Passados dois anos creio ser chegada a hora dos patos serem confrontados com os fatos, serem colocados frente à frente com o que conseguiram fazer com o país, com os resultados do golpe na democracia, com o golpe contra as instituições.
Haviam naquelas manifestações várias espécies de patos, mas duas se destacavam: os patos espertos ou espertalhões, que sabiam muito bem o que estavam defendendo ali: seus interesses privados, empresariais, seus interesses de classe, pouco se lixando, de fato, para o futuro do país, para seus destinos e de sua população. Para essa espécie de patos, simbolizado pelo pato amarelo da FIESP, a corrupção, o impeachment era apenas um pretexto, um biombo, atrás do qual escondiam suas verdadeiras intenções: o desmonte das políticas sociais, da legislação trabalhista, a apropriação do Estado pelos interesses privados nacionais e internacionais.
Mas havia uma grande maioria de uma outra espécie de patos: o pato analfabeto político, a quem o senador Roberto Requião dedicou, essa semana, no Senado, um discurso memorável. Esse é a pior das espécies de patos, pois se julgam sábios, inteligentes, espertos como os primeiros, mas são de um primarismo nas ideias, nos argumentos, que, quando confrontados, tendem a partir para a ignorância apelando para os argumentos irrefutáveis do safanão, do xingamento, da chibata e da bala. Esses patos quase sempre vivem num mundo de ilusões reacionárias, numa realidade que só eles conseguem ver e quando colocados diante do cenário devastador que seu reacionarismo desinformado produziu ainda é capaz de afirmar que são simples lamúrias, pois são, além de tudo, patos onde a sensibilidade social não se faz presente, são capazes de tomar como normal a desigualdade social, a fome e a miséria.
Mas vamos aos fatos, mesmo sabendo que para a maioria de patos analfabetos políticos eles pouco importam. Negar os fatos e substituí-los pelas mentiras paranoicas que inventam e fazem circular nas redes sociais é um de seus esportes preferidos. Eles podem continuar a atribuir ao PT e aos seus governos todos os fatos que vou arrolar, afinal, quem entende de patos sabe que um traço comportamental dessa ave é realizar movimentos circulares em torno do mesmo lugar, em torno de si mesma, pato, muitas vezes, gira, gira e não sai do canto, adora fazer marola e se ver mergulhada em um círculo vicioso. Traços de psicologia de patos, patética talvez. Para ser didático (mania de professor talvez) vou colocar lado a lado os discursos e argumentos dos patos para irem às ruas, para apoiarem e promoverem o golpe, e o resultado que temos depois de dois anos.
Os patos ficaram indignados e foram as ruas principalmente em nome do combate à corrupção. O juiz Sérgio Moro tornou-se o ídolo dos bandos de patos ou da patacoada. Após anos de espetaculosas investigações, temos todos os principais ladrões, confessos e provados, nas ruas ou em casa portando tornozeleiras e desfrutando do patrimônio mal adquirido, embora os patos continuem acreditando e defendendo a Lava Jato, pois, afinal, para os patos espertalhões ela conseguiu entregar a sua encomenda: serviu de pretexto para retirar o PT do poder e condenou e encarcerou o maior líder popular do país sem provas e sem conseguir mostrar o objeto do crime.
Os patos foram as ruas para retirar do poder um governo corrupto e incompetente. E colocaram no poder, talvez, a maior quadrilha que já nos governou. Enquanto nada se conseguiu provar, até agora, contra a presidenta deposta, o vice golpista, guindado ao poder pelo golpe, já responde a vários processos por corrupção. Gravações de ministros aparecem dizendo que é preciso estancar a Lava Jato. Ministro é flagrado com malas de dinheiro em apartamento. Um assessor do presidente foi filmado transportando mala de dinheiro.
Os patos acusavam a presidenta de comprar apoios da base aliada, o que de resto nunca ficou provado. Mas o fantoche que foi colocado em seu lugar compra votos no Congresso, para escapar de ser processado por corrupção, às escancaras, à luz do dia, com deputados da prancheta a anotar o voto de cada um que antes foi recebido em palácio para as “tratativas de apoio”.
