pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Crônicas do cotidiano: Um doutorado para Gilberto Freyre.
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sábado, 12 de fevereiro de 2022

Crônicas do cotidiano: Um doutorado para Gilberto Freyre.


José Luiz Gomes

Quando, ainda muito jovem, viajou aos Estados Unidos para realizar seus estudos, o escritor Gilberto Freyre encontraria muitas dificuldades pela frente. Com um potencial raro, a família - sobretudo um esquecido irmão de nome Ulisses Freyre - empreenderam todos os esforços possíveis para que,finalmente, o jovem pernambucano encontrasse as condições e o ambiente adequado para desenvolver suas aptidões e talento. As circunstâncias encontradas nos Estados Unidos -e posteriormente na Europa - não permitiram a Gilberto a tomada de decisões sem os inevitáveis constrangimentos impostos pelas dificuldades econômicas,aliada ao turbilhão de inquietações e indecisões inerentes aos jovens. 

Na realidade, Gilberto, consoante a biografia intelectual escrita sobre ele pela historiadora Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, apenas encontraria seu verdadeiro 'habitat" em Oxford, onde passou alguns meses, viveu intensamente, conviveu com escritores que balizariam seu rumo formativo, com régua e compasso, exercendo forte influência sobre o seu "regionalismo universal"; a crítica ao industrialismo, em O Livro do Nordeste; assim como sobre o texto de Casa Grande & Senzala. Nesses tempos, ele lementaria profundamente o fato de não ter nascido nos Estados Unidos, na Alemanha ou na Inglaterra. De volta ao Brasil, com o tempo e o amadurecimento intelectual, ele monta, prazeirosamente, sua trincheira intelectual no aprazível bairro de Apipucos.

Tendo concluído sua formação acadêmica nas universidades de Baylor e Columbia, nos Estados Unidos, Oxford, na Inglaterra, foi um período de vivências, convivências,não necessariamente de estudos, strictu sensu falando. Baylor não foi a melhor,mas a opção possível em solo americano. Embora a família insistisse para que ele se dedicasse unicamente aos estudos, quando esteve nos EUA Gilberto Freyre escrevia para um jornal local e para uma revista de assuntos latino-americanos. E ainda enviava, com regularidade, seus artigos para o Diário de Pernambuco, depois reunidos em obras importantes sobre seu pensamento. Para alguns analistas, textos até mais emblemáticos do que o célebre Casa Grande & Senzala. 

Depois de um período de cinco anos de estudos no exterior, Gilberto volta ao Brasil absolutamente desencontrado, pois não sabia onde deveria fixar-se, tampouco que rumo imprimir à sua carreira aqui na província. Considerou até mesmo a possibilidade de dedicar-se ao jornalismo, no que foi desaconselhado pelo amigo e diplomata Oliveira Lima, que também não via com bons olhos sua permanência num Estado de invejosos contumazes. Sugere-se que, naquele momento, ele não tinha interesse em voltar ao país, talvez permanecendo em Oxford, onde ele, de fato, havia se encontrado pessoalmente, fascinado pelo ambiente e a atmosfera positiva que se respirava na cidade. 

Um assunto controverso é a sua pouca familiaridade com o rituais acadêmicos, assim como um doutorado que ele não chegou a fazer durante seu período de estudos nos Estados Unidos. Gilberto, de fato não dava muita importância para os procedimentos acadêmicos. Nem mesmo às cerimônias de recebimento de diplomas ele comparecia. Mas sempre foi assim? Ele, em algum momento, pensou em fazer um doutorado? Quando ele passou, de fato, a menosprezar os rituais acadêmicos? Na Universidade de Baylor, Gilberto contou com um grande orientador de estudos, o professor Armstrong, que tornou-se um amigo da família, tendo acompanhado o promissor pupilo até mesmo depois que ele deixou o solo americano. 

Quando recebeu o texto de social life in brasil Armstrong pensou tratar-se da primeira parte de uma tese de doutorado. Era a dissertação de mestrado do mestre de Apipucos. Com seus pendores literários reconhecidos, Gilberto foi aconselhado a escrever em língua inglesa e torna-se um novo Joseph Conrad. Oliveira Lima, o confidente de todas as horas, subscrevia essa proposta. Freyre foi logo desapontado seus admiradores, informando que não sabia "dançar' em inglês, numa alusão à sua notável capacidade de fazer malabarismos com a língua portuguesa.

Pensou em fazer um PhD, sim, mas vários fatores contribuiram para que tal objetivo não se materializasse. O fator econômico, talvez tenha sido o determinante. Há referências a um desconforto, ao acompanhar um amigo que sofreu bastante durante as arguições de duas horas numa seleção para o doutorado, mas isso,creio, não seria capaz de provocar um trauma num estudante com o potencial de Gilberto Freyre. Academicismos à parte, conhecedor de sua inegável capacidade, o sociólogo Florestan Fernandes o convidou para participar da banca de exame do doutorado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,convite que ele recusou, possivelmente em razão das críticas da turma da USP à sua obra seminal, Casa Grande & Senzala.  

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