de conflitos, filhas, tias, esposas e especialmente mães, papel pouco atribuído a mulheres negras no percurso da literatura canônica brasileira, já que a elas geralmente restam dois tipos de estereótipos, segundo a autora: o da mulher negra “perigosa”, objeto de constante desejo sexual; ou o da mulher negra “abnegada”, que faz tudo pelo senhor da Casa Grande.
“A literatura brasileira canônica torna as mulheres negras infecundas. Estou falando de personagens principais como Rita Baiana, Bertoleza [de O cortiço], Gabriela [de Grabriela, cravo e canela]”, critica a autora. “Será que com essa falta de imaginário a sociedade brasileira não estaria negando a presença de mulheres africanas, das culturas africanas na formação da nação? Isso tem sido uma pergunta para mim.”
Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Evaristo vive hoje em Maricá, no Rio de Janeiro. Com a atenção, ainda que tardia, que vem recebendo desde que venceu o prêmio Jabuti, em 2016 com o livro de contos Olhos D’água (2014) – e agora com a exposição -, a autora espera chamar atenção para a produção literária de outras mulheres negras.
“Elas cozinham, passam, tomam conta dos filhos delas e dos outros, fazem faculdades, são médicas, arquitetas, filósofas, escritoras, bailarinas”, diz. “Que essa ocupação sirva para ajudar a quebrar com esse imaginário de que as mulheres negras estão sempre nos lugares da subalternidade.”
Ocupação Conceição Evaristo

Onde: Itaú Cultural, av. Paulista, 149
Quando: até 18/06
Quanto: grátis

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Charge! Aroeira

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Le Monde: Nenhum hectare a menos

