A democracia é o sistema político que tem nas eleições a forma de legitimar os governantes. Hoje, depois de muitas lutas, da conquista do direito de voto para as mulheres (1932), da conquista do voto para os analfabetos (1985), da extensão do voto facultativo para maiores de 16 anos (1988), o voto é universal. Todos os cidadãos e cidadãs brasileiras têm o direito a votar e escolher seus representantes e o programa de governo que defendem.
Assim, a disputa pelo controle da máquina publica, pela destinação dos recursos públicos, por programas de governo, pelo modelo de desenvolvimento, passa a ser feita de maneira pública, principalmente através dos meios de comunicação, buscando formar maiorias em defesa deste ou daquele programa, em defesa deste ou daquele projeto de desenvolvimento.
A transição da ditadura para a democracia no Brasil, entretanto, criou mecanismos de continuidade para garantir o controle das elites, mesmo em um cenário democrático. Vem daí o presidencialismo de coalizão, as políticas de coalizão no Congresso para garantir a maioria que permita ao Executivo governar. Pelo poder do dinheiro, pelo controle das mídias, buscava-se convencer as maiorias a sufragar os representantes das classes dominantes, e assim continuar a garantir o controle das elites sobre os governos eleitos.
Esse sistema politico, entretanto, não foi capaz de assegurar a continuidade conservadora nas eleições de 2002 e nas três eleições seguintes, quando se elegem candidatos do PT, com amplo suporte popular.
Com o amparo da Constituição de 1988 e politicas de conciliação de classes, os governos do PT conseguiram reduzir o desemprego, aumentar os salários, dinamizar o mercado interno, implantar politicas sociais redistributivas, reduzir significativamente a pobreza extrema, sem incomodar as classes dominantes, as que mais se beneficiaram do período do boom das commodities. O 2º governo Lula termina com 80% de aprovação do governo e 87% de aprovação do presidente. Com esse capital politico o PT elege Dilma Rousseff em 2010.
Já em 2012, no governo Dilma, em razão de medidas que contrariam seus interesses, como aponta André Singer, as classes dominantes desencadeiam uma campanha de difamação de seu governo e investem fortemente para modificar o cenário político nas eleições de 2014.
Os seis principais grupos econômicos investem mais de R$ 5 bilhões para eleger 70% dos novos parlamentares e controlar o Congresso, investem também fortemente na candidatura de Aécio Neves, do PSDB, que obtém mais de 51 milhões de votos. Mas perdem as eleições para Dilma, que arrebanha 54,5 milhões de votos e dá inicio ao seu segundo mandato. Uma diferença estreita, mas que lhe dá a vitória e permite um horizonte de continuidade com a perspectiva de Lula a suceder novamente.
Neste novo cenário, mesmo depois que a presidente Dilma dá uma guinada em sua política e encampa a agenda neoliberal, as classes dominantes se afastam das regras democráticas, criam as pautas-bomba no Congresso para impedi-la de governar, armam o impeachment se utilizando de seu controle do Congresso Nacional. E finalmente depõem a presidente eleita em 2016 e assumem o governo.
A partir daí o novo governo, presidido por Temer, pratica uma politica que jamais seria sufragada pelas urnas porque é contrária aos interesses das maiorias. Tendo à frente a FIESP e a CNI, as classes dominantes aplicam as politicas de austeridade, congelando os gastos públicos por vinte anos, promovendo corte de direitos, o desemprego, a precarização das relações de trabalho, a redução da cobertura da previdência, cortes no orçamento da educação, da saúde, das politicas sociais como um todo, beneficiando especialmente o pagamento do serviço da divida pública, o capital financeiro e o rentismo.
A insatisfação popular é crescente, as periferias das cidades vivem em um estado de sitio informal, com perseguições e uma politica repressiva que tem licença para matar jovens negros pobres. Nunca é demais lembrar que serão eles a definir a próxima eleição, já que 86% dos brasileiros vivem em cidades e 68% das famílias brasileiras vivem com uma renda mensal de até três salários mínimos.
Alardeando a criminalidade e a violência, e atemorizando continuamente a população, a TV busca implantar um sentimento de medo que encontra espaço na falta de uma narrativa que se oponha a esta manipulação, e busca convencer a população que são dois os problemas a serem enfrentados: a corrupção e a criminalidade, ambos pela via da repressão. Não se fala no substancial, a desigualdade crescente, a pobreza, a destruição dos recursos naturais, pois esses elementos são constitutivos do capitalismo.
Agora, frente às eleições deste ano, qual o programa que vai ser defendido pela direita, pelas elites, na campanha eleitoral que se inicia? Quais serão suas propostas para enfrentar o desemprego e o subemprego de 26 milhões de brasileiros; para combater a pobreza que aumenta com as políticas de austeridade; para enfrentar a precarização das politicas públicas, especialmente a saúde e a educação; as questões da vida nas cidades, como saneamento básico, transporte púbico, moradia, acesso a serviços públicos que deveriam ser bens comuns; a degradação ambiental e o sequestro de nossos recursos naturais pelo agronegócio, pelas mineradoras e petrolíferas multinacionais, pelo grande capital; a perda de nossa soberania?
Este governo das elites, que só voltaram ao poder pela via do golpe parlamentar, não tem propostas para apresentar para as maiorias. E mesmo com toda campanha pela mídia, seus candidatos não decolam nas pesquisas. Neste momento as classes dominantes ainda buscam um candidato conservador, mas com diálogo com outros setores da sociedade.
Se não tiverem sucesso, a única alternativa para eles ou é apoiar Bolsonaro e aprofundar um cenário de mobilizações fascistas, perseguições e violência, sem qualquer projeto para o Brasil, mas com risco de perder as eleições; ou desistir das eleições e aprofundar o golpe de Estado.
*Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
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