Enquanto os patos vociferavam contra o ex-presidente que teria um triplex que está no nome de uma construtora e penhorado em um banco público e teria um sítio com barquinhos de lata que tem donos devidamente registrados em cartório, o presidente do golpe, colocado lá pelos patos, tem uma fazendola no interior no nome de um testa de ferro e sua filha fez uma pequena reforma no apartamento do pai com dinheiro de propina. Mas o ex-presidente está preso, para delírio dos patos, e o presidente do golpe está solto e nos governando.
Os patos exibiam, envaidecidos, em seus carros, o adesivo com a máxima: “Eu não tenho culpa, eu votei no Aécio”, adesivos que a essa altura todos juram que nunca viram. Outro cabecilha dos patos, outro ídolo da patacoada, Aécio, o menino mimado que perdeu as eleições e agiu como se tivera perdido o doce, com a irresponsabilidade política de um play boy, incendiou o país, patrocinou o golpe e hoje arde no próprio incêndio que iniciou. Apesar de todas as gravações que o incriminam, apesar de ter até ameaçado de morte uma de suas mulas de propina, ele segue nas ruas, embora, hoje, todos os patos finjam que não fizeram campanha para ele, nem o apresentaram como um símbolo de honestidade, honradez e competência. Aécio desapareceu das páginas do Facebook dos patos. Ingratos! Aquelas fotinhas de campanha são hoje uma vergonha a ser esquecida. Até o juiz Moro outro dia, outro ingrato (ou ingato, muitas patinhas acham ele um pão), diz ter sido um erro a foto sorridente com o seu candidato a presidente e membro do partido fundado por seu pai e para quem trabalha sua esposa. Provas de imparcialidade da justiça dos patos, ou patética mais uma vez.
Os patos foram as ruas denunciando um governo que estava acabando com o país, que era incompetente na gestão da economia, que não estava sabendo gerir a crise. Dois anos após a promessa de crescimento e recuperação econômica imediata, da prometida “retomada do crescimento”, trombeteada toda manhã pela rainha dos especialistas em economia da patolândia, o país apresenta um cenário econômico desolador: a abertura neoliberal da economia, a retirada dos investimentos estatais (da qual a PEC da limitação dos gastos públicos por vinte anos e o fim de programas estruturantes como o PAC são os maiores símbolos), a entrega de setores estratégicos da economia para o capital estrangeiro (petróleo, gaz, eletricidade, mineração), a paralisação de todas as obras de construção civil (com o auxílio luxuoso da patolândia de Curitiba ao exterminar as principais construtoras do país) e das grandes obras estruturantes, o encolhimento da oferta de crédito com a consequente crise do comércio e dos serviços, está acelerando o processo de desindustrialização do país e a primarização da economia. O que foi apresentado como um argumento para o golpe agora é silenciado. O apagão, tão prometido, finalmente aconteceu. Desde que assumiram a dívida pública sobre o PIB triplicou, a arrecadação desabou, desabamento auxiliado pelos impostos perdoados aos empresários financiadores do golpe, vivemos dois anos de recessão, o desemprego triplicou, milhões de pessoas retornaram para a miséria, estados e municípios faliram, o país se tornou um pária nas relações internacionais (todo chefe de Estado que vem a América do Sul ignora o Brasil e seu governo ilegítimo).
