José Luiz Gomes
Sempre que vamos a Ouro Preto hospedamo-nos numa pousada que, ao amanhecer, permite contemplar uma das cenas mais encantadoras daquela cidade mineira, do apogeu do ciclo do ouro no Brasil. Os leitores, certamente, irão pensar que se trata das belas paisagens da cidade - que não são poucas - tombada como patrimônio da humanidade pela UNESCO. Seu casario colonial? as igrejas? o Museu da Inconfidência? as construções que parecem subir pelas montanhas, numa arquitetura que lembra algumas cidades da Europa? as antigas minas de ouro? suas ladeiras centenárias? Nada disso. Um simples e acanhado grupo escolar, ladeados por árvores que proporcionam um grande sombreiro. É neste espaço que crianças promovem uma grande fuzarca, uma algazarra de fazer inveja a qualquer adulto que se recorde com carinho dos seus tempos de meninice.
O cronista tem ótima recordações daqueles tempos. Da sombra das paineiras, seus algodões em tempos de floração, o canto do ferreiro na casa do doutor, Banda de Pau e Corda. Das estripulias que começavam logo depois da autorização de Dona Maria José Tavares de Lima, a professora que nos ensinou as primeiras letras. Como disse antes, sem qualquer ofensa, uma morena truncada, de passos firmes e olhar penetrante. Com ela, não se podia dar moleza. Mas, uma figura doce e sensível com este escriba, a quem tolerava alguns excessos. Pela manhã, logo cedinho, quando os alunos se reúnem, mesmo antes das aulas iniciarem, a fuzarca é grande. Das maiores mesmo, capaz de acordar os hóspedes da pousada, que se aborrecem com o "incômodo". Para mim, não há incômodo algum, mas vá tentar entender esses hóspedes exigentes, que passam o tempo todo com seus celulares em mãos, em jogos e mensagens de WhatsApp.
Como acompanho com certa regularidades esses sites de viagens, outro dia fiquei abismado com uma constatação. Antes, quando se avaliava um hotel, os itens que entravam em pauta eram se o hotel servia um bom café da manhã, se havia limpeza com regularidade, se a ducha elétrica era de jato forte - e de preferência que não desse choque por vazamento de corrente - se as toalhas de banho eram trocadas, se os colchões propiciavam uma boa noite de sono...coisas assim. Nesses tempos de pós-modernidade, leitor, um dos itens que mais determinam a satisfação dos clientes é se o hotel oferece um bom sinal de Wi-Fi, capaz de ser recepcionado não apenas nos quartos, mas em todos os recantos do hotel, dada a premente necessidade de estar usando o aparelhinho em todos os momentos.
Outra mania deste cronista - além de viver preso às recordações da infância, claro - é a de associar os lugares a alguma música. Alguns desses lugares - como Porto Alegre, por exemplo - já foi homenageada pelos compositores Kleiton & Kledir. J. Michiles já deu o seu recado sobre o Recife - sem desmerecer outros tantos grandes compositores que prestaram sua homenagem à cidade - assim como Dorival Caymmi cantou os recantos da Bahia em prosas e versos. Por algum motivo associo Ouro Preto a Tavito e sua composição: Rua Ramalhete. Sempre associei esta música a Ouro Preto, particularmente às suas tardes, quando os estudantes se reúnem para namorar nas imediações bucólicas da Igreja de São Francisco de Assis, construída por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!
Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.
Nessas horas, os adolescentes lançam seus olhares de rapina sobre as minas que rondam a Praça Tiradentes, convidam-nas para tomar um sorvete de frutas do Cerrado - já existe uma sorveteria dessas no local - e combinam, sem nenhuma dúvida, um sarro nas ladeiras escuras e íngremes que levam até a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, a segunda mais rica em ornamentos em ouro do Brasil. Uma dica: Se você já não é um desses adolescentes, vá de carro. A descida nem tanto, mas a subida exige um bom preparo físico.
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