RURALISTAS, CAPANGAS E MOTOSSERRAS

NENHUM HECTARE A MENOS

Sob Temer, interesses privados e paroquiais instalados no Congresso e no Executivo passaram a operar sem nenhum filtro, freio ou contrapeso. Todos os sonhos dos ruralistas começam a se realizar; nenhuma proposta é ousada demais.
por: Carlos Rittl
8 de maio de 2017
Crédito da Imagem: Antonio Cruz/ Agência Brasil
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Que fase, senhoras e senhores. Nos últimos trinta dias, tivemos uma chacina de trabalhadores rurais em Mato Grosso, uma tentativa de massacre de índios no Maranhão, o desmonte do licenciamento ambiental batendo novamente na trave no Congresso, a aprovação de uma Medida Provisória legalizando a grilagem de terras públicas e a apresentação da reforma trabalhista no campo que transforma o trabalhador rural em escravo. No momento em que escrevo, aguardam votação no plenário da Câmara duas outras MPs, que entregarão a grileiros, madeireiros e mineradores áreas que o governo federal deveria proteger na Amazônia e na Mata Atlântica. Faltou alguma coisa? Ah, sim: todos os procedimentos de demarcação de terras indígenas e titulação de territórios quilombolas estão parados. E o presidente da Funai foi demitido por seu chefe, o überruralista Osmar Serraglio, ministro da Justiça, por se opor a nomear indicados pelos ruralistas no lugar de técnicos em unidades regionais da Funai.
Essa sequência de eventos não é coincidência. Ela deriva diretamente de uma sinalização política de que o Brasil está aberto ao esbulho. As “barreiras” ao dito “setor produtivo” representadas pela legislação ambiental, trabalhista e fundiária estão sendo removidas todas de uma vez pelo governo de Michel Temer, que renova sua antiga aliança com a bancada ruralista. O Observatório do Clima denunciou, em carta publicada no mês passado, que estamos diante do maior conjunto de retrocessos ambientais da história do Brasil desde a redemocratização.
O presidente evidentemente não está criando nada de novo. A tensão entre ruralistas e setor empresarial, de um lado, e o patrimônio socioambiental do Brasil, do outro, sempre existiu. É do ambientalmente avançado Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, a frase que qualifica “índios, quilombolas e o Ministério Público” como “entraves” ao “desenvolvimento”. Sob Dilma Rousseff essa corda começou a arrebentar do lado do meio ambiente: a bancada ruralista provou seu poder com o desmantelamento do Código Florestal, enquanto o Palácio do Planalto tentava minar o poder da Funai e barrava áreas protegidas para fazer avançar obras na Amazônia. Hoje, graças à Lava Jato, sabemos quais são os interesses que sustentam este insustentável modelo de “desenvolvimento” a qualquer custo.
O vice de Dilma agora aperfeiçoa as políticas de sua antecessora. Foi auxiliado nisso pelo fato de, diferentemente da ex-presidente, ter um governo monolítico e ampla identificação com o Congresso. Sob Temer, a bancada ruralista ganhou um poder que nunca teve antes, dado que a legitimidade que o presidente não teve nas urnas precisa ser compensada no Parlamento, e esta depende de atrair a Frente Parlamentar da Agropecuária. A barganha do impeachment tornou Temer para sempre refém e cúmplice da Câmara dos Deputados. O peso numérico dos ruralistas naquela Casa se encarregou do resto, com consequências dramáticas para o meio ambiente no Brasil.
Um exemplo foi o recurso inconstitucional às Medidas Provisórias para alterar limites de unidades de conservação. Isso havia sido tentado por Dilma em 2011, a fim de reduzir oito áreas da Amazônia para abrir espaço às hidrelétricas do Tapajós. O processo foi questionado pelo Ministério Público e parou.
Com Temer a coisa fluiu. No ano passado, o presidente editou uma MP, a 756, para cortar 305 mil hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, e outra, a 758, para reduzir 800 hectares de um lado e acrescentar 51 mil do outro ao Parque Nacional do Jamanxim. Em poucos meses os textos chegaram ao Congresso e passaram em comissões especiais, mas com um “twist”: emendas de deputados transformaram a perda de 305 mil hectares em 1,1 milhão e o ganho de 51 mil hectares em zero. E expandiram os cortes a outras áreas protegidas até na Mata Atlântica, que não havia entrado na história.
Outro exemplo é a relação com os índios. Em nome das obras e do agronegócio, Dilma (madrinha de casamento de Kátia Abreu, não custa lembrar) fez o que pôde para impedir a expansão de terras já demarcadas, permitir hidrelétricas em terras indígenas e enfraquecer o rito de demarcação, introduzindo a consulta a outros “interessados” – leia-se ocupantes ilegítimos. Temer resolveu o “problema” indígena no atacado, por assim dizer: nomeou para o Ministério da Justiça o relator da Proposta de Emenda Constitucional que transfere do Executivo para o Congresso a prerrogativa de demarcar TIs, entregando aos ruralistas a política indigenista. E acelerou o desmonte da Funai.
Sob Temer, interesses privados e paroquiais instalados no Congresso e no Executivo passaram a operar sem nenhum filtro, freio ou contrapeso. Todos os sonhos dos ruralistas começam a se realizar; nenhuma proposta é ousada demais. Como a venda de terras para estrangeiros, que avança no Parlamento após anos parada, ao mesmo tempo em que seus proponentes crucificam ONGs ambientalistas brasileiras por representarem supostos “interesses estrangeiros”.
Os efeitos desse conjunto de retrocessos, porém, voltarão para assombrar o governo brasileiro. De duas formas.
A primeira é a continuidade da aceleração do desmatamento na Amazônia, que já acumula alta de 60% em dois anos. O desmatamento destrói a pouca credibilidade internacional que nos resta no combate ao aquecimento global. Em 2015 e 2016, o Brasil conseguiu a proeza de ser o único país do mundo a acelerar suas emissões enfrentando a pior recessão de sua história. Agora, juntamente com os EUA de Donald Trump e a Rússia de Vladimir Pútin, será a única grande economia da Terra a caminhar em direção à carbonização progressiva, na contramão até de Índia e China.
A segunda, que decorre da primeira, é uma desconfiança global crescente dos padrões de qualidade das nossas commodities. O governo viu, com a Operação Carne Fraca, como os mercados internacionais podem ser voláteis e qual é o prejuízo decorrente disso. Num momento em que o país investe pesado na imagem internacional de seu agro “sustentável, a insistência dos ruralistas em repetir um padrão de comportamento do século 20 para atender a um mercado consumidor do século 21 é um tremendo tiro no pé. Cafezinho brasileiro com trabalho escravo, bife com sangue indígena e soja com carbono são péssimos produtos de exportação. Quando os compradores se derem conta, não vai mais adiantar botar a culpa na Polícia Federal ou mandar o Blairo Maggi para Londres para tranquilizar os mercados.
Ao impor uma política de terra arrasada sobre o meio ambiente, trabalhadores rurais, povos indígenas e quilombolas, governo e ruralistas agem como a cobra que come o próprio rabo, jogando a reputação e a competitividade do agronegócio brasileiro na lama do maior retrocesso socioambiental do planeta no século XXI.