Nas Universidades, os patos de canudo e título de doutor, que deram pulinhos pelos corredores, comemorando o golpe, veem os recursos escassearem, as bolsas e programas de financiamento a pesquisa desaparecerem, a liberdade de cátedra ser atacada por grupos de direita, parlamentares e membros do judiciário e do Ministério Público, pelos patos togados que querem se apossar do poder. No vazio de poder criado pelo golpe, na desmoralização das instituições, no desprestígio da política e dos políticos, os patos togados veem a possibilidade do assalto ao governo. Sem nenhum pudor grasnam suas sentenças nas mídias, palpitam sobre políticas publicas, se reúnem na calada da noite com membros do governo ameaçados pela justiça para ditar-lhes suas soluções mirabolantes para o país. Saídos das universidades públicas, professores de universidades públicas defendem publicamente a privatização da educação superior, enquanto um ator pornô define nossas políticas educacionais. Os patos analfabetos políticos querem assim espalhar indefinidamente seu analfabetismo, tornando-o analfabetismo político de cátedra, ou escola “sem partido”. Qualquer coisa aparentada com o uso da razão e da crítica lhes cheira a “comunismo”, conceito que usam para nomear pessoas e situações que apenas provam que eles sequer sabem o verdadeiro significado desse conceito. Para um pato qualquer crítica é patacoada lamurienta de comunista, petista, bolivariano, mortadela, que para eles, com sua visão aguçada, é tudo a mesma coisa.
Os patos foram as ruas se queixando dos serviços públicos, do preço dos combustíveis, da eficiência na gestão, até escolheram um deles para prefeito da maior cidade do país, por não ser “político”, ser “gestor”, embora o “gestor” não político após fazer uma patacoada de gestão na prefeitura, já esteja na segunda candidatura em menos de três anos. Os patos de linda plumagem rapidamente viraram patinhos feios: o governador santo atolado em corrupção; todas as principais lideranças dos tucanos (outra ave de famosa plumagem, a mais midiática de todas, a ave canora da mídia, embora mal grasne alguma ideia com sentido) flagrados em escândalos sem fim, ameaçados por paulos pretos (essa cor é um problema para essa gente) da vida; o comandante do golpe na cadeia; o juiz arauto do golpe transformado em defensor de corruptos e execrado pela mesma mídia que o deu audiência; impolutos senadores que fazem até chover dinheiro e que foram os porta vozes do golpe respondendo a inúmeras denúncias, muitos ameaçados de prisão; os novos líderes que fizeram peregrinação a Brasília pelo golpe revelando em querelas internas que não passavam de aproveitadores e oportunistas em busca da fama de quinze minutos no Jornal Nacional, a Bíblia dos patos. A saúde se deteriora com a redução dos recursos por causa da PEC do fim do mundo, com a realização do sonho dos patos de roupa branca que era o fim do programa Mais Médicos e a paralisação da expansão do ensino de medicina no país, tudo em nome da reserva de mercado e da defesa de privilégios de classe e de família. Interesse público e da população que se dane, que pobre morra, é a mensagem que vinha e vem das gloriosas faculdades de medicina, das instituições médicas, apoiadoras e entusiastas do Aécio, realmente um campeão da saúde e da sanidade.
Apesar da entrega do pré-sal às empresas estrangeiras, com o fim da destinação de seus royalties para educação, saúde, ciência, tecnologia e inovação, apesar do fim da política de preferência nacional nas compras da Petrobras, o preço dos combustíveis não para de subir. Os patos que inventaram até um adesivo misógino e machista para encher o tanque de seus carros e, ao mesmo tempo, estuprar a presidenta do país (e nada sofreram por isso, numa leniência com o crime, pois isso é crime, típica dos governos petistas que alimentou e engordou as cobras que terminou por mordê-los) hoje enchem seus tanques calados quando a gasolina se aproxima dos R$ 5,00. Não se vê as estradas serem interrompidas por locautes de caminhoneiros e empresas de carga (velha tecnologia de golpes de estado empregada pela CIA) embora o óleo diesel não pare de subir e as condições de trabalho dos caminhoneiros só tenham piorado e se precarizado com a nova legislação trabalhista (o governo golpista acabou com a obrigatoriedade dos caminhoneiros pararem entre as 22 horas e as 4 da manhã, retornando a barbárie de motorista de caminhão drogado com estimulantes circulando pelas estradas).
