pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Crônica: Nádegas indevidas
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quinta-feira, 28 de junho de 2018

Crônica: Nádegas indevidas


 
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José Luiz Gomes 
 
Anda circulando pelas redes sociais um manifesto em protesto contra o tratamento dispensada a Manuela D'Ávila, candidata do PCdoB às próximas eleições presidenciais, durante entrevista concedida ao Programa Roda Viva, transmitido pela TV Cultura. Elegante, inteligente e polida, a candidata teria sido interrompida várias vezes durante a entrevista, com dificuldade de estabelecer uma linha de argumentação coerente, sob o olhar complacente do coordenador do programa ou âncora da emissora. A TV Cultura de hoje não é a mesma TV Cultura de alguns anos atrás, quando existia uma maior autonomia dos seus gestores, assim como maior liberdade de atuação dos seus servidores, mesmo no escopo de seu perfil de uma TV pública. Nos últimos anos, ela passou por constrangimentos e ingerências diversas, o que se refletiu, possivelmente, na qualidade de sua programação. Um assessor do "coisa ruim"- vocês podem imaginar? - estava na bancada de entrevistadores.  

Ao longo dos anos, o formato dos debates televisivos, por sua vez, perdeu muito de sua dinâmica, com regras criadas justamente com o objetivo de permitir um controle mais efetivo sobre as falas dos candidatos e das manifestações da plateia. Aqui para nós, leitores, bons mesmos eram os debates de antigamente, com as tiradas do Franco Montoro, do Jânio Quadros, do Leonel Brizola, do Mário Covas. Os formatos de hoje são chatos, monótonos, cansativos, não permitindo um tête-à-tête entre os contentores. Se a plateia se manifestasse durante a sua fala, Brizola gritava de lá, em alto e bom som: Filhotes da Ditadura! Filhotes da Ditadura!. Que falta nos faz, nesses tempos bicudos, uns caras com a coragem cívica de um Miguel Arraes ou de um Leonel Brizola.  

Jânio Quadros poderia ser um cidadão estranho, dado às esquisitices, como uma visita que fez ao sociólogo pernambucano, Gilberto Freyre, por exemplo, logo cedinho, já mamado, o que, certamente,  não recomendou bem à família do sociólogo oferecer a ele o famoso licor de pitangas com o qual Gilberto recebia seus convidados. Jânio Quadros foi protagonista de tiradas impagáveis durante os debates em que participou como candidato, como num debate com Franco Montoro, quando este tentou ler uma citação sobre ele, escrita por Carlos Lacerda. Jânio interrompeu Montoro afirmando que ele citava Belzebu para falar das escrituras. A plateia veio abaixo e Montoro não conseguiu continuar com a leitura.  Já depois de sua renúncia à Presidência da República, manteve um programa de entrevistas na televisão, onde também era muito rápido no gatilho verbal. 

Já na iminência de pendurar as chuteiras, quando ainda governou a cidade de São Paulo, pouco dias antes do pleito, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, certo de que ganharia aquelas eleições, sentou-se na cadeira de prefeito. Com os resultados das eleições - onde não se confirmou tal vaticínio, as eleições foram vencidas por Jânio Quadros - quando este assumiu, uma das primeiras providências foi desinfetar a cadeira sob o argumento de que nádegas indevidas haviam sentado ali antes. Este era o Jânio Quadros, certamente um dos atores políticos que deram a maior contribuição para o folclore político brasileiro. No Programa Roda Viva, parafraseando Jânio, havia, sim, uma nádega indevida sentida na bancada de entrevistadores e é pouco provável que possamos falar aqui de uma escolha malsucedida. Cheirou mesmo à premeditação.

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