*Carlos Rittl formou-se administrador pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP- FGV), e fez mestrado e doutorado em Biologia Tropical e Recursos Naturais, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Atua há 20 anos na área ambiental e, nos últimos 10 anos, dedicou-se ao tema de mudanças climáticas, tendo liderado a Campanha de Clima do Greenpeace no Brasil (2005 a 2007) e o Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil (2009 a 2013).
(Publicado originalmente no site do Le Monde Diplomatique Brasil)

SEMINÁRIO REGIONAL SOBRE O CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO RUSSA

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domingo, 7 de maio de 2017

Editorial: O cerco montado em Curitiba para condenar Lula



Está tudo pronto para a audiência onde o ex-presidente Lula deverá depor, envolvendo investigações da Operação Lava Jato. Seus algozes não esqueceram nem mesmo de espalhar diversos outdoors pela cidade, informando que as grades da prisão da República de Curitiba estariam prontas para recebê-lo. Não é de hoje que o país está completamente cindido entre "coxinhas" e "mortadelas" - como pobre, eu acho mortadela uma delícia -, depois dos embates que culminaram com o afastamento da presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, num processo extremamente precário, como se sabe. Talvez, em função disso, é que um colunista teria recomendado não ser prudente a presença da militância petista naquela praça. Mas, a julgar pelo plano de contingência elaborado pelos dirigentes petistas, não se espere que os "coxinhas" ficarão à vontade para achincalhar um ex-presidente que, apesar dos problemas, teve a coragem de mexer nas estruturas cristalizadas das injustiças sociais do país. 

Algo nos diz, desde o início, que Lula será condenado porque, em última análise, o projeto é inviabilizá-lo politicamente. Como afirmamos antes, neste clima de insegurança jurídica que enfrentamos, seus opositores já reuniram os "elementos" para materializar uma provável sentença condenatória. De acordo com recentes pronunciamentos do presidente da legenda, Rui Falcão, isso não ficará barato. Haveria uma grande mobilização, em caráter nacional, de protestos contra uma medida dessa natureza, reunindo movimentos sociais, partidos políticos e outros segmentos da sociedade civil. As declarações de Rui Falcão não significam uma declaração de guerra - quiçá com o propósito de pressionar a República de Curitiba - mas a admissibilidade de que não há dúvida sobre o plano das intenções malévolas desse processo, desde o início. Não há como manter alguma ilusão sobre este assunto. Os movimentos das hostes conservadoras dos últimos dias indicam que, na inconsistência das acusações de recebimentos de favores indevidos, auferidos em relação ao tríplex do Guarujá ou o sítio de Atibaia, vão usar os últimos depoimentos dos delatores, sobretudo os espontâneos, para enquadrar o ex-presidente. 