Os amarelinhos dos correios, dos bancos públicos, das polícias federal e rodoviária, que foram crédulos apoiadores do golpe, levando para as manifestações ilegalmente as suas viaturas, hoje veem seus salários minguarem, as agências serem fechadas, o desemprego atingir uma grande parcela deles. Hoje, circulando como motoristas da Uber para sobreviverem, choram seu arrependimento ou exibem seu ressentimento prometendo, agora, solucionar tudo votando em Bolsonaro. Não é preciso dizer que esses patos não aprendem que não se deve levar o pathos, a paixão, a irracionalidade, o ódio, os maus bofes para a política: elas são péssimas conselheiras. Achar que alguém capaz apenas de frases de efeito, de tiradas grotescas e grosseiras, que alguém incapaz de ter uma ideia sobre economia, saúde, cuja saída para segurança é distribuir armas e para a educação instalar um militar no MEC, possa ser a solução de algo, é levar sua condição de pato à enésima potência, é uma patacoada de mal gosto.
Mas nem todos os patos foram pegos de surpresa pelas políticas de descontinuação (eufemismo usado pelo erudito presidente para nomear a paralisação e fechamento de inúmeros programas que beneficiavam a população mais carente) do governo nascido do golpe: os patos espertalhões estão conseguindo boa parte daquilo que esperavam, embora a incompetência do governo que colocaram no poder é tão grande que nem a eles consegue agradar completamente. Senão vejamos. Os lobos disfarçados de patos conseguiram destruir as conquistas legais que os trabalhadores haviam conquistado na última década e, não satisfeitos, conseguiram que as conquistas de mais de sessenta anos fossem devastadas: fim da política de valorização do salário mínimo, ataque ao financiamento dos sindicatos, destruição da legislação trabalhista, precarização do trabalho, fim de garantias quando do desemprego, possibilidade da existência do trabalhador intermitente, exposição da trabalhadora grávida a condições de trabalho insalubre, extensão da tercerização para as atividades meio, ameaça a existência da própria justiça do trabalho. O país recua em dois anos o que se levou décadas para se construir em termos de direitos e garantias para o trabalhador. Sob a penugem dos patos vemos surgir a casaca do patrão, do patrão à brasileira, aquele que não quer pagar impostos e nem salários, que quer lucros exorbitantes e socorro do Estado – que sempre amaldiçoa-, sempre que estiver em dificuldades. Existem patos desse tipo até como candidato a presidência da República, cantando até musiquinha falando do painho patinho.
Os patos donos de empresas privadas de educação, que fizeram do MEC o seu poleiro, investem numa “reforma” do ensino médio que o torna uma excelente mercadoria, sem que nela esteja nenhuma preocupação genuína com a melhoria da qualidade do ensino oferecido. Retiram disciplinas que garantem uma educação crítica e humanizadora, para apostarem numa ensino de tecnologias e tecnicalidades, visando a produção do homem maquínico e não do homem pensante. O ódio a inteligência grassa e torna energúmenos símbolos de sabedoria, mestres que só dizem patacoadas. O ódio e a ignorância sobe à tribuna de um Congresso que deseja bandido morto, a criminalização dos movimentos sociais e a lei da bala e do chicote para os que pensam diferente. A ignorância pomposa se manifesta num presidente que em convescote empresarial (uma reunião de grão patos golpistas e intreguistas) pontifica a grande descoberta que a segunda-feira é o primeiro dia da semana (imagine se essa sandice fosse dita pelo odiado presidente analfabeto ou pela anta da presidente vítima do golpe?). A inteligência se retira envergonhada a cada sessão de uma Corte que existe para defender a Constituição e a conspurca a cada vez que se reúne, com argumentos tão palavrosos e contraditórios que o Kant, crente da razão pura, se mataria, quando não se tem quase que se convocar a polícia de costumes dado o palavrório que esquece o latim e passa quase ao baixo calão. E não falemos da argumentação presente nos votos dos juízes justiceiros da república da patolândia e na peroração dos especialistas todos os dias convocados a dizer que o golpe não foi golpe na mídia nativa e na Globo News, aquela que torna patacoada informação e análise, sempre entre aspas. Parece que não estão conseguindo: aqueles que eles achavam que eram os verdadeiros patos, em pesquisa recente, majoritariamente, disseram que o golpe é golpe, os patos queiram ou não o chamar assim. Contra fatos não há argumentos, a não ser, claro, para os patos.
