pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Negras na família real britânica: representação ou mera performance
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sexta-feira, 1 de junho de 2018

Negras na família real britânica: representação ou mera performance

                                         
Dennis de Oliveira                                                                                

Negras na família real britânica: representação ou mera performance?         
A família real britânica durante o casamento de Harry e Meghan Markle (Divulgação)

Nas últimas semanas, causou um certo frisson nas redes sociais o casamento do príncipe Harry com Meghan Markle, realizado no dia 19 de maio. A polêmica se deu pelo fato de Meghan Markle ser uma mulher afroamericana. E as posições que polemizaram nas redes sociais resumiram-se em duas perguntas: a presença de uma mulher negra na família real britânica seria um avanço na “representatividade” da população negra, em especial das mulheres negras? Ou aquilo não teria nenhum significado, dado o caráter racista da Coroa e do Império britânicos?
Acompanhando as discussões que transitavam entre estas posições de representatividade, visibilidade ou um detalhe sem nenhum significado importante, lembrei-me de um texto do pensador jamaicano Stuart Hall sobre multiculturalismo. Segundo Hall, estas visibilidades de diferenças étnicas, culturais, de gênero ou de orientação sexual se inserem na lógica chamada, pelo filósofo pós-estruturalista Jacques Derrida, de differance. Este conceito derridiano é produto da articulação de duas palavras francesas que significam “diferenciar” e “diferir”. Isto é, uma perspectiva discursiva em que a diferenciação é incorporada numa certa lógica, mas sem apagar as marcas que são classificadas como diferentes. Em outras palavras, é a incorporação no terreno da universalização da diferença, mantendo o status de diferença (o que, em última instancia, reforça o caráter do que é referente, hegemônico).
Homi Bhabha, também citado por Hall, fala do “tempo liminar das minorias” em que estas estratégias da differance são executadas como momentos pontuais, episódicos, pontos que enfeitam um quadro já pré-desenhado. Em outro texto, Hall fala da ideia, comum na própria Inglaterra em que ele viveu a maior parte da sua vida, do bit of the other, uma “gota do outro” que chega a ter até uma conotação sexual.
O que é interessante nestas discussões é que existe uma diferença entre visibilidade e representação. Isto porque colocado como bit of the other, como differance, como um tempo liminar – ou ainda como Michele Alexander, na obra A nova segregação, chama: “exceção que confirma a regra” -, a visibilidade de pessoas negras pode ser uma mera estratégia que reforça uma ordem hegemônica. Uma mera visibilidade que não significa, necessariamente, representação. Aliás, mesmo no campo das representações, há que se discutir se ela (a representação) pode ser pensada de forma dissociada do reconhecimento e da redistribuição como afirma Nancy Fraser.
E por que esta visibilidade gera a impressão de uma representação? Muito em função da configuração da sociedade da inflação das informações. É uma demonstração do deslocamento da percepção do poder para o campo da visibilidade, da celebridade. Em boa parte, os movimentos da agenda da diversidade se pautam por este aspecto, como acontece nos filmes Pantera Negra e Mulher Maravilha. A visibilidade midiática dá a sensação de uma proximidade com as estruturas de um poder sinóptico – expressa uma ubiquidade pela sua visibilidade intensa, mas não no sentido do Panóptico de Jeremy Bentham (ou seja, a de criar uma sensação de estar sendo vigiado), mas de ser mostrado, visibilizado. É uma arquitetura do poder que não é apenas temida, mas sedutora.
Em boa parte, esta glamourização das imagens do poder e sua narrativa sedutora escondem tanto as estruturas que o sustentam (a base econômica mantida pela exploração dos povos, inclusive negros na Inglaterra e fora dela) quanto ações que, embora não tenham o glamour do casamento real, a sustentam – como, por exemplo, as guerras imperialistas patrocinadas por este país. Por outro lado, não há como negar o que Hall e Bhabha afirmam em relação a este tempo liminar das minorias que, graças a isto, a narrativa hegemônica nunca se cristaliza totalmente, abrindo sempre espaços para estas contra-narrativas. Aí, as lágrimas da mãe negra de Meghan Markle no casamento podem ter diversos significados.
A única coisa de que se tem certeza neste episódio é que, se não fosse esta discussão, a importância de um fato como este – o casamento real, um evento de uma classe para lá de decadente – não teria importância nenhuma.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

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