José Luiz Gomes
O
ex-presidente Lula publicou recentemente um artigo no jornal Le Monde, onde
reafirma a sua decisão de disputar as eleições presidenciais de 2018. Salvo se
não ocorrer alguma fatalidade, enfatiza bem. Os leitores que nos acompanham por
aqui, conhecem a nossa opinião a esse respeito. O PT optou pela via
institucional para enfrentar a engrenagem golpista responsável pelo afastamento
da presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, em 2016, e, de lá
para cá, só amarga refregas. Golpes, na realidade, se combate nas ruas. Esta é
única linguagem que os arautos do autoritarismo compreendem. Quem teve a
oportunidade de acompanhar, no dia de ontem, o depoimento do escritor Fernando
Morais, como testemunha de defesa, num processo envolvendo o ex-presidente
Lula, se ainda havia alguma dúvida, se deu conta da insegurança jurídica que permeiam as ações movidas contra
ele. Durante um determinado momento, o escritor foi acusado de fazer
propaganda, ao confirmar a existência das palestras de Lula no exterior, em
inúmeros países da Europa e da África.
Lula
já confessou que não gosta de ler. Isso não é nenhuma intriga da oposição. Com
apenas o primário completo, não seria nenhuma surpresa que não tivesse
desenvolvido o hábito de leitura. Mas, agora com muito mais tempo, segundo um
blogueiro bem informado, ele teria levado um exemplar de A Elite do Atraso, do
sociólogo Jessé de Souza, para ler enquanto cumpre pena na sede da Polícia
Federal, em Curitiba. As teses levantadas por Jessé em seu texto se coadunam,
inclusive, com as motivações que teriam levado setores da elite brasileira - consorciada com a banca - a
arquitetarem o golpe parlamentar de 2016: o ódio pelos pobres, que está na raiz
de uma sociedade construído sob o signo do trabalho escravo. Como se sabe, o
autor entrou em rota de colisão com setores da tradicional universidade
paulista, a USP que, segundo ele, teria sido a responsável por disseminar teses
equivocada sobre o nosso atraso, notadamente o Príncipe dos Sociólogos
brasileiros, que lança livros em série, apenas mudando a capa, porque o
conteúdo é o mesmo.
Ontem, no trajeto para a instituição, me deparei com algumas cenas apavorantes. A visão
desagradável de um aumento expressivo de pessoas habitando nas ruas, pelas
calçadas do Recife. O fenômeno se repete em todo o país, em cidades como Belo
Horizonte, Rio, São Paulo, Salvador, Curitiba. Generalizou-se. Em Salvador, numa grande vala
arquitetônica que se criou para viabilizar uma estrada elevada - que separa um bairro de pobre e um bairro de rico - que vai dar
numa praça que tem sido palco para as filmagens da nova novela da emissora do plim plim, novela que, por
sinal, não tem negros. Em Belo Horizonte, a maior concentração é num outro
espaço ocioso criado para a construção do metrô da cidade, o que facilitou a ocupação
dos sem teto. Aqui no Recife, salvo o prédio dos correios durante a noite e
trechos da Dantas Barreto, parece não haver nenhum point específico, já pedindo
perdão aos leitores pela brincadeira, na ausência de um termo mais adequada.
Com
essas coisas, aliás, não se brinca. Não desejamos aqui travar um debate com os
economistas sobre o assunto. Sou leigo na matéria, mas, o que se comenta é que, dos 36 milhões de
brasileiros que saíram da extrema pobreza durante os governos Lula, algo em
torno de 15 milhões já conhecem esse amargo regresso. Intuitivamente,
acreditamos que os economistas estejam equivocados. Creio que não apenas os 36 milhões já retornaram
aquela estágio indigno da condição humana, mas é bem provável que tenhamos engrossado essas
estatísticas, diante deste quadro recessivo que ora enfrentamos. Já disse em outras
oportunidades, mas não custa repetir, Lula foi o cara que mais fez pela
democracia do país. E não digo isso porque os amigos já me prometerem que irão
levar esta crônica para ele ler, mas porque corresponde à
verdade dos fatos. Já explico a vocês porque:
Nossa
democracia política não é lá grandes coisas. Hoje, então, encontra-se ainda mais fragilizada, diante dos assédios autoritários. Um dos fatores que contribuem para a sua precariedade são as
nossas profundas desigualdades sociais. Combater essas desigualdades aqui na base, em última
instância, ajuda a manter essa engenharia institucional mesmo que de baixa intensidade. É
o que os estudiosos classificam como democracia substantiva ou econômica. Lula
tirou 36 milhões da extrema pobreza, elevou outros milhões na classe média, e,
ainda, promoveu uma revolução na educação, permitindo que nunca antes tantos
pobres e pretos tivessem acesso ao ensino superior. Vale aqui destacar que este foi
o único indicador em que avançamos no que se refere ao racismo estrutural renitente da
sociedade brasileira nesses 500 anos, que criminaliza, mata e exclui pela cor da pele.
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