Durval Muniz de Albuquerque Junior é historiador e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
(Texto publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem, aqui reproduzido com autorização do autor)
Haviam naquelas manifestações várias espécies de patos, mas duas se destacavam: os patos espertos ou espertalhões, que sabiam muito bem o que estavam defendendo ali: seus interesses privados, empresariais, seus interesses de classe, pouco se lixando, de fato, para o futuro do país, para seus destinos e de sua população. Para essa espécie de patos, simbolizado pelo pato amarelo da FIESP, a corrupção, o impeachment era apenas um pretexto, um biombo, atrás do qual escondiam suas verdadeiras intenções: o desmonte das políticas sociais, da legislação trabalhista, a apropriação do Estado pelos interesses privados nacionais e internacionais.
Mas havia uma grande maioria de uma outra espécie de patos: o pato analfabeto político, a quem o senador Roberto Requião dedicou, essa semana, no Senado, um discurso memorável. Esse é a pior das espécies de patos, pois se julgam sábios, inteligentes, espertos como os primeiros, mas são de um primarismo nas ideias, nos argumentos, que, quando confrontados, tendem a partir para a ignorância apelando para os argumentos irrefutáveis do safanão, do xingamento, da chibata e da bala. Esses patos quase sempre vivem num mundo de ilusões reacionárias, numa realidade que só eles conseguem ver e quando colocados diante do cenário devastador que seu reacionarismo desinformado produziu ainda é capaz de afirmar que são simples lamúrias, pois são, além de tudo, patos onde a sensibilidade social não se faz presente, são capazes de tomar como normal a desigualdade social, a fome e a miséria.
Mas vamos aos fatos, mesmo sabendo que para a maioria de patos analfabetos políticos eles pouco importam. Negar os fatos e substituí-los pelas mentiras paranoicas que inventam e fazem circular nas redes sociais é um de seus esportes preferidos. Eles podem continuar a atribuir ao PT e aos seus governos todos os fatos que vou arrolar, afinal, quem entende de patos sabe que um traço comportamental dessa ave é realizar movimentos circulares em torno do mesmo lugar, em torno de si mesma, pato, muitas vezes, gira, gira e não sai do canto, adora fazer marola e se ver mergulhada em um círculo vicioso. Traços de psicologia de patos, patética talvez. Para ser didático (mania de professor talvez) vou colocar lado a lado os discursos e argumentos dos patos para irem às ruas, para apoiarem e promoverem o golpe, e o resultado que temos depois de dois anos.
Os patos ficaram indignados e foram as ruas principalmente em nome do combate à corrupção. O juiz Sérgio Moro tornou-se o ídolo dos bandos de patos ou da patacoada. Após anos de espetaculosas investigações, temos todos os principais ladrões, confessos e provados, nas ruas ou em casa portando tornozeleiras e desfrutando do patrimônio mal adquirido, embora os patos continuem acreditando e defendendo a Lava Jato, pois, afinal, para os patos espertalhões ela conseguiu entregar a sua encomenda: serviu de pretexto para retirar o PT do poder e condenou e encarcerou o maior líder popular do país sem provas e sem conseguir mostrar o objeto do crime.
Os patos foram as ruas para retirar do poder um governo corrupto e incompetente. E colocaram no poder, talvez, a maior quadrilha que já nos governou. Enquanto nada se conseguiu provar, até agora, contra a presidenta deposta, o vice golpista, guindado ao poder pelo golpe, já responde a vários processos por corrupção. Gravações de ministros aparecem dizendo que é preciso estancar a Lava Jato. Ministro é flagrado com malas de dinheiro em apartamento. Um assessor do presidente foi filmado transportando mala de dinheiro.
Os patos acusavam a presidenta de comprar apoios da base aliada, o que de resto nunca ficou provado. Mas o fantoche que foi colocado em seu lugar compra votos no Congresso, para escapar de ser processado por corrupção, às escancaras, à luz do dia, com deputados da prancheta a anotar o voto de cada um que antes foi recebido em palácio para as “tratativas de apoio”.
