José Luiz Gomes
Quando foi acometido por um AVC, o escritor pernambucano, Raimundo Carrero revelou o que ele mais temeu naquele momento, como consequência da enfermidade: perder a capacidade de imaginar, condição fundamental para o exercício do seu oficio: escrever. Carrero continuou escrevendo e publicando livros, num dos casos, relatando sua experiência com a doença. Lembrei deste episódio ao ler, até recentemente, um texto da professora Eliana Robert Moraes, analisando o lugar da literatura na obra do filósofo francês, Michel Foucault. Como tudo que se refere a Foucault, trata-se de uma grande viagem, uma viagem para ser feita, preferencialmente de barco, o lugar da "heterotopia", ou seja, um espaço, que mesmo sendo localizável, se configura como um lugar à parte, constituindo uma espécie de contestação ao mesmo tempo mítica e real do espaço em que vivemos, consoante com Eliana Robert.
Este é o espaço privilegiado da literatura, susceptível à loucura, um tema tão caro ao autor de A História da Loucura. Os barcos são uma espécie de reserva da imaginação. Os escritores? Um bando de loucos, numa nau sem rumo. Ai das sociedades sem essa reserva criativa, o que, em algumas situações - como nos regimes autoritários - são submetidas à duras repressões. Volto a tratar desde assunto aqui com vocês, quem sabe já nos referindo aos escritores que são citados pelo filósofo, ou, mais precisamente, sobre esses náufragos. Permitam-me a desconcentração. Daqui a pouco o Brasil entra em campo e, apesar das decepções com a canarinha, nosso coração ainda é verde e amarelo. Como diria Nelson Rodrigues, essa é a pátria de chuteiras.
Depois de sua morte, em 1984, foram descobertos alguns escritos ainda inéditos do filósofo francês. Somente no Collège de France, Foucault ministrou 13 cursos, dos quais nem um terço foram ainda disponibilizados ao grande público. Nossa admiração por Michel Foucault começou cedo, na adolescência, pois logo o identifiquei como o filósofo dos desvalidos, dos enfermos, dos transgressores, das prostitutas, dos "delinquentes", de todos quantos são conspurcados pelas instituições disciplinadoras. Tenho uma certa curiosidade em saber como foi a recepção de sua obra nos Estados Unidos - existem poucas publicações a respeito deste assunto - assim como a sua experiência pessoal em solo americano, nos redutos homossexuais de São Francisco. A foto acima é de uma visita que o filósofo fez ao Brasil. Não consegui mais detalhes sobre a mesma, mas, certamente, é uma das poucas onde o filósofo aparece, de certa forma, descontraído, usando uma calça do tipo boca sino. Lembram?
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