Um outro movimento do sistema que também nos parece preocupante é aquele que indica que, não satisfeitos sobre uma provável condenação e, consequentemente, uma inviabilidade política do ex-presidente Lula, há, igualmente, uma sanha no sentido de atingir a também ex-presidente Dilma Rousseff, hoje vítima preferencial de alguns delatores, como se tudo estivesse previamente acertado, no sentido de envolvê-la nas investigações da Operação Lava Jato, como uma possível troca de e-mails entre ela e Marcelo Odebrecht, a partir de um notebook de uso pessoal, cujo rastreio hoje torna-se perfeitamente possível. Como afirmou Marcelo Odebrecht em depoimento ao juiz Sérgio Moro, o político que diz que não utilizou-se desse recurso nas últimas campanhas está mentindo. A questão é que essa elite brasileira parece ainda insatisfeita em ter surrupiado o mandato da senhora Dilma Rousseff. Pretendem infringi-la um mal ainda maior, como uma possível condenação no curso das investigações da Operação Lava Jato. 

O momento político, volto a repetir, é dos mais delicados. Alguns atores estão inexoravelmente condenados a uma execração pública, numa tecitura ardilosamente montada. Confesso que até pensava que o afastamento da presidente Dilma Rousseff seria o preço a ser pago por ela, mas, pelo andar da carruagem política, eles pretendem também enxovalhar o seu nome junto à opinião pública, relacionando-a a algum ilícito em sua gestão ou durante as campanhas. A Polícia Federal, assoberbada de trabalhos mais relevantes, agora terá que se debruçar sobre as trocas de emails pessoais da presidente, com os seus assessores mais diretos, durante as campanhas, como possíveis financiadores ou a esposa do seu marqueteiro, Mônica Moura, hoje uma fiel colaboradora da justiça. Ora, talvez seja o caso de enfatizarmos aqui: Deixem dona Dilma cuidar dos seus netos em paz. 

Charge!Galvão via Folha de São Paulo

Jean Galvão

sábado, 6 de maio de 2017

Welcome, Australian readers



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I usually publish only a third of what I write. There are a number of other written texts that are not published here by the blog, for many reasons. They await future editions, perhaps through new books. But in what we publish, readers must have already noticed our commitments to humanitarian causes; Environmental impacts; In defense of republican and democratic principles; As well as intransigence in defense of human rights. I believe that in this agenda lies the credibility that the blog has been achieving over time. Do not think that captivating readers is a simple task. We've managed to chase them away in a few moments. This is because we do not yet master some techniques inherent in the blogosphere, something that other editors can control. The blog has definitely internationalized. By the above statistics, Brazil occupies only the 4th position among the readers. In recent days, another pleasant surprise. A great country began to grow "green" in the lower part of the world map. It was Australia. Our sincere thanks to the readers of that country, who have given us the honor of accompaniment.

Bem-vindo leitores australianos



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Costumo publicar apenas um terço daquilo que escrevo. Há uma série de outros textos escritos que não são publicados aqui pelo blog, por inúmeras razões. Eles aguardam futuras edições, quem sabe através de novos livros. Mas, naquilo que publicamos, os leitores já devem ter notado nossos compromissos com causas humanitárias; ambientais; em defesa de princípios republicanos e democráticos; assim como a intransigência em defesa dos direitos humanos. Creio que reside nessa agenda a credibilidade que o blog vem alcançando ao longo do tempo. Não pensem que cativar os leitores é uma tarefa das mais simples. Já conseguimos afugentá-los em alguns momentos. Isso ocorre por não dominarmos, ainda, algumas técnicas inerentes à blogosfera, coisa que outros editores possam controlar. O blog, definitivamente, internacionalizou-se. Pelas estatísticas acima, o Brasil ocupa apenas a 4º posição entre os leitores. Nos últimos dias, mais uma surpresa agradável. Começou a ficar "verdinho" um grande país ali da parte baixa do mapa-mundi. Era a Austrália. Nossos sinceros agradecimentos aos leitores daquele país, que passaram a nos dar a honra do acompanhamento.