Enquanto os patos vociferavam contra o ex-presidente que teria um triplex que está no nome de uma construtora e penhorado em um banco público e teria um sítio com barquinhos de lata que tem donos devidamente registrados em cartório, o presidente do golpe, colocado lá pelos patos, tem uma fazendola no interior no nome de um testa de ferro e sua filha fez uma pequena reforma no apartamento do pai com dinheiro de propina. Mas o ex-presidente está preso, para delírio dos patos, e o presidente do golpe está solto e nos governando.
Os patos exibiam, envaidecidos, em seus carros, o adesivo com a máxima: “Eu não tenho culpa, eu votei no Aécio”, adesivos que a essa altura todos juram que nunca viram. Outro cabecilha dos patos, outro ídolo da patacoada, Aécio, o menino mimado que perdeu as eleições e agiu como se tivera perdido o doce, com a irresponsabilidade política de um play boy, incendiou o país, patrocinou o golpe e hoje arde no próprio incêndio que iniciou. Apesar de todas as gravações que o incriminam, apesar de ter até ameaçado de morte uma de suas mulas de propina, ele segue nas ruas, embora, hoje, todos os patos finjam que não fizeram campanha para ele, nem o apresentaram como um símbolo de honestidade, honradez e competência. Aécio desapareceu das páginas do Facebook dos patos. Ingratos! Aquelas fotinhas de campanha são hoje uma vergonha a ser esquecida. Até o juiz Moro outro dia, outro ingrato (ou ingato, muitas patinhas acham ele um pão), diz ter sido um erro a foto sorridente com o seu candidato a presidente e membro do partido fundado por seu pai e para quem trabalha sua esposa. Provas de imparcialidade da justiça dos patos, ou patética mais uma vez.
Os patos foram as ruas denunciando um governo que estava acabando com o país, que era incompetente na gestão da economia, que não estava sabendo gerir a crise. Dois anos após a promessa de crescimento e recuperação econômica imediata, da prometida “retomada do crescimento”, trombeteada toda manhã pela rainha dos especialistas em economia da patolândia, o país apresenta um cenário econômico desolador: a abertura neoliberal da economia, a retirada dos investimentos estatais (da qual a PEC da limitação dos gastos públicos por vinte anos e o fim de programas estruturantes como o PAC são os maiores símbolos), a entrega de setores estratégicos da economia para o capital estrangeiro (petróleo, gaz, eletricidade, mineração), a paralisação de todas as obras de construção civil (com o auxílio luxuoso da patolândia de Curitiba ao exterminar as principais construtoras do país) e das grandes obras estruturantes, o encolhimento da oferta de crédito com a consequente crise do comércio e dos serviços, está acelerando o processo de desindustrialização do país e a primarização da economia. O que foi apresentado como um argumento para o golpe agora é silenciado. O apagão, tão prometido, finalmente aconteceu. Desde que assumiram a dívida pública sobre o PIB triplicou, a arrecadação desabou, desabamento auxiliado pelos impostos perdoados aos empresários financiadores do golpe, vivemos dois anos de recessão, o desemprego triplicou, milhões de pessoas retornaram para a miséria, estados e municípios faliram, o país se tornou um pária nas relações internacionais (todo chefe de Estado que vem a América do Sul ignora o Brasil e seu governo ilegítimo).
Nas Universidades, os patos de canudo e título de doutor, que deram pulinhos pelos corredores, comemorando o golpe, veem os recursos escassearem, as bolsas e programas de financiamento a pesquisa desaparecerem, a liberdade de cátedra ser atacada por grupos de direita, parlamentares e membros do judiciário e do Ministério Público, pelos patos togados que querem se apossar do poder. No vazio de poder criado pelo golpe, na desmoralização das instituições, no desprestígio da política e dos políticos, os patos togados veem a possibilidade do assalto ao governo. Sem nenhum pudor grasnam suas sentenças nas mídias, palpitam sobre políticas publicas, se reúnem na calada da noite com membros do governo ameaçados pela justiça para ditar-lhes suas soluções mirabolantes para o país. Saídos das universidades públicas, professores de universidades públicas defendem publicamente a privatização da educação superior, enquanto um ator pornô define nossas políticas educacionais. Os patos analfabetos políticos querem assim espalhar indefinidamente seu analfabetismo, tornando-o analfabetismo político de cátedra, ou escola “sem partido”. Qualquer coisa aparentada com o uso da razão e da crítica lhes cheira a “comunismo”, conceito que usam para nomear pessoas e situações que apenas provam que eles sequer sabem o verdadeiro significado desse conceito. Para um pato qualquer crítica é patacoada lamurienta de comunista, petista, bolivariano, mortadela, que para eles, com sua visão aguçada, é tudo a mesma coisa.
Os patos foram as ruas se queixando dos serviços públicos, do preço dos combustíveis, da eficiência na gestão, até escolheram um deles para prefeito da maior cidade do país, por não ser “político”, ser “gestor”, embora o “gestor” não político após fazer uma patacoada de gestão na prefeitura, já esteja na segunda candidatura em menos de três anos. Os patos de linda plumagem rapidamente viraram patinhos feios: o governador santo atolado em corrupção; todas as principais lideranças dos tucanos (outra ave de famosa plumagem, a mais midiática de todas, a ave canora da mídia, embora mal grasne alguma ideia com sentido) flagrados em escândalos sem fim, ameaçados por paulos pretos (essa cor é um problema para essa gente) da vida; o comandante do golpe na cadeia; o juiz arauto do golpe transformado em defensor de corruptos e execrado pela mesma mídia que o deu audiência; impolutos senadores que fazem até chover dinheiro e que foram os porta vozes do golpe respondendo a inúmeras denúncias, muitos ameaçados de prisão; os novos líderes que fizeram peregrinação a Brasília pelo golpe revelando em querelas internas que não passavam de aproveitadores e oportunistas em busca da fama de quinze minutos no Jornal Nacional, a Bíblia dos patos. A saúde se deteriora com a redução dos recursos por causa da PEC do fim do mundo, com a realização do sonho dos patos de roupa branca que era o fim do programa Mais Médicos e a paralisação da expansão do ensino de medicina no país, tudo em nome da reserva de mercado e da defesa de privilégios de classe e de família. Interesse público e da população que se dane, que pobre morra, é a mensagem que vinha e vem das gloriosas faculdades de medicina, das instituições médicas, apoiadoras e entusiastas do Aécio, realmente um campeão da saúde e da sanidade.
Apesar da entrega do pré-sal às empresas estrangeiras, com o fim da destinação de seus royalties para educação, saúde, ciência, tecnologia e inovação, apesar do fim da política de preferência nacional nas compras da Petrobras, o preço dos combustíveis não para de subir. Os patos que inventaram até um adesivo misógino e machista para encher o tanque de seus carros e, ao mesmo tempo, estuprar a presidenta do país (e nada sofreram por isso, numa leniência com o crime, pois isso é crime, típica dos governos petistas que alimentou e engordou as cobras que terminou por mordê-los) hoje enchem seus tanques calados quando a gasolina se aproxima dos R$ 5,00. Não se vê as estradas serem interrompidas por locautes de caminhoneiros e empresas de carga (velha tecnologia de golpes de estado empregada pela CIA) embora o óleo diesel não pare de subir e as condições de trabalho dos caminhoneiros só tenham piorado e se precarizado com a nova legislação trabalhista (o governo golpista acabou com a obrigatoriedade dos caminhoneiros pararem entre as 22 horas e as 4 da manhã, retornando a barbárie de motorista de caminhão drogado com estimulantes circulando pelas estradas).
Os amarelinhos dos correios, dos bancos públicos, das polícias federal e rodoviária, que foram crédulos apoiadores do golpe, levando para as manifestações ilegalmente as suas viaturas, hoje veem seus salários minguarem, as agências serem fechadas, o desemprego atingir uma grande parcela deles. Hoje, circulando como motoristas da Uber para sobreviverem, choram seu arrependimento ou exibem seu ressentimento prometendo, agora, solucionar tudo votando em Bolsonaro. Não é preciso dizer que esses patos não aprendem que não se deve levar o pathos, a paixão, a irracionalidade, o ódio, os maus bofes para a política: elas são péssimas conselheiras. Achar que alguém capaz apenas de frases de efeito, de tiradas grotescas e grosseiras, que alguém incapaz de ter uma ideia sobre economia, saúde, cuja saída para segurança é distribuir armas e para a educação instalar um militar no MEC, possa ser a solução de algo, é levar sua condição de pato à enésima potência, é uma patacoada de mal gosto.
Mas nem todos os patos foram pegos de surpresa pelas políticas de descontinuação (eufemismo usado pelo erudito presidente para nomear a paralisação e fechamento de inúmeros programas que beneficiavam a população mais carente) do governo nascido do golpe: os patos espertalhões estão conseguindo boa parte daquilo que esperavam, embora a incompetência do governo que colocaram no poder é tão grande que nem a eles consegue agradar completamente. Senão vejamos. Os lobos disfarçados de patos conseguiram destruir as conquistas legais que os trabalhadores haviam conquistado na última década e, não satisfeitos, conseguiram que as conquistas de mais de sessenta anos fossem devastadas: fim da política de valorização do salário mínimo, ataque ao financiamento dos sindicatos, destruição da legislação trabalhista, precarização do trabalho, fim de garantias quando do desemprego, possibilidade da existência do trabalhador intermitente, exposição da trabalhadora grávida a condições de trabalho insalubre, extensão da tercerização para as atividades meio, ameaça a existência da própria justiça do trabalho. O país recua em dois anos o que se levou décadas para se construir em termos de direitos e garantias para o trabalhador. Sob a penugem dos patos vemos surgir a casaca do patrão, do patrão à brasileira, aquele que não quer pagar impostos e nem salários, que quer lucros exorbitantes e socorro do Estado – que sempre amaldiçoa-, sempre que estiver em dificuldades. Existem patos desse tipo até como candidato a presidência da República, cantando até musiquinha falando do painho patinho.
Os patos donos de empresas privadas de educação, que fizeram do MEC o seu poleiro, investem numa “reforma” do ensino médio que o torna uma excelente mercadoria, sem que nela esteja nenhuma preocupação genuína com a melhoria da qualidade do ensino oferecido. Retiram disciplinas que garantem uma educação crítica e humanizadora, para apostarem numa ensino de tecnologias e tecnicalidades, visando a produção do homem maquínico e não do homem pensante. O ódio a inteligência grassa e torna energúmenos símbolos de sabedoria, mestres que só dizem patacoadas. O ódio e a ignorância sobe à tribuna de um Congresso que deseja bandido morto, a criminalização dos movimentos sociais e a lei da bala e do chicote para os que pensam diferente. A ignorância pomposa se manifesta num presidente que em convescote empresarial (uma reunião de grão patos golpistas e intreguistas) pontifica a grande descoberta que a segunda-feira é o primeiro dia da semana (imagine se essa sandice fosse dita pelo odiado presidente analfabeto ou pela anta da presidente vítima do golpe?). A inteligência se retira envergonhada a cada sessão de uma Corte que existe para defender a Constituição e a conspurca a cada vez que se reúne, com argumentos tão palavrosos e contraditórios que o Kant, crente da razão pura, se mataria, quando não se tem quase que se convocar a polícia de costumes dado o palavrório que esquece o latim e passa quase ao baixo calão. E não falemos da argumentação presente nos votos dos juízes justiceiros da república da patolândia e na peroração dos especialistas todos os dias convocados a dizer que o golpe não foi golpe na mídia nativa e na Globo News, aquela que torna patacoada informação e análise, sempre entre aspas. Parece que não estão conseguindo: aqueles que eles achavam que eram os verdadeiros patos, em pesquisa recente, majoritariamente, disseram que o golpe é golpe, os patos queiram ou não o chamar assim. Contra fatos não há argumentos, a não ser, claro, para os patos.
Durval Muniz de Albuquerque Junior é historiador e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
(Texto publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem, aqui reproduzido com autorização